Os corredores da Euroshop são uma festa de estímulos para quem desenvolve espaços de compras. São mais de 107 mil metros quadrados dedicados à exposição de duas mil empresas que fornecem soluções de visual merchandising, displays, tecnologia, design, manequins, iluminação, arquitetura…
Também houve palestras direcionadas por temas, como a de Ulrich Spaan, da consultoria de varejo EHI Retail Institute, que falou de forma exclusiva para o grupo de brasileiros a convite do Popai. Ele apresentou as recentes movimentações do mercado de consumo alemão, como a sucessiva diminuição do dinheiro gasto com varejo (pessoas investindo mais em turismo, educação e entretenimento), e o fenômeno das lojas hard discount (focadas em preço baixo).
Silvio Laban, professor de gestão do Insper São Paulo e diretor do Popai Brasil, lembrou que essas tendências também são sentidas no Brasil. ?Assistimos a uma proliferação das lojas cash and carry, que tem como principal apelo o preço?. Enquanto essas lojas crescem de tamanho, contou Spaan, as de supermercado ficam menores.
?É o fenômeno inverso?, frisou, ressaltando que o tamanho médio de uma loja hard discount na Alemanha (a Lidl é o principal exemplar) passou de 600 metros quadrados em 2008, para dois mil metros quadrados em 2012. O sortimento, assim como a oferta de marca própria e serviços, também cresceu.
Os supermercados têm a difícil tarefa de competir com esses templos de preço. Segundo Spaan, a única saída para eles (que vêm encolhendo de tamanho), é focar em soluções e diferenciais. Ele deu alguns exemplos, como o Emmas Enkel, que oferece vários canais de compra integrados: é possível comprar na loja (no autosserviço ou dando a lista ao balconista, como antigamente) ou pela internet e mandar entregar em casa, pedir pelo telefone, comprar pela vitrine via código QR (quando a loja já fechou), retirar na loja, enfim qualquer combinação é possível.
Ou o mercado Kochhaus que oferece, logo na entrada, uma receita simples de refeição e uma mesa com todos os itens que a dona de casa vai precisar para fazê-la, já nas porções certas; ela não precisa vagar pela loja procurando os itens e pensando em possibilidades ?, esse trabalho já foi feito. ?É economia de tempo e o consumidor valoriza isso?, ressaltou Spaan.
O executivo deu outros exemplos marcantes do varejo alemão, como a loja de esportes Globetrotter Outdoor em Colônia, que oferece uma experiência marcante de visita (possui lago artificial para testar canoas, piscina, câmera fria e de chuva para testar roupas de neve, trilha, escalada etc); ou o da nova loja conceito da C&A em Dusseldorf.
Nela, há um espaço exclusivo para click & collect. Serve tanto para quem comprou no site e veio retirar, como quem deseja trocar ou devolver a peça ? há provadores exclusivos para isso. Segundo Spann, essa é uma maneira de a rede testar o conceito multicanal e observar como é a aceitação do consumidor. A seguir, veja um resumo dos principais destaques e temas dessa edição da Euroshop.
Manequins: cada vez mais reais
No pavilhão dedicado às manequins, algo se mexe na parede: são modelos esportistas! Presos no alto, dois corriam e um esquiava, com toda a perfeição de movimentos. A empresa inglesa Cybermannequins distribuía, inclusive, uma tabela de preços no folheto. Que tal pagar ? 4.500 por um manequim que pedala? Ou por um que esquia, ? 3.975? Os que andam e correm saem pelo mesmo preço. Tem mais em conta, como o que apenas acena (? 2.850), e o que mexe a cabeça (? 3 mil).
O estande da Hans Boodt, entretanto, era o que mais chamava atenção, é a empresa mais inovadora nessa seara. Octaviano Andrade, que representa a marca no Brasil, contou sobre a nova tendência dos manequins usados em repetição numa mesma pose, um ao lado do outro, como forma de destacar as peças que estão vestindo. ?A loja conceito da C&A aqui em Dusseldorf evidencia essa prática: no interior, três manequins idênticos, na mesma pose, estampam três looks diferentes?, revela.
Recentemente, a Hans Boodt ganhou muito espaço de mídia graças a sua linha Ugly?s; eram baixinhos, carecas, gordinhos, narigudos, bem magros…. Enfim, retratavam pessoas reais. Agora, a empresa lança outras coleções que fogem do que se convencionou ver nas vitrines, como a Fantasy, inspirada nas garotas-boneca do Mangá, com grandes olhos e cabelos ultracoloridos. Há os manequins em poses cênicas e os que imitam pessoas reais em seus movimentos rotineiros, como o casal que se beija.
E, para brincar ainda mais, com o espaço da loja, que tal, em um piscar de olhos, trocar a cara do manequim? Várias opções de rosto (cores e expressões) podem ser intercambiadas facilmente ? um mecanismo magnético faz o rosto grudar de forma certeira. ?A loja ganha dinamismo?, reforça Andrade.
Iluminação: num toque, tudo muda
Para Romano Pansera, presidente do Popai Brasil, que liderou a caravana com 50 brasileiros, alguns conceitos ficaram evidentes, como a maior utilização da luminotécnica, que mereceu um pavilhão inteiro no evento. ?A iluminação da loja exerce uma função clara de marketi ng e branding?, comenta. Chamou atenção de Edevaldo Retondo, do Supermercado Monte Serrat, em Itupeva (SP), a importância dada pelo evento à iluminação. ?As técnicas apresentadas mostravam o evidente impacto da luz no PDV, mas, ao mesmo tempo, não chama atenção, é o produto que aparece.?
Outro detalhe evidenciou uma tendência: o smartphone, ou tablet, virou controle remoto. Conectados a aplicativos, com eles é possível, em apenas um toque ou gesto, interagir com sistemas da loja, como por exemplo, o de iluminação, e alterar, de forma simples, detalhes de foco, intensidade etc. ?Isso coloca o funcionário da loja realmente no controle?, afirma Laban, do Insper. Segundo especialistas, essa interação irá aumentar muito a partir de agora. Nem precisa dizer, mas vá lá, a tecnologia LED continua em alta e está presente em todas as soluções modernas, pois alia eficiência energética e sustentabilidade à performance.
Visual merchandising: natural ou não, o que vale é a intenção
O uso de madeira e outros materiais que imitam elementos orgânicos no mobiliário, acabamentos e piso, marcou boa parte do que era exposto nos estandes. Na visão de Pansera, do Popai Brasil, essa característica sugere um desejo de conexão com a natureza. Luciano Boa, que está à frente do paulista Supermercado Boa, também viu muitas soluções em acrílico e mármore. De fato, pedras, concreto e madeira rústica deram o tom dessa edição do evento.
Mesmo que esses não sejam originalmente a composição da peça, a intenção é dar o seu aspecto com adesivos, texturas e impressões. Mas algo não deve mudar nunca. Para o ponto de venda, qualquer peça de visual merchandising precisa combinar os requisitos: ser estilosa, durável, de baixo custo e ao mesmo tempo, se possível, multifuncional.
A gerente de desenvolvimento de produtos das Pernambucanas, Vera Lucia Dellaqua, que frequenta a feira há muitos anos, deu especial atenção às instalações para loja mais práticas, multifuncionais e acessíveis, características imprescindíveis para o varejo popular. As soluções de PDV, na sua visão, também precisam acompanhar a mudança de comportamento do consumidor.
?O cliente circula entre várias mídias, então é natural que a loja não seja estática?, disse. Assim, para ela, a loja precisa de ferramentas para transmitir essa nova linguagem, mais dinâmica, unindo a tecnologia ao ambiente. E precisa estar sempre mudando, nem que para isso sejam u
sados recursos de ?maquiagem?, como adesivos de parede, revestimentos coloridos intercambiáveis, ou até mesmo os manequins que trocam de rosto (veja no box sobre manequins). ?São soluções relativamente baratas, mas que atendem a essa demanda de novidade e imediatismo que o consumidor espera ver no ambiente da loja.?
Visitas técnicas
O GRUPO POPAI BRASIL FEZ UMA INCURSÃO POR TRÊS REPRESENTANTES DO VAREJO ALEMÃO
Cash and carry à moda alemã
A rede Metro Cash & Carry é considerada a líder mundial no mercado de atacado. São 757 lojas em 29 países. Visitamos sua quinta maior loja, inaugurada em 1967, com 18 mil metros quadrados e 60 mil itens em exposição. Em 2005, ela passou por uma reforma, com a qual ampliou o espaço dedicado ao food service.
O sortimento está organizado para atender três públicos: transformadores (hotéis, restaurantes, cafeterias), negociadores (postos, pequenas lojas), e serviços (escritórios). 50% das vendas são para o primeiro grupo. A peixaria é um destaque à parte. Segundo o supervisor Stegan Piepenstock, essa é a loja que mais vende peixes em Dusseldorf ? representa 7% das vendas da loja. A parte de laticínios também impressiona. São mil tipos de queijo diferentes.
E para ajudar o consumidor indeciso ou que desconhece a variedade, a loja disponibiliza, preso ao lado do refrigerador, um livreto com as distinções dos tipos de queijo, como combinar, receitas etc. A adega também merece destaque. Oferece desde um vinho de 3 euros a um dos mais caros do mundo, o Petrus, a 3.164 euros. Seu segundo andar abriga uma exposição de destilados e um bar para degustação finamente decorado ? lá, eventos são realizados e a entrada é cobrada.
Uma tradicional loja de departamento alemã
A primeira Galeria Kaufhof, aberta há 135 anos, vendia fios, botões, tecidos e lã. Hoje, é uma referência como provedor de estilo de vida moderna na Alemanha. São 137 lojas, e vendas anuais na ordem de ? 3,1 bilhões. Lá, um pouco de tudo está a venda. Moda, cosméticos, joias, acessórios, artigos para casa, alimentos…
Visitamos a loja de Dusseldorf, onde 15 mil pessoas circulam diariamente ? aos sábados esse número pula para 40 mil. O grupo de brasileiros foi recebido pelo gerente da loja Thomas Seybold. ?A intenção aqui é oferecer tudo que se precisa no dia a dia?, explicou. Até peixe vivo. Menos eletrônicos. ?Entendemos que não vale a pena manter essa seção devido ao e-commerce ser muito forte?, comentou Seybold.
São 25 seções. O ambiente é marcado por grifes conhecidas, mas suas marcas próprias de moda feminina, masculina e calçados ganham um bom espaço de exposição. ?As marcas próprias são apresentadas de forma similar às tradicionais; com uma ampla vantagem de preço?, analisa o professor do Insper Silvio Laban, presente à visita.
Algo interessante a ser mencionado diz respeito ao sortimento regional. As lojas maiores da rede têm autonomia para decisões específicas, limitadas, em tese a 15% do estoque ? número que chega a 50% na loja de Munique. Na visão de Laban, ?essa autonomia possibilita aos gestores da loja adaptar o sortimento e as demandas locais específicas, bem como agilizar a entrega de produtos, sem que eles passem pelo centro de distribuição, localizado em Colônia?.
Outra curiosidade chamou atenção durante a visita. O gerente Seybold comentou o quanto os displays posicionados ao lado das escadas impactam o resultado das vendas. ?É um ponto altamente lucrativo?. Para ilustrar: as caixas de chocolate Lindt, originalmente a 15 euros, estavam sendo oferecidas a 7,9 euros. Por semana, as vendas apenas desse item somam entre 5 e 10 mil euros. Ele lembra: ?No último Natal, aqui, expomos ursinhos de pelúcia a 7 euros. Vendíamos 15 mil euros por dia, precisávamos repor diversas vezes?.
Por dentro de um hard discount
Logo na entrada do hipermercado Real, em Essen, na Alemanha, máquinas de reciclagem enfileiradas chamam a atenção do grupo de brasileiros da caravana Popai. De forma simples e rápida, consumidores chegavam com o carrinho cheio de garrafas pet e de vidro, inseriam-nas dentro da máquina e recebiam em troca um cupom de desconto para usar na próxima compra (no caso, a fotografada saiu com um vale de ? 8 para gastar no mercado). Embora comum nos supermercados pelo mundo ? os americanos fazem isso há muito tempo ? a ideia não pegou no Brasil.
Fomos recebidos pelo supervisor Herr Schereiber, que passeou com o grupo pelos corredores explicando detalhes do funcionamento da loja, como o check out exclusivo para bebidas que agiliza a vida de quem procura a loja com apenas esse item na lista. Cícero Bernardo da Silva, dono de dois mercados na Paraíba e presidente da associação supermercadista do Estado, foi atraído pela forma como a loja organizou algumas seções, aumentando a altura das gôndolas. ?É um recurso simples que dá uma diferenciação visual clara para o cliente?, disse.
Essa é a quarta maior loja da Real no mundo (são 9.500 metros quadrados), famosa rede de hard discount, ou seja, seu foco é preço. São 310 lojas. Ela faz parte do grupo Metro, uma das mais importantes empresas de varejo internacional com faturamento em 2012 de mais de 66 bilhões de euros ? está presente, com lojas de diferentes bandeiras e formatos, em 32 países.
Em 2010, a bandeira começou seu e-commerce e agora duas lojas na Alemanha já oferecem uma área exclusiva para click & collect, ou seja, para quem compra na web e prefere retirar na loja.
De volta ao Real de Essen, a loja passou por uma reforma para se adequar ao novo conceito da marca em outubro de 2013, que dá maior ênfase a produtos frescos e nãoalimentos. Os eletrônicos, por exemplo, seguem o mesmo modelo de exposição que as lojas desse segmento: produtos em situação de uso disponíveis para o toque e experimentação.
Aliás, o segundo andar da loja se assemelha a uma loja de departamento com uma grande variedade de roupas, utensílios domésticos, acessórios, eletrônicos, móveis etc. Há, inclusive, algumas áreas reservadas a exposições sazonais de marcas e produtos que não são normalmente vendidos pela loja. Na ocasião de nossa visita ela estava dedicada a uma marca de acessórios para camping. Schereiber explicou que essa área é exclusiva para os consumidores participantes do programa de fidelidade e, assim, funciona como um clube de compras fechado.
Pelos corredores, telas sensíveis ao toque não informam apenas o preço ou algum dado adicional sobre um produto, mas também permitem a compra virtual. ?Nela, o consumidor pode comprar algum produto que está em falta na loja e pedir a entrega em casa?, comenta Schereiber que acrescenta que são os jovens os que mais usam esse serviço.
No primeiro andar, a padaria é um diferencial. Devido à variedade de pães e à maneira como eles estão expostos, Schereiber conta que a venda é 40% maior que nas outras lojas em que o novo conceito de foco em produtos frescos ainda não foi instalado.
Na área de FLV, percebe-se o mesmo esforço (cada item possui um foco de iluminação independente) e, segundo o supervisor, a intenção é criar um clima de feira. ?As placas com informações úteis sobre as opções à venda, de dados nutricionais a receitas, ajudam o consumidor a conhecer os produtos, inclusive aqueles que ele não tem o costume de levar para casa?, explica o supervisor.
Percebe-se que embora seja um hard discount, o Real quer competir além do preço. Destaque para a área de defumados (produzidos localmente), embutidos, açougue, com cortes diferenciados e grande variedade, e laticínios. Mas a preocupação com custo é grande. Schereiber explica que a etiqueta eletrônica, por
exemplo, não foi adotada. ?A tecnologia precisa fazer sentido para o consumidor e não afetar o preço. Sabemos que nosso consumidor valoriza sortimento, preço e corredores largos. Só faremos mudanças que claramente beneficiem as venda?, comenta.
Provocando uma ruptura com o tradicional
UM ESTÍMULO A SOLUÇÕES MAIS INSTINTIVAS PARA AS LOJAS
Re.Lab é uma iniciativa da universidade Fachhochschule, em Dusseldorf, que incentiva estudantes a criar soluções de design e arquitetura para um varejo mais futurista. Seu estande na Euroshop era justamente isso, um desfile de ideias bem diferentes ? algumas propostas já são, inclusive, realidade em lojas pelo mundo. Como a da designer Nadine Nebel, que propõe uma série de placas pretas em movimento, que lado a lado compõem um piso em movimento, refletindo a luz e dando destaque ao produto em exposição ? as placas podem compor uma parede também.
Outro projeto de estudantes pretende quebrar a mesmice da vitrine: More Art, Less Matter é seu nome. O argumento: ?As vitrines continuam um fator poderoso de atração, atenção e desejo para quem passa pela frente dela, mas o design é pobre. As vitrines são, geralmente, abarrotadas de itens e não enfatizam um em especial. O exército de padronização de vitrinistas cria clones e não há nada de novo em experiência visual. Propomos diferentes cenários para surpreender e estimular uma reação em quem passa pela vitrine?, dizem os estudantes que se inspiram em obras de arte para criar vitrines mais, digamos assim, emocionantes.
Outra ideia ia pelo mesmo caminho: estimular os sentidos. No teto, vários balões com brindes ou cupons de desconto em seu interior, mas para ter acesso o consumidor deve pular numa cama elástica e alcançá-los no topo. A intenção é quebrar a inércia de quem entra na loja, fazer com que o consumidor participe do ambiente e interaja com ele.
Novamente, a explicação é enfática: ?Vivemos a cultura dos caçadores de barganha, estamos acostumados a correr pelo melhor preço. Não caçamos o urso, mas a maneira mais barata de atirar nele. Perdemos nosso sentido básico de caçador??, questionam os estudantes. Batizada de Shop Hoper, combina o ato físico (do pulo) ao conceito de gamification (que prega jogos e entretenimento para envolver o consumidor com sua marca).
Será que a promessa de um brinde ou desconto dentro de um balão fará o consumidor pagar o mico de pular diante de um monte de gente dentro de uma loja? Ou seja, até que ponto realmente somos ?caçadores de barganha? quando somos impelidos a deixar este traço bem evidente?
Por fim, uma forma diferente de expor eletrônicos. Não deitados numa mesa ou prateleira, mas, sim, compondo um manequim cyborg ? definido pelos estudantes da Re.Lab como um híbrido de máquina e organismo vivo: ?pessoas que possuem partes de seus corpos complementadas por componentes artificiais?. E, assim, celulares estão expostos como parte de um braço, um aparelho de som se encaixa no tórax, e por ai vai…