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Entrevista – Na mente do cliente

Entrevista – Na mente do cliente

Aplicada ao consumo, a neurociência abandona o ar de ficção científica e mostra a influência de fatores como o contexto social, as relações humanas e o ambiente nos processos de decisão de compra O estudo do cérebro humano avançou muito nas últimas décadas, mas quando se fala em neurociência aplicada ao universo do consumo, apenas nos últimos cinco anos o tema passou a ser abordado nas mesas de reuniões do varejo. Ainda com cara de ficção científica, o campo do neuromarketing é um dos mais recentes do universo acadêmico: nos Estados Unidos, por exemplo, é possível contar nos dedos de uma mão as universidades que possuem estudos formais na área.

Para entender como o varejo pode aplicar a neurociência para entender melhor os consumidores e impulsionar suas vendas, NOVAREJO conversou com o Robert Knight, professor de psicologia & neurociência do Instituto Helen Wills de Neurociência da Universidade da Califórnia, em Berkeley. Knight é formado em física pelo Instituto de Tecnologia de Illinois, é mestre pela Northwestern University Medical School e possui pós-doutorado em estudos biológicos pelo Instituto Salk. Participa ativamente do desenvolvimento e desenho de tecnologias e protocolos de testes de neurociência, sendo seu trabalho focado no papel do córtex frontal no comportamento organizado.

Dentre os vários prêmios que recebeu destacam-se o Prêmio Jacob Javits, do Instituto Nacional de Distúrbios Neurológicos e Derrame, por diversas contribuições para a pesquisa neurológica; o Prêmio IBM Cognitive Computing; o Prêmio Humboldt em Neurobiologia; o Prêmio Neurobionics, por contribuir para a pesquisa Brain Machine Interface; e o Prêmio Distinguished Career Contribution, concedido pela we Society.

JULIANO TUBINO, CMO, Netshoes – O neuromarketing é bastante associado ao varejo pelos estímulos visuais que levam o consumidor a fazer determinadas escolhas. Nesse sentido, há diferenças no comportamento do consumidor do e-commerce, na comparação com o do varejo físico?

Robert Knight – De fato, temos inúmeras evidências de que o contexto afeta o processamento neural. Assim, existem diferenças substanciais entre comprar por meio de um computador e estar mergulhado em um ambiente multissensorial de loja, com outros clientes ao redor. Deixe-me ilustrar com um exemplo bem brasileiro: se você assiste a um jogo de futebol em um bar, com 50 pessoas em volta, seu comportamento é diferente daquele de quando você acompanha a partida sozinho em casa. No sofá, você não se empolga tanto, não tem as mesmas emoções. Estar em um contexto social traz um efeito amplificador e, de certa forma, isso ocorre no ponto de venda. Na loja, o consumidor registra dicas sutis, como pessoas em um corredor, e intuitivamente decide ver o que está sendo oferecido ali. Você nem pensa, simplesmente vai. O ato de ver outras pessoas comprando um produto influencia sua decisão de compra. Se eu vou comprar molho de tomate no supermercado e duas senhoras estão levando uma determinada marca, isso me influencia a comprar aquele produto. O contexto e o ambiente alteram seu comportamento. A compra on-line, porém, é uma experiência diferente, porque é uma interação entre você e uma tela. As opiniões de outros clientes e o histórico de navegação são formas bastante eficazes de criar esse contexto.

CAITO MAIA, CEO, Chilli Beans – Que impacto a comunicação visual no PDV tem nos consumidores? Existe um formato de comunicação que seja comprovadamente mais efetivo?

Robert Knight – Essa é uma questão interessante e muito complexa. É possível tornar o PDV mais atraente com alguns detalhes. Percebemos, por exemplo, que pontas de gôndola em curva tendem a convidar o consumidor a percorrer todo o corredor, impulsionando vendas. Mas mais importante que esses aspectos táticos é a integração e fluidez da campanha de vendas. As ações publicitárias da TV ou outdoors estão representadas na sinalização da loja? Nem sempre, o que é um erro. Novamente, a criação de contexto é muito importante: se o anúncio na TV é diferente da revista, do outdoor e da sinalização da loja, não foi criada uma mensagem unificada e sem ruído que envolva toda a comunicação e, implicitamente, influencie o comportamento do consumidor.

JOÃO BATISTA DA SILVA JUNIOR, diretor de franquias, Rei do Mate – Como a percepção de que se está levando uma vantagem em uma oferta influencia a compra?

Robert Knight – Essa é uma área bastante interessante do processo de tomada de decisão dos clientes. Se você oferece descontos grandes demais, as pessoas tendem a achar que os produtos não são muito bons. Um produto que vale US$ 100, mas é vendido a US$ 20 provavelmente venderia mais se estivesse precificado a US$ 80, já que as pessoas perceberiam o valor. Grandes descontos trazem a noção de que o produto não tem qualidade e que está encalhado. Existe um ponto ótimo na precificação, e fazemos algumas pesquisas para identificar qual é esse ponto, normalmente associando a figura do produto ao preço e medindo a reação neurológica.

Em relação a descontos, também é preciso tomar cuidado para que a promoção faça sentido. ?Pague um, leve dois? não funciona para bombinhas de asma, por exemplo. Novamente, o contexto é fundamental. Há ainda a percepção: US$ 9,99 parece muito mais barato que US$ 10, 01, já que o salto de três para quatro dígitos parece gigantesco e o cérebro responde de forma muito diferente a esses dois estímulos de preço.

E, claro, existe a questão da recompensa imediata. Se eu perguntar a dez pessoas se elas querem US$ 10 hoje ou US$ 11 daqui a dois meses, nove preferirão os US$ 10 agora, embora seja mais inteligente esperar dois meses e ter 10% de bônus. Isso acontece porque as áreas cerebrais mais primitivas buscam o resultado imediato: o prazer, o sexo, as drogas, o álcool, o alimento. Se você suprimir isso e usar seu córtex cerebral, que é a parte mais racional, perceberá que o melhor movimento é esperar algum tempo. São dois sistemas cerebrais diferentes funcionando, e é preciso muita força de vontade para resistir ao impulso de pegar um doce na gôndola do caixa do supermercado.

ROBINSON SHIBA, presidente, TrendFoods – Que aspectos o novo consumidor valoriza na hora de decidir sua compra?

Robert Knight – Não existe evidência neurocientífica que indique que o cérebro dos millennials (a geração nascida no mundo digital) funcione de forma diferente das gerações anteriores, no que se refere às funções básicas, como atenção, emoções e processamento de memória. Mudanças evolutivas na estrutura cerebral demoram dezenas de milhares de anos para acontecer. Entretanto, devemos lembrar que as redes sociais e o uso dos celulares exercem uma grande influência na maneira como os millennials adquirem informações e tomam decisões. O foco no dispositivo móvel, por exemplo, faz com que a pessoa preste muita atenção no aparelho e ignore o que acontece ao redor. Um bom exemplo é que dirigir enquanto se digita no celular resulta em mais acidentes. O que acontece é que os consumidores jovens, conectados o tempo todo às redes sociais, tendem a concentrar seu foco no que acontece no celular. Mas esse público mantém suas funções cerebrais intactas se estiverem desconectados de seus dispositivos, podemos ficar tranquilos.

LEONARDO LAMARTINE, CEO, Grupo Bonaparte – Há exemplos de uso do neuromarketing no setor de gastronomia?

Robert Knight – Temos alguns casos bem interessantes. As áreas do cérebro que processam as sensações gastronômicas, sabores etc., estão localizadas no fundo do cérebro e não são facilmente perceptíveis, ao contrário do que acontece com ativações visuais, que formam lindas imagens de ressonância magnética. O que temos são os inputs gastronômicos, como o som crocante da batata frita ou a visão de uma cerveja bem gelada, e como o cérebro reage a eles. Avaliamos como os estímulos gastronômicos afetam as respostas emocionais, por meio de um procedimento chamado Total Consumer Experience (TCE), em que verificamos a reação a estímulos que vão da visão da embalagem ao consumo do produto, passando pela abertura da embalagem, o toque no produto e por aí vai. E enquanto isso acontece registramos as reações cerebrais em tempo real e podemos verificar quais partes da experiência gastronômica são melhores, o que gera insights para a publicidade e para a apresentação dos produtos. Em muitos casos, vemos que a melhor parte não é provar o alimento, mas, sim, sua antecipação, o que acontece antes de mergulharmos a batata frita no catchup. Isso é o que ativa o desejo e fortalece a experiência de consumo.

JOE YAN, líder de operações de mercados emergentes, AliExpress – Por que consumidores em diferentes países se comportam de forma diferente no ambiente on-line?

Robert Knight – Muitos aspectos ainda precisam ser analisados para chegarmos a uma resposta final, mas existem muitos fatores a considerar. Precisamos levar em conta o estilo do site, já que ele tem grande influência sobre a forma como as pessoas compram. Em geral, sites que têm um visual mais limpo, como o Google ou a Apple, têm uma resposta mais positiva dos consumidores, na comparação com sites cheios de informação, muitos detalhes e declarações corporativas. Em países diferentes há tipos diferentes de interfaces, e evidentemente esse é um aspecto muito relevante no comportamento do usuário. É preciso levar em conta também o status socioeconômico das pessoas que usam os serviços on-line em diferentes países. Isso tem grande influência na usabilidade dos sites, obviamente, e na maneira como as pessoas compram. Os 5% ou 10% mais ricos certamente têm um comportamento de compras bem diferente da classe média ou dos mais pobres, em qualquer lugar do mundo. Esses são aspectos muito mais influentes que as diferenças entre os países.

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