Entre os muitos assuntos que foram discutidos tendo como gancho o Dia Internacional da Proteção de Dados, a importância convergência das autoridades na discussão e regulação de temas públicos sob os quais há a incidência de várias leis, chama a atenção. A capacidade de diferentes órgãos e instituições de dialogarem e tomarem decisões de forma alinhada traz segurança jurídica e é visto com bons olhos no cenário internacional. Consequentemente, o resultado chega na ponta para o consumidor, que se beneficia de leis e regras mais “bem resolvidas”.
Juliana Domingues, procuradora-chefe do Conselho Administrativo de Defesa Econômica, explica que autoridades como o CADE e a Autoridade Nacional de Proteção de Dados (ANPD), por exemplo, precisam ter uma atuação convergente, cada uma dentro da sua competência, para agir em questões relacionadas à fiscalização de plataformas digitais. Ela cita o caso da mudança de política de privacidade do WhatsApp, em que além do CADE e da ANPD, a Secretaria Nacional do Consumidor e o Ministério Público Federal trabalharam em sintonia, conseguindo assim os resultados positivos.
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“Quando se fala em “convergir” é no sentido de alinhamento das autoridades, com base em suas competências distintas. O que se busca com uma atuação alinhada é corrigir os problemas identificados sem que uma autoridade invada a competência da outra ou aplique uma medida incompatível com a de outra autoridade”, afirma Juliana. Segundo ela, isso aumenta a previsibilidade ao reduzir o ambiente de incertezas na atuação de cada autoridade e possíveis decisões incompatíveis.
Para a procuradora-chefe do CADE, esse tipo de atuação se converte em uma maior segurança jurídica para todos: “Um trabalho cooperativo – especialmente diante da existência de transversalidade regulatória – traz muito mais externalidades positivas para todos os agentes envolvidos”.
Temas como a proteção de dados e a regulação de plataformas digitais são fenômenos jurídicos com a incidência de várias legislações e, por isso, são olhados de forma diferente por cada autoridade. O que Juliana defende é que, apesar das discordâncias, haja um mínimo de convergência e diálogo, para construção de pautas conjuntas que tragam benefícios para o consumidor.
Quando falamos de proteção de dados, por exemplo, existem alguns eixos. O da educação, que visa empoderar os usuários dos serviços; o de “co-regulação e autorregulação”; o da aplicação das sanções; e o da “cooperação inter-institucional”. O CADE tem um papel importantíssimo em casos que envolvem Big Techs, como a Meta e a Amazon, pois traz para a discussão questões sobre concorrência.
“O CADE é responsável pela aplicação da lei de defesa da concorrência (Lei 12.529/11), mas analisa casos nos quais os dados se tornaram importantes ativos econômicos. A concentração desses ativos (dados) nas Big techs tem tornado essas empresas alvo de investigações em várias jurisdições, inclusive no Brasil. Desse modo, em que pese a LGPD ser aplicada pela ANPD, o CADE tem um papel relevante para o controle de condutas anticompetitivas que envolvam dados e que possam afetar o bem-estar do consumidor”, analisa Juliana.
A procuradora também destaca o papel do CADE na avaliação de fusões, aquisições e outros atos de concentração que possam afetar a concorrência, a partir do uso de dados. Por todos esses motivos, já há um Acordo de Cooperação Técnica entre o CADE e a ANPD. Juliana ainda reforça, que com o “cobertor sempre curto” da administração pública, a convergência entre autoridades é crucial nesse momento em que a ANPD ainda está se estruturando.
Ministério da Justiça entra no debate sobre
a regulação das plataformas digitais
No final do mês de janeiro, o Ministério da Justiça e da Segurança Pública criou uma nova estrutura na pasta para tratar da regulação das plataformas digitais. A coordenadora é a advogada Estela Aranha, especialista em regulação e direito digital. O objetivo, segundo ela, é avaliar as leis que já existem nesse sentido e analisar se elas estão sendo cumpridas; avaliar a necessidade da adaptação ou da criação de novas leis para resguardar o cidadão e combater o discurso ilegal na internet.
A ideia é fazer no Brasil o que já ocorre em países de outros continentes, como a Europa, onde prevalece o que os especialistas de tecnologia chamam de “constitucionalismo digital”. Isso nada mais é que a aplicação da soberania nacional na forma de atuação de empresas transnacionais. Ou seja, as plataformas digitais precisam obedecer às leis vigentes do país onde exercem suas atividades.
Além disso, o Ministério da Justiça encaminhou à presidência uma MP que responsabiliza as plataformas online por crimes cometidos por meio delas. Essa proposta faz parte do “Pacote da Democracia”, que ainda está sendo discutida dentro do governo, na Casa Civil e na AGU.
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