Os leitores sabem: a informação circula em velocidade de rede, o que faz da experiência humana um exercício ainda profundamente biológico. Durante o Consumidor Moderno Experience Summit, realizado esse ano em Istambul, o workshop conduzido pela Hyper Island e metodicamente construído em parceria com a CX Brain, Skill Tech ligada ao Grupo Padrão, teve como foco o cérebro social.
Segundo Tim Lucas, head da Hyper Island para América do Norte, ”somos criaturas que imitam, que aprendem uns com os outros, que buscam pertencimento”. Os neurônios espelhados – essas antenas invisíveis de empatia e identificação – moldam comportamentos muito além do que as marcas e plataformas digitais gostam de admitir.
Por isso, quando falamos de “arquitetura de experiências”, estamos falando, na verdade, de neurociência aplicada ao processo de escolhas e entendimento das conexões que unem pessoas em torno de seus padrões de consumo. Não basta projetar jornadas, canais ou fluxos de interação; é preciso entender que a dor social – a sensação de exclusão ou rejeição – dispara nos circuitos cerebrais sensações tão intensamente dolorosas quanto a dor física. E que o medo e o perigo são cinco vezes mais poderosos que as recompensas no modo como percebemos e decidimos.
Essa dinâmica cria um paradoxo fascinante: vivemos em economias digitais que pregam personalização e autonomia, mas onde as decisões, muitas vezes, já foram tomadas por nós. É curioso que procuramos justificativas “racionais” para verbalizar uma decisão tomada por impulso ou indução.
O conceito da “economia da intenção” expõe a armadilha: a IA que se diz neutra, mas que pode se converter em arquiteta invisível das nossas escolhas. A dúvida que perfura nossa camada de confiança é: a IA vai nos oferecer o que queremos, o que precisamos ou simplesmente o que mais gera receita para quem a opera?
Para além da técnica, estamos diante de um princípio ético – e um convite à reflexão sobre design de comportamento. O que a teoria do nudge (as cutucadas e alavancas que podemos criar para modificar percepções e reorientar ações, magistralmente concebida por Richard Thales, Nobel de Economia) nos ensina é que pequenos ajustes no ambiente (arquitetura de escolha) podem direcionar ações de forma quase imperceptível. Mas, no coração disso tudo, está a urgência de criar pertencimento, de reduzir a dor social e de tornar cada interação uma experiência que respeita a autonomia e dá significado às decisões dos clientes.
Essa trilha de aprendizados sobre a mente humana nos conduz ao estudo das tribos digitais – uma evolução das subculturas urbanas e dos guetos culturais. Hoje, cada comunidade em rede é um campo de ressonância: o que vestimos, onde comemos, as marcas que carregamos no peito dizem mais sobre quem somos (ou queremos ser) do que qualquer slogan publicitário. No Summit, Tim Lucas e Sandra Lindman, head global de Growth da Hyper Island, mostraram vários cases que demonstraram como olhar para o que está abaixo do campo de visão revela novas formas de geração de valor real. Um exemplo:
- Os coffee hipsters transformaram o simples ato de beber café em um ritual coletivo.
- Assim, ao trabalhar com a Basf, Hyper Island ajudou a formular o Made in Farm – que conecta produtores e consumidores numa teia de narrativas que vai muito além do produto final.
- O Made in Farm levou a criação da Orbia, que em apenas dois anos ergueu um mercado avaliado em R$ 3 bilhões, justamente por criar um efeito de rede baseada em calor humano – um ecossistema de fidelidade, pertencimento e propósito.
Esse case sinaliza uma propensão de maior sucesso para as marcas que criam espaços de identidade compartilhada. A experiência, nesse cenário, não é um roteiro que você impõe – é um exercício de coreografias onde os clientes se tornam protagonistas.
Os estudos mais avançados na compreensão dos processos de escolha levaram a Hyper Island a criar o modelo ARIS, uma régua de questões e seleções estratégicas para marketing e CX que permite traduzir em ações práticas cinco dimensões fundamentais para cérebros sociais:
- Autonomia: reforçar a percepção de escolha e liberdade;
- Regularidade: construir confiança por meio da previsibilidade;
- Inclusão: reduzir a dor social e criar pertencimento real;
- Significado: dar propósito à experiência, sem esvaziar o sentido pessoal;
- Equidade: garantir justiça e transparência, inclusive em modelos de precificação e acesso.
As discussões finais do workshop criaram espaços de reflexão pessoal e consciência coletiva de alto poder emocional. Muitas pessoas confrontaram medos e tensões e perceberam como deixamos de adotar rituais que são indispensáveis à evolução humana. Explorar novos territórios de informação e modelos mentais que nos colocam em vulnerabilidade enquanto evidenciam como podemos estimular nosso cérebro social traz grandes ensinamentos:
- A personalização, quando mal compreendida, torna-se um disfarce para a manipulação.
- Olhar para as tribos digitais significa entender que pertencimento não é apenas um KPI de marketing, mas um anseio humano.
- As experiências que realmente conectam são aquelas que equilibram autonomia e curadoria, propósito e liberdade.
Essa é a era em que o excesso de conteúdo, das tendências instagramáveis tornam o significado descartável. Ao forçar continuamente a atenção das pessoas, empresas e influenciadores digitais, estão criando um mar de indiferença. Nada corrói mais uma marca no médio e longo prazo do que a indiferença. Entre marcas apáticas e produção de overload cognitivo, a relevância é disruptada e subvertida.
No fundo, a pergunta que cada marca, que cada empresa, deveria se fazer frequentemente é: como ativar tribos sem capturar consciências? Eis o ponto de partida para construir não só negócios mais rentáveis, mas, sobretudo, relações mais autênticas com consumidores que, no fundo, são apenas humanos em busca de significado.