Em terras brasis, qualquer proposta dita salvadora em dias turbulentos deve ser vista com desconfiança e incitar a questão: sensatez ou estupidez?
O mercado interno constantemente emite sinais de asfixia: as leituras oficiais do varejo e dos serviços amargam taxas negativas cada vez piores todo mês ? respectivamente, -7,8% e -6,3% em novembro segundo o IBGE. A confiança do comércio apurada pela Boa Vista SCPC também teve seu pior resultado histórico em 2015, com forte tombo de 7% em relação a 2014.
Não são resultados abstratos: segundo levantamento do Sebrae, o faturamento das micro e pequenas empresas caiu a tal ponto ano passado que atingiu o mesmo nível de 2009, auge da crise financeira ? o faturamento real retraiu 15,9% em relação a 2014.
No entanto, a despeito das falências sem fim mensalmente apuradas pela Serasa, a instituição também aponta que 95,6% das MPEs conseguiram pagar as contas em dia em 2015. Já estão em curso, portanto, os processos de revisão de custos e de melhorias de gestão tão necessários às empresas e ao varejo. Entra em jogo a tão necessária eficiência.
Responsabilidade na gestão dos recursos se reflete, por outro lado, em aperto: a demanda do varejo por crédito caiu 2,5% em 2015, conforme apurado também pela Serasa. Muitas empresas, sobretudo do varejo, estão com o caixa apertado e, à luz do cenário, optam por não investir nem se endividar, afinal as perspectivas do cenário econômico, por ora, são péssimas.
EIS QUE SURGE O GOVERNO. A SENSATEZ FICOU
NA SAUDADE E A ESTUPIDEZ É A PRAXE COTIDIANA
NA INCOMPREENSÃO DA CRISE
Conforme apurado pela Abras, em 2015 houve queda das vendas reais (isto é, já deflacionadas) de supermercados, consonante ao aumento do desemprego e à queda da massa salarial e do rendimento real dos trabalhadores. Falou-se tanto em ?mudar mais? que, de fato, mudou: saímos da euforia e do quase pleno emprego para uma tragédia social em curso.
Curiosamente, o consumidor começa 2016 mais confiante, após quase um ano de pessimismo sem fim, conforme apurado pela FGV. No entanto, é sempre importante manter um olhar atento às métricas de crédito e endividamento: 61,6% das famílias afirmaram estar endividadas em janeiro, apurou a Confederação Nacional do Comércio, em linha com levantamento da SPC Brasil e da Confederação Nacional de Dirigentes Lojistas, para quem 47,2% dos consumidores ignoram os juros ao parcelarem suas compras.
O resultado? A inadimplência que cresce sem fim, no mesmo ritmo das taxas de juros ? resultado dos mais de 430% ao ano cobrados no rotativo do cartão de crédito. Em um cenário recessivo, pagar esse montante de juros é quase impossível àqueles que já estavam endividados e que, agora, enfrentam inflação em alta, salários em baixa e demissões em massa ? além da quebradeira constante de pequenas, médias e grandes lojas que apenas agrava uma economia que, segundo a Presidente da República, não está tão ruim.
Aliás, eis que surge o Governo. A sensatez ficou na saudade e a estupidez é a praxe cotidiana na incompreensão da crise. A proposta de criar um fundo garantidor de crédito para empresas mais vulneráveis à recessão por meio de bancos públicos apenas parece uma boa ideia: este foi um dos muitos erros grosseiros que levaram o País à recessão, a utilização de recursos públicos para estimular a demanda e oferta domésticas. O caixa apertado dos bancos públicos é um dos principais obstáculos à estratégia e o pacote proposto representa somente 2,5% do montante de crédito que circula no País ? ou seja, praticamente inócuo.
Neste início de 2016, fica a lição das MPEs para o varejo (e tantas outras empresas) para sobreviver aos dias piores que ainda virão: primeiramente, redução de custos e otimização da gestão – eficiência financeira. Tudo isso para evitar exposição excessiva ao crédito caro e ao endividamento. Focar na geração de recursos por meio da revisão de processos, reestruturação organizacional e melhoria da própria eficiência operacional ? qualquer aprimoramento, afinal, deve ser revisto sempre em busca da excelência.
Crises possuem facetas múltiplas e as soluções são, no mínimo, complexas. Existem inúmeras estratégias para superação e retomada do crescimento, e cada negócio tem a mais adequada. A primeira necessidade é colocar ordem na casa, revisar as finanças, aprimorar o uso de recursos e ter definidas as estratégias para crescer a primeira lufada de ar fresco, passando necessariamente por eficiência, tecnologia e produtividade – a grande lacuna na economia brasileira e que premia aqueles que nela apostam e que, infelizmente, ainda são poucos.
CRISES POSSUEM FACETAS MÚLTIPLAS
E AS SOLUÇÕES SÃO, NO MÍNIMO, COMPLEXAS
*Eduardo Bueno, analista do CIP ? Centro de Inteligência Padrão.