Nos últimos anos, o Judiciário procurou entender os motivos que levaram a uma crescente onda de ações na Justiça brasileira – um fenômeno chamado de judicialização. Uma das poucas certezas é de que a relação de consumo é um dos grandes responsáveis por abarrotar o Judiciário. Mas as certezas paravam por aí. Isso começou a mudar no fim do ano passado, quando o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) apresentou um levantamento inédito desenvolvido com a ajuda da Associação Brasileira de Jurimetria (ABJ). A ideia era justamente investigar as empresas que mais demandam o Judiciário brasileiro quando o assunto é a relação de consumo. O estudo é revelador sob diferentes aspectos. Um deles, por exemplo, aponta que os 20 maiores litigantes do País concentram 50% das ações de consumo. E isso é apenas uma das conclusões do estudo.
Diferenças de consumo
O levantamento analisou os processos dos tribunais de sete diferentes Estados: Amazonas, Bahia, Distrito Federal, Mato Grosso, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e São Paulo. A escolha desses tribunais não foi aleatória. Ela partiu de três critérios: a abrangência geográfica; a necessidade de escolha de tribunais de todos os portes; e a proporção dos litígios em cada região. O grande diferencial, no entanto, estava no pesquisador. Em vez de um humano bater à porta da casa de um brasileiro, tudo foi feito por meio de um software que realiza buscas na internet – os chamados “crawlers”.
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Ao longo de todo o ano de 2017, os robôs da ABJ “caçaram” processos de consumo nos tribunais entre os anos de 2013 e 2016. O resultado não apenas apontou os 30 maiores litigantes de cada um dos sete Estados como lançou um olhar social sobre os problemas de consumo de cada região. Uma das constatações é de que eles têm a ver com o grau de desenvolvimento econômico de cada Estado. Nos Estados do Amazonas e de Mato Grosso, por exemplo, os problemas não estão relacionados a bancos ou operadoras de telefonia, mas sim a serviços essenciais, como o fornecimento de água e luz. Em São Paulo vemos praticamente o inverso. No Estado mais populoso do País, os bancos são os que mais concentram ações na Justiça. O Rio de Janeiro tem problemas com as telecomunicações e o Rio Grande do Sul, com empresas de bureau de crédito – caso da Serasa.
“Isso é um retrato da sociedade a partir dos processos judiciais. Notamos que tribunais inseridos em regiões com maiores índices de desenvolvimento econômico exibem maiores problemas com bancos e empresas de telecomunicações”, explica Julio Trecenti, coordenador do laboratório de jurimetria da ABJ e um dos responsáveis pelo levantamento. Por outro lado, diz ele, Estados menos desenvolvidos economicamente concentram os processos nas empresas de energia ou em outros itens mais básicos. Outro dado que chama a atenção é a presença do Bradesco entre os cinco maiores litigantes de todos os Estados analisados da pesquisa. Segundo Trecenti, isso tem explicação. “Está relacionado à gigantesca quantidade de clientes. Mas não podemos deixar de observar a relação entre a base de consumidores e o total de ações”, explica.
O maior tribunal
São Paulo é, disparado, o tribunal com a maior quantidade de ações no Brasil. O CNJ estima que quase 30% dos processos, em geral, passem por tribunais paulistas. No entanto, o estudo mostra que, quando o assunto é desrespeito ao consumidor, o TJSP perde para o Rio de Janeiro, que concentra mais de 1,3 milhão de ações. De acordo com o levantamento, o tribunal paulista registrou 607.252 processos, sendo 60,4% deles relacionados a consumo. O Itaú foi o primeiro colocado entre os maiores litigantes, com quase 10% do total de ações. Já o Bradesco aparece na sequência, com cerca de 6% do total. Um detalhe que chama a atenção em São Paulo é a concentração de processos em três setores da economia. Juntos, telecomunicações, financeiro, seguradoras e planos de saúde, somam quase 63,3% do total de processos dos 30 maiores litigantes do Estado.
Serviços essenciais
O Amazonas, o mais verde e extenso Estado brasileiro, tem como grande desafio melhorar a relação de consumo entre clientes e serviços públicos e essenciais, tais como o fornecimento de água e luz. De acordo com o levantamento, os 30 maiores litigantes do Estado acumulam quase 10 mil processos na Justiça (71% do total ligado ao desrespeito ao CDC). No topo desse ranking está a Amazonas Ambiental, uma empresa responsável pelo fornecimento de água no Estado, seguida pelo Bradesco. Na terceira posição surge a empresa Líder Seguradora, que, embora seja uma companhia privada, é responsável pelo seguro obrigatório DPVAT.
Protestados (em protesto)
No Rio Grande do Sul, a líder do ranking foi a operadora Oi com 142.900 processos (ou 13% do total de ações). No total, foram contabilizados 710.302 processos, com uma concentração de quase 70% de ações nas mãos das 30 empresas. Mas a principal característica do Estado é a constante briga entre consumidores e as empresas que realizam o cadastro de clientes inadimplentes. Um exemplo é a Serasa, que ocupa a segunda colocação. A empresa de bureau de crédito registrou 96.803 processos (8,8% do total dos maiores litigantes). Um possível indício desse alto volume pode estar associado à quantidade de negativados na Serasa. Somente este ano, a empresa recebeu mais de 150 mil nomes pela falta de pagamento de IPTU e IPVA. “Comprovamos com o estudo a hipótese de que havia uma alta concentração de empresas entre os maiores litigantes no Brasil. Ao todo, são 20 as companhias que concentram quase metade das ações”, diz Trecenti. A sugestão do estudo, diz ele, é o estímulo ao uso de meios extrajudiciais de conflito, caso da mediação e conciliação. “A nossa sugestão é o uso da ferramenta Consumidor.gov.br. Ela poderia anteceder uma ação na Justiça ou ser uma alternativa durante o processo.
Essa é, sem dúvida, a melhor forma de pacificar as relações de consumo”. Confira os maiores litigantes (por estado) com base no direito do consumidor.