O cenário econômico brasileiro desde 2014 tem sido implacável para os empresários. Conforme se observa os dados de falências e recuperações judiciais divulgados pelo Serasa Experian, os pedidos de recuperação judicial apresentaram um aumento contínuo desde 2014 até atingir o pico de 1.863 em 2016, iniciando uma curva descendente a partir de 2017 (1.420) e 2018 (1.408).
Nessa lista está a operadora de telefonia móvel Oi, que entrou com um pedido de recuperação judicial por conta de uma dívida declarada de R$ 65,4 bilhões.
A situação relativa aos serviços prestados pela Oi merece uma análise mais detida e produz um questionamento relevante: o estado de recuperação judicial de uma empresa enseja alguma restrição aos direitos do consumidor? A resposta evidentemente é negativa.
A recuperação judicial é instituto jurídico inerente ao princípio da preservação da empresa, que traduz a compreensão sobre as vantagens sociais decorrentes da proteção da atividade empresarial, culminando na socialização dos riscos relacionados essa atividade, de modo a estimular o empreendedorismo, a livre iniciativa e, ao final, o desenvolvimento econômico e social.
Não obstante, a proteção decorrente do princípio da preservação da empresa e, por tabela, as concessões estabelecidas pela Lei nº 11.101/2005 – Lei de Falências e Recuperações Judiciais – têm por enfoque a estruturação das dívidas para a satisfação dos credores, preservando-se a empresa como unidade econômica produtora de lucros, empregos e crescimento econômico.
O que diz o CDC?
Obviamente, a empresa em recuperação judicial mantém sua atividade a nível concorrencial, sendo-lhe exigida qualidade nos serviços prestados a seus clientes.
No caso da Oi a situação adquire contornos ainda mais evidentes, pois sendo uma concessionária de serviço público de telefonia móvel, aplica-se a exigência de qualidade e regularidade do serviço constante das Leis nº 8987/95 e 9472/97. Ademais, o Código de Defesa do Consumidor expressamente declara ser direito básico do consumidor “a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos em geral” (art. 6º, X).
Portanto, à operadora Oi, ainda que em recuperação judicial, impõe-se o cumprimento dos padrões regulatórios relativos à qualidade do serviço desenvolvido e a satisfação dos direitos do consumidor. E nesse cenário, a opção deve ser sempre pela continuidade, regularidade e qualidade do serviço público.
Assim, o debate governamental sobre eventual intervenção na concessão desenvolvida pela operadora de telefonia é necessário e fundamental para a tomada de uma decisão administrativa motivada e orientada para a proteção dos usuários. Sem uma conduta baseado na precaução, o resultado advindo da inércia será sempre o pior possível. Basta relembrar a barragem de Brumadinho.
Artigo escrito por Guilherme Bicalho, diretor de estruturação de negócios e relações societárias da AB&DF Advocacia Advogado e Consultor Jurídico. Ele foi procurador do Estado de Minas Gerais e também ocuopou o cargo de Procurador da Fazenda Nacional