Com uma longa carreira jurídica, Torquato Jardim é um dos mais respeitados juristas do País. A sua trajetória como homem público começou ainda na década de 1970, quando ocupou cargos importantes nos Ministérios da Educação, da Indústria e do Comércio. Mas os maiores desafios de Torquato surgiram na atual gestão do presidente Michel Temer.
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Desde o ano passado, ele assumiu o Ministério da Justiça, depois de quase um ano à frente do Ministério da Transparência, Fiscalização e Controladoria-Geral da União. Uma das atribuições do Ministério é cuidar da defesa do consumidor no País por intermédio da Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). Em uma entrevista exclusiva à Consumidor Moderno, Jardim falou sobre os desafios do Brasil nas relações de consumo
Consumidor Moderno – Como um dos mais célebres juristas do País, de que forma o senhor enxerga a aplicação do direito do consumidor como uma garantia fundamental do brasileiro?
Torquato Jardim – Por sua relevância, a defesa do consumidor está assegurada pela Constituição Federal. A Constituinte de 88 considerou a defesa do consumidor um direito fundamental dos brasileiros, ou seja, inalienável, ao qual não se pode renunciar. A meu ver, isso se deu em decorrência da importância e do impacto desse direito no dia a dia da vida do cidadão brasileiro. Com o advento do “Código de Proteção e Defesa do Consumidor” vieram as diretrizes para harmonizar as relações jurídicas existentes entre fornecedores e consumidores. O Código traz em seu texto o consumidor como a parte vulnerável dessa relação, reforçando a importância de sua proteção pelo Estado Democrático de Direito.
Com a saída da Secretaria Nacional de Segurança Pública, há quem diga que a defesa do consumidor ganhou força dentro do ministério. Alguns a chamam, inclusive, de Ministério do Consumidor. Como o senhor avalia esse momento?
A defesa do consumidor sempre ocupou um papel de destaque no Ministério da Justiça. Desde minha posse, o tema sempre teve alta relevância e assim continuará. É o que mostram os resultados das ações executadas. Uma importante ação é a criação, em parceria com a Anvisa e o Inmetro, de redes estaduais e municipais de segurança do consumidor, conhecidas como Redes Consumo Seguro e Saúde, integrando os órgãos públicos ligados à proteção da saúde e segurança dos cidadãos por meio de ações estratégicas e conjuntas. Outro exemplo é o lançamento do Portal de Alertas de Recalls do Governo Brasileiro, já reconhecido internacionalmente, segundo a Organização dos Estados Americanos (OEA), como um dos mais completos sistemas de registros de campanhas de chamamento público de produtos defeituosos.
Sob o seu ponto de vista, qual é o modelo ideal de um sistema de defesa do consumidor?
A diretriz principal é o diálogo, visando à harmonização das relações de consumo. Ou seja, é preciso ouvir todas as partes, tentar entender as necessidades de todos os atores envolvidos: consumidores e fornecedores de produtos e serviços. Isso envolve também a educação para o consumo. O Ministério da Justiça, por meio da Senacon, está promovendo cursos para as empresas do País com o objetivo de capacitar os funcionários no atendimento aos clientes-consumidores, o que vai melhorar o serviço oferecido e o atendimento realizado.
O senhor conhece a problemática da judicialização. Cito como exemplo as ações de consumidores contra planos de saúde, processos contra bancos, varejo e outros. Na avaliação do senhor, de que forma o Ministério pode contribuir para minimizar ou mesmo mudar esse cenário?
O Ministério da Justiça disponibilizou para os cidadãos a plataforma digital de autocomposição Consumidor.gov.br, na qual o consumidor e o fornecedor estabelecem o diálogo buscando solucionar o conflito. Essa é uma plataforma de Estado para conciliação entre consumidores e fornecedores na internet. O consumidor se manifesta e a empresa tem o compromisso de responder, pois aderiu voluntariamente à plataforma e assinou um termo de compromisso. E o Ministério da Justiça monitora.
Entre estas empresas estão todas as companhias aéreas, todas as grandes empresas de varejo, todas as grandes empresas de telefonia e a grande maioria dos bancos.
Quais são os resultados do Consumidor.gov.br?
Ao todo, foram respondidas 99,5% das reclamações em um tempo médio de seis dias. E, ao fim do processo, o consumidor pode avaliar a resposta que teve, sendo todo esse processo público. É importante destacar que a plataforma é reconhecida pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ), ou seja, pelo Judiciário, como um mecanismo extrajudicial rápido e eficiente para a solução de conflitos de consumo, cuja utilização deve ser estimulada, observando, ainda, que temos parceria com praticamente todos os Tribunais de Justiça do Brasil. Em 2017, a plataforma cresceu mais de 48%, sendo eleita pela CGU a plataforma digital que apresentou o melhor desempenho dentre os 15 serviços digitais oferecidos pelo governo, mostrando, assim, sua eficiência.
Dizem que a defesa dos consumidores poderá ser uma das grandes novidades no debate político deste ano. Como o senhor avalia essa questão?
A defesa do consumidor sempre ocupou um papel de destaque e está sempre em evolução, seja nos debates do Congresso Nacional, seja nos debates do Poder Executivo ou no Poder Judiciário. É um direito que trata de temas sensíveis e relevantes para a sociedade, pois impacta diretamente a vida do cidadão. O Ministério da Justiça estará sempre presente, por meio de notas técnicas, audiências públicas e outras medidas, para assegurar a efetividade e o aprimoramento do direito dos consumidores, buscando sua modernização e avanços sociais.
Em 2017 tivemos alguns problemas pontuais na defesa do consumidor, como o debate sobre a franquia de bagagem e os recorrentes problemas na Black Friday. Qual é a solução?
O caminho é o diálogo e a educação para o consumo. Nessa relação em que o consumidor é um polo mais vulnerável, e o fornecedor aquele que detém o conhecimento técnico do produto e do serviço colocado no mercado, o governo tem o dever legal de buscar e resguardar esse equilíbrio. Não podemos desconsiderar as evoluções tecnológicas e sociais que atingem diretamente as relações consumeristas. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) é de 1990, quando nem existia internet. Atualmente, grande parte das compras é realizada por esse canal de venda virtual. Portanto, é preciso fazer adaptações para a realidade da sociedade. E o papel do Ministério da Justiça, por ter uma Secretaria voltada para o consumidor, é assegurar que os direitos adquiridos sejam preservados e que não haja nenhum retrocesso para o consumidor.