Esta é a primeira de uma série de cinco reportagens sobre atendimento. Veja todos os capítulos publicados.
Apaixonado por bodyboard, uma modalidade de surf deitado, o paulista Eduardo Barros se divide entre o trabalho e a dedicação ao esporte. Há quatro anos, ele atua como vendedor da Decathlon, varejista francesa de materiais esportivos. A empresa, que inclusive libera o atleta nos dias de campeonato, tem como política não só estimular os seus funcionários a praticarem esportes, como tratar o assunto como um requisito básico de contratação.
“Os valores da empresa são ligados ao esporte, ao gosto pelo desafio, à vitalidade e à proatividade”, diz o francês Cedric Burel, CEO da subsidiária brasileira da varejista. “No esporte também se valoriza o erro em busca do acerto e é exatamente o que estimulamos aqui”.
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Mais do que isso, o executivo quer ter vendedores que realmente entendam do negócio. A empresa vende artigos para mais de 65 esportes em suas lojas. Logo, é necessário ter gente que conheça os produtos e que consiga passar a informação correta para os consumidores, sejam eles iniciantes, amadores ou semiprofissionais.
A aposta da Decathlon não é uma iniciativa isolada no mercado corporativo. Longe disso. Existe um movimento de diversas empresas com foco em um atendimento mais humanizado, especializado e assertivo.
Portanto, esqueça aqueles vendedores sentados esperando pelos consumidores ou o velho modelo de call center em que os atendentes telefonam insistentemente para os clientes. Os scripts intermináveis e engessados também vêm sendo abolidos. A ordem agora é ser eficiente e entender, de fato, as necessidades do consumidor.
Apesar de alimentar chavões, esse tipo de movimento ainda é algo que a maioria dos empresários e executivos tem dificuldade de colocar em prática. Portanto, divulgar clichês como “identificar a dor do cliente”, “se colocar no lugar do consumidor”, “vestir a camisa dele” e afins ainda não se traduzem em serviços e experiências efetivas.
Isso é o que diz um estudo da consultoria KPMG publicado em junho deste ano. De acordo com a pesquisa, realizada com 526 executivos sêniores em 31 países diferentes, apenas 23% dos entrevistados afirmam que entregam com excelência a experiência ao cliente. Outros 32% reconhecem que ainda vêm deixando bastante a desejar nesse quesito.
Um jeito mais próximo de atender
Mas, afinal, como ter um contato com o cliente que seja mais agradável para ambos os lados? Segundo Marcus Vinícius Gonçalves, sócio da área de varejo da KPMG, a personalização é importante para o consumidor, mas é um passo além do esperado.
O que um consumidor realmente exige é que a companhia o atenda de maneira rápida e eficiente – e que não lhe traga problemas. “Antes de tudo, o cliente não quer ter problemas na hora de consumir”, afirma Gonçalves.
Dentro desse cenário, é importante substituir o olhar de empresário ou de executivo por uma visão de consumidor. Dessa forma, será possível compreender que um pequeno problema pode mudar completamente a relação do cliente com determinada empresa e que, por muito pouco, ela pode perdê-lo.
Por outro lado, será possível perceber o poder que a especialização dos atendentes tem na hora de fidelizá-lo.
Podemos tomar como exemplo a onda de “gourmetização” que ganha cada vez mais espaço na mesa dos brasileiros. O de cafés especiais pode ser considerado um dos pioneiros. E não é para menos. Até 2019, de acordo com a Associação Brasileira da Indústria do Café (Abic), o mercado de cafés no País deve crescer 7,7%, atingindo R$ 20 bilhões.
O grande responsável por esse crescimento, segundo a consultoria Euromonitor, será o incremento das vendas dos cafés em cápsulas. Em 2019, esse mercado deve movimentar cerca de R$ 3 bilhões – o triplo do registrado em 2014.
Relacionamento como diferencial
A principal expoente desse nicho é a Nespresso, empresa controlada pela multinacional suíça Nestlé, que lançou o sistema de café encapsulado há cerca de três décadas. Mesmo tendo criado um mercado, a Nespresso perdeu a patente das cápsulas e abriu espaço para diversas concorrentes passarem a vender produtos similares.
Com isso, segundo um levantamento do jornal americano Wall Street Journal, a participação global da Nespresso caiu de 13%, em 2011, para 11,1% em 2015.
Foi quando a marca percebeu que era preciso apostar cada vez mais no atendimento para se diferenciar do mercado. Não é possível, por exemplo, encontrar as cápsulas da marca em varejistas tradicionais, apenas nas suas lojas próprias. Ou melhor, em suas boutiques.
Dessa maneira, o atendimento da empresa passa a ser um diferencial. De acordo com a head de cafés e sustentabilidade da Nespresso, Cláudia Leite, a meta da empresa é trabalhar o produto de maneira mais ampla e fazer com que todos os funcionários se engajem da mesma maneira.
Treinamento preciso
Para conseguir alcançar esse objetivo, a companhia oferece todos os tipos de treinamento. Ou seja, para se manter no emprego, o colaborador precisa entender de café.
“Queremos que a experiência do cliente seja memorável”, diz Cláudia. “Por isso, o treinamento de todos sobre o produto é importante – desde aquele que vai ter contato diário com o cliente em boutiques até aquele funcionário que tem uma atuação mais interna”.
Além dos treinamentos convencionais, a companhia também leva os funcionários para ter diversas experiências com a bebida. Um exemplo é a visita a plantações de café. Esse tipo de excursão ajuda os funcionários a entenderem que, para o produto alcançar tamanha excelência, várias pessoas precisam abraçar a causa.
Foi o caso da Kátia de Resende, especialista em café da Nespresso. Há quatro anos na companhia, a colaboradora nem era lá tão fã da bebida carro-chefe. Preferia tomar chás e sucos a beber café. Mas isso mudou a partir do momento em que ela se tornou representante da marca no varejo.
“Com os treinamentos da empresa, passei a entender melhor todo o universo do café e me apaixonei”, diz ela. Hoje, Kátia é a barista responsável pelo treinamento e pelo atendimento da boutique da marca no Shopping Morumbi, em São Paulo.
No espaço, a especialista ajuda a organizar encontros com clientes para que eles aprendam a harmonizar o café com diversos alimentos, de maneira bem similar ao que é feito com o vinho. A sua combinação preferida é algo que pode parecer estranho para muitas pessoas: o café indiano Indriya acompanhado de queijo parmesão.
“Conseguimos mostrar que o café pode ser degustado da mesma forma como uma taça de vinho”, diz Kátia.
Vinho popular
E falando em vinho, é fato que ele ainda não conquistou muito espaço na taça dos brasileiros. De acordo com levantamento da consultoria Wine Institute, o consumo per capita dos brasileiros é de míseros dois litros de vinho por ano.
Muito pouco se comparado a países europeus como França (42,5 litros) e Portugal (41,7 litros) ou até mesmo com vizinhos como Argentina (23,4 litros) e Chile (17,4 litros). Mesmo assim, há um comércio de nicho que vem crescendo muito nos últimos anos.
De olho nele, a Wine.com.br – empresa focada na venda de vinhos pela internet – treina diversos funcionários para que eles consigam atender os amantes do vinho, especialistas ou não, da melhor forma possível.
Ao entrar para a equipe do Serviço de Wine de Relacionamento, os colaboradores passam por 40 dias de treinamento, além de degustações mensais para garantir que todos tenham informações adequadas sobre os produtos.
O foco principalmente está nos vinhos que estão no escopo do Clube W, uma espécie de programa de fidelidade da empresa.
“Durante este processo, eles são capacitados a auxiliar nas principais dúvidas, realizar consultorias sobre diversos tipos de vinho e sugerir combinações de rótulos que harmonizem com receitas de nossos clientes”, diz Paula Caetano, head do sistema de relacionamento Wine. “Tudo isso é feito com o suporte da nossa equipe de sommeliers”.
Os “wineanos”, como são chamados os agentes do SRW, têm entre 20 e 28 anos. “Procuramos sempre utilizar uma linguagem formal, porém sem os padrões convencionais que remetem a um atendimento robotizado e sem vida”, diz Paula. “Nosso foco é um atendimento educado, transparente e individualizado”.