Nos últimos anos, estudos mostram que as prioridades das novas gerações têm caminhado para um futuro mais pautado em sustentabilidade. Esses consumidores estão dispostos a pagar mais por produtos que se preocupam com impactos sociais e ambientais, e são profissionais propensos a ganhar menos de salário desde que haja a opção de trabalhar numa empresa com cultura e missão que condizem com esses princípios sustentáveis. Agora, a pressão para que esse cenário se expanda começa a vir também de investidores, que passaram a considerar mais fortemente ativos como esses na hora de colocar dinheiro e adquirir marcas para seus portfólios. O investimento responsável tem como filosofia garantir que as aplicações estejam vinculadas a questões ambientais, sociais e de governança das empresas. Vem daí, portanto, a sigla do momento no mundo dos negócios, a ESG (do inglês, Environmental, Social and Governance).
Estes critérios têm sido utilizados por consultores financeiros, bancos e fundos de investimentos, pois estão associados a negócios sólidos, de baixo custo de capital e de melhor resiliência contra os riscos ligados ao clima e à sustentabilidade. Métricas ambientais ajudam o investidor a compreender a relação da empresa com o mundo natural e a utilização desses recursos. Já as métricas sociais são importantes porque mostram os potenciais problemas sobre Direitos Humanos, relações trabalhistas ou com as comunidades locais onde o negócio atua. E, por fim, empresas com qualidade em governança são mais confiáveis e menos propensas a ceder à corrupção. Estas informações geram mais segurança nas decisões e garantem um investimento sustentável a longo prazo.
Mas essa pressão por negócios mais sustentáveis já é realidade no Brasil? Sim. É o que garante Estevam Pereira, sócio-fundador do Grupo Report, empresa especializada no tema da sustentabilidade e que, desde 2002, atua com foco em relatórios, estratégia e comunicação das ações nesta área para os maiores grupos do país. Para tirar as dúvidas sobre o tema, a Consumidor Moderno conversou com esse expert no assunto. Acompanhe os principais pontos:
Consumidor Moderno: Nos últimos tempos, jornais, blogs e revistas têm falado cada vez mais de ESG. Como isso impacta no dia a dia de empresas e marcas?
Estevam Pereira: ESG é a sigla em inglês para a expressão Ambiental, Social e Governança, mas podemos dizer que é uma nova maneira de se referir à sustentabilidade. A grande diferença é que, agora, quem está dando relevância a esses temas são os investidores, ou seja, quem tem dinheiro para impactar nos lucros de empresas e marcas. O foco é, portanto, direto nos negócios. O Itaú-Unibanco, por exemplo, anunciou que não vai mais financiar empresas de carne que contribuem com o desmate da floresta amazônica. Essa é uma ação punitiva. Já o caso da Natura é um exemplo de como o mercado premia as empresas que se posicionam em prol de questões sociais. A empresa levou o transexual Thammy Miranda para a sua campanha do Dia dos Pais. Houve uma grande polêmica nas redes sociais, mas as ações da Natura valorizaram 10% na bolsa. É claro que não dá para afirmar que foi a campanha responsável única por essa valorização, mas as empresas que vão bem nos aspectos ESG também costumam ser as que mais se valorizam e dão resultados financeiros.
CM: Os consumidores preferem as marcas comprometidas com a sustentabilidade?
EP: Neste momento não se pode afirmar isso, pois pesquisas mostram que, apesar da preferência existente, o preço ainda é um fator determinante. Por outro lado, a tendência é que as legislações e o mercado tornem cada vez mais caros os produtos e serviços com impactos sociais e ambientais negativos. Na Europa, por exemplo, vários países já marcaram data para o fim da fabricação dos veículos a diesel e à gasolina. A partir de 2025, por exemplo, o Reino Unido só permitirá a comercialização de veículos movidos à eletricidade no seu território. Outro exemplo de início de mudança é o Fashion Revolution, movimento que nasceu com a desastre do Rana Plaza, em Bangladesh. O edifício que desabou matando mais de mil trabalhadores abrigava várias fábricas de roupas e acessórios de grandes marcas, como Prada, Gucci e Versace, e grandes varejistas, como Walmart, Bon Marché e El Corte Inglés. Eles enfrentavam condições degradantes e recebiam uma miséria para que as roupas chegasse ao consumidores e garantissem grandes lucros para as empresas. O movimento Fashion Revolution passou a avaliar o desempenho socioambiental de grandes marcas e a incentivar os consumidores a perguntar “Quem faz as minhas roupas?” Você já se fez essa pergunta?
CM: O que os governos estão fazendo para incentivar essa agenda ESG?
EP: O grande norte hoje para governos, empresas e sociedade é a Agenda 2030 e seus 17 Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). Trata-se de um ambicioso plano de ação para garantir a prosperidade de todos nos próximos 10 anos. Isso envolve desde acabar com a fome até combater as mudanças climáticas, passando por temas como saúde, educação e produtos sustentáveis. Com a pandemia, a importância dos ODS cresceu. Há um entendimento que para enfrentar os desafios da humanidade hoje é preciso trabalharmos juntos, fazendo grandes investimentos, direcionando recursos e definindo prioridades. Ajudar a atingir esses objetivos é uma grande oportunidade de negócios. Ganhar dinheiro resolvendo os problemas do mundo deveria ser o sonho de qualquer líder empresarial.
CM: Quais países são referência em ESG e como está o Brasil nesse contexto?
EP: A Europa é o continente mais avançado. São principalmente os investidores europeus que pedem mudanças. O Brasil, infelizmente, retrocedeu em todos os aspectos ambientais, sociais e de governança. Por outro lado, a notícia boa é as empresas brasileiras, em sua maioria, estão aprofundando seus compromissos com a sustentabilidade. ESG é cada vez mais uma questão de sobrevivência.