Após a aprovação, em primeiro turno na Câmara, da “PEC do teto dos gastos”, que limita o crescimento dos gastos públicos, parte do ajuste fiscal está encaminhado. Cheio de imperfeições e alvo de críticas mesmo daqueles que apoiam pesadas medidas para a contenção da dívida pública. O endividamento, porém, também é um grave problema do setor privado.
Recentemente, o Copom (Comitê de Política Monetária do Banco Central) decidiu pelo corte de 0,25 pontos percentuais na taxa Selic, que agora se situa em 14% ao ano. Decisão necessária e correta: as altas taxas de juros seguem asfixiando o consumo e os investimentos – as taxas no crédito rotativo atingiu em agosto 475% à pessoa física e 354% à pessoa jurídica, segundo o Banco Central. Ou seja, financiar empréstimos e pagar dívidas sob essas taxas de juros inviabiliza o consumo e quaisquer negócios que requerem pesadas inversões de capital.
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Ora, é natural que empresas e consumidores ainda estejam receosos para recorrer ao crédito: o desemprego segue crescendo e atingiu 11,8%, em agosto, e o volume de vendas do varejo caiu 5,5% no mesmo mês, segundo o IBGE. O arrefecimento da inflação em setembro (0,08%), ainda conforme a instituição, reflete, em parte, o fraco consumo (além de efeitos sazonais benéficos do nível de preços dos alimentos).
A Serasa Experian apurou que, em setembro, foi recorde o número de falências e pedidos de recuperação judicial. Só no acumulado de 2016, houve crescimento de 62% nesses pedidos. Micro e pequenas empresas lideram os requerimentos de recuperação judicial no acumulado até setembro (mais de 900 pedidos), revelando a gravidade da situação financeira dessas empresas. Não à toa, segundo pesquisa do SPC Brasil e da CNDL realizada entre agosto e setembro deste ano, 85,2% de empresários consultados não pretendem contratar crédito nos próximos três meses, ou porque conseguem sustentar seus negócios com recursos próprios (37,6%), ou porque não querem tomar empréstimos em função das ainda altas taxas de juros (21,7%). E a confiança, que crescia e insuflava ânimo aos agentes?
O otimismo está perdendo força, segundo a FGV: em setembro, o crescimento das expectativas do comércio pouco cresceu e, na série com ajuste sazonal (isto é, livre dos efeitos de calendário), a confiança caiu novamente.
Ou seja, o aumento da confiança averiguado anteriormente decorreu mais do momento político do que da realidade econômica de fato. Ademais, a recente prisão do ex-presidente da Câmara Eduardo Cunha é um fator político de peso que abalou o governo e os políticos de Brasília, e que pode colocar em risco a aprovação definitiva da PEC 241 e a necessária reforma da Previdência. Novamente, a política dará a tônica do cenário econômico, em momento tão delicado e com reformas urgentes na pauta.
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Em um cenário político e econômico ainda conturbado e sem sinais reais de recuperação concreta, o endividamento do setor privado tem pesado profundamente. Cresceu o endividamento corporativo, houve queda no retorno sobre ativos e o fluxo de caixa segue insuficiente. Os indicadores da Serasa Experian apontados anteriormente não deixam margem para dúvida. As empresas, no momento, devem se preocupar em aliviar seu fluxo de caixa para não se tornarem insolventes. Apenas para ilustrar, segundo estudo realizado pela Serasa Experian para o Ranking NOVAREJO Brasileiro 2016, em 11 dos 12 segmentos varejistas contemplados na publicação aumentou o risco de insolvência de empresas entre 2015 e 2016.
O Brasil caminha para a recuperação econômica, porém, a passos lentos e claudicantes, e com as reformas necessárias em risco por causa do contexto político. O desemprego ainda crescerá, impactando o consumo e, por consequência, a performance varejista. O que o varejo deve ter como foco no momento é manter saudável seu fluxo de caixa e não recorrer ao crédito, de modo a evitar o endividamento e a asfixia financeira. Antes de dependerem do governo e de medidas que balançam aos dissabores do Congresso, os empresários devem sanear suas finanças.
*Eduardo Bueno é economista do Centro de Inteligência Padrão – CIP.