Quais as melhores respostas individuais e coletivas para lidar com a desigualdade de oportunidades e a falta de diversidade nas empresas de varejo globais? Em meio à turbulência de uma pandemia global sem precedentes, com efeitos ainda não dimensionados na totalidade, milhões de pessoas em todo o mundo foram às ruas para protestar contra o racismo. No World Retail Congress Connected, pudemos ver uma conversa muito provocadora entre Chip Bergh, presidente e CEO da Levi Strauss & Co. e Susan Hart, líder de prática de varejo global na Spencer Stuart, com vários insights destinados a mostrar o que todos nós podemos fazer para impulsionar a mudança.
Falar sobre diversidade e inclusão é necessário ainda que seja um assunto complexo, sensível e repleto de nuances. Ainda assim, como afirma Susan Hart, “é melhor colocá-lo em pauta, ainda que de forma imperfeita, do que evitá-lo”. A Levi’s, icônica empresa de moda, que ensinou o mundo a usar jeans, assumiu os temas de inclusão e diversidade há anos e se orgulha de ser progressista, de estimular e apoiar causas sociais e até políticas. No infeliz caso do assassinato de George Floyd, que foi o estopim do movimento “Black Lives Matter”, a empresa procurou captar as emoções do momento para transformá-las em ações.
Mas até que ponto essas ações se refletiram internamente na empresa? Que iniciativas a Levi’s promoveu para realmente estimular inclusão e diversidade em sua operação, influenciando a conduta das lideranças e a cultura interna? Segundo Chip, a Levi’s tem uma longa tradição de apoio à justiça social, combate ao racismo, e à quebra de barreiras para permitir a inclusão.
Igualdade como valor
O CEO afirmou que a Levi’s foi a primeira empresa a oferecer planos de saúde idênticos para homens e mulheres, e sempre foram comprometidos, investindo dinheiro em campanhas que apoiam organizações defensoras de justiça social e igualdade em geral, com especial atenção para o suporte às comunidades afro-americanas. No episódio de George Floyd, a Levi’s percebeu que era necessário posicionar exatamente onde a empresa queria chegar na defesa de tópicos como diversidade, inclusão e igualdade.
Quais ações deveriam tomar? Que políticas deveriam realmente defender, quais os primeiros passos? “Os números não mentem. Eles claramente sugerem que não estávamos fazendo o melhor para acompanhar internamente o esforço feito para defender a inclusão junto ao mercado”, explicou Chip. Assim, ele não se furtou a abrir todos os canais internos da companhia para permitir que todas as lideranças afrodescendentes pudessem se manifestar livremente acerca do episódio. Muitas dessas lideranças procuraram o próprio Chip e outros membros do board para explicar todas as injúrias e histórias que mostravam claramente atitudes de racismo das quais eram vítimas no cotidiano.
“E essa postura mais assertiva colaborou positivamente para a companhia? Em que sentido?”, questionou Susan. E o CEO esclareceu: “De fato, nós tivemos um diretor-executivo de Diversidade e Inclusão que saiu da empresa há cerca de um ano. Mas no tempo em que permaneceu, ele realmente promoveu ações importantes, permitiu ampliar os quadros com minorias e implantar uma política de novas contratações que define percentuais mínimos de 50% de candidatos negros para cada vaga de diretor”.
Problemas sistêmicos
Chip também destacou que as empresas em geral encaram problemas sociais, mas particularmente são questões estruturais que tornam o racismo um problema sistêmico no mercado corporativo. Para ele, essa questão estrutural existe justamente para prevenir que a inclusão aconteça de fato ou maior escala, para reduzir a ênfase na diversidade, e é claro que existem estruturas e locais que erguem barreiras intransponíveis para dificultar ao máximo a correção da assimetria. “construir uma cultura de inclusão pressupõe entender como se deve contratar, como se deve promover, como se faz um plano de carreira, como e quanto se paga, e quem tem necessidades especiais para fazer da diversidade um elemento a favor da conquista dos resultados e não um estorvo”, destaca.
O mercado corporativo precisa encarar essa questão estrutural de frente e definir novos parâmetros de seleção que retirem o viés das escolhas, ao mesmo tempo em que possam apoiar campanhas que estimulem uma educação mais inclusiva, que traga novas oportunidades para todos e que viabilizem a diversidade nas empresas. Mas Sarah questiona qual é a legitimidade de ações promovidas por um CEO homem e branco em favor das minorias? Ela afirma que esse problema não é pontual e que precisa ser visto de forma mais ampla em todas as variáveis possíveis. Chip Berger acredita que o enfoque precisa ser holístico, tendo como objetivo final acreditar que o ser humano é bom na essência e que a maioria das pessoas quer um mundo melhor no final do dia. Em vários lugares do mundo, há minorias e exclusões e pessoas que estão à margem da sociedade e do mercado.
Diante desse contexto, qual é a posição dos consumidores? Assumir essas bandeiras cria empatia e conexões mais fortes com os clientes? O CEO acredita e enxerga que a marca significa uma forma autêntica de autoexpressão, justamente por conta das causas que defende e como as promove internamente e externamente. Isso é o que garante que a autenticidade não seja um conceito vazio, mas uma forma real de identificação com os clientes. Apoiar o Black Lives Matter, para a Levis’s, faz sentido, pois a marca sempre se dedicou a apoiar campanhas de combate ao racismo e de valorização da voz das comunidades negras. E essa autenticidade precisa permear o diálogo aberto e franco com empregados, comunidade, clientes, instituições e acionistas.
Depois da pandemia
Chip tem esperança de que todos os movimentos sociais originados ou impulsionados pela pandemia permitam que as pessoas saiam mais fortes e melhores depois dela. “Não desista do caminho quando você está comprometido com mudanças”, defende ele. É necessário criar um legado que estimule cada vez mais organizações a fazer a diferença no futuro, que se crie uma grande aliança, uma comunidade que defina novos padrões de inclusão e diversidade nas empresas.
Ele comentou o quanto empresas como a Levi’s e a Patagonia, Walmart, JP Morgan, Target estão juntas em campanhas diversas, incluindo a iniciativa “vote” para estimular os eleitores a comparecerem às urnas nas eleições gerais deste ano (nos EUA, o voto não é obrigatório). “Democracias só funcionam se as pessoas exercerem seu direito de votar e isso não tem a ver com a eleição presidencial, mas som com o que acontece na sua localidade, no seu entorno, naquilo que está diretamente ligado à sua vida. Por isso, iremos liberar todo colaborador que queira votar no dia da eleição (ao contrário do Brasil, nos EUA as eleições acontecem em dias úteis). Democracia é para o bem comum e todos devem praticar”, concluiu.
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