Falar em qualidade dos serviços e satisfação do cliente no setor bancário parece até uma contradição em termos. Afinal, estamos tão habituados a conviver com reclamações nessa área que chama atenção quando uma empresa se destaca por oferecer um padrão de qualidade capaz não somente de encantar o cliente, como também torná-lo defensor da marca.
A imagem do cartão de crédito, por exemplo, está normalmente associada a fatores negativos como endividamento e juros altos. Pois é oferecendo este serviço que o Nubank vem arrebanhando não apenas clientes, mas uma verdadeira legião de adeptos, que não se limitam a exaltar a qualidade dos serviços prestados pela empresa, chegando mesmo a defendê-la.
Foi o que aconteceu quando a cofundadora da Nubank foi a público alertar que a redução de 30 para 2 dias no prazo de pagamento aos lojistas das vendas feitas no cartão poderia levar a startup a fechar as portas. Não demorou para que clientes se manifestassem nas redes sociais contra a medida aventada pelo Governo.
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Em outro caso, bastou surgir a notícia de que o Itaú Unibanco, maior banco do país, estaria prestes a comprar 49,9% da XP Investimentos para que clientes da corretora, que cresceu e conquistou adeptos com um discurso de desbancarização dos investimentos, passassem a se manifestar contrariamente à aquisição.
Em comum, os casos não somente envolvem empresas do setor financeiro, que não costumam despertar lá muita simpatia da população, como também refletem uma nova atitude dos clientes, que não se limitam mais a elogiar ou criticar serviços, mas passaram a defender a causa representada pelas empresas. Em um mercado concentrado e com muitas reclamações, Nubank e XP representam não apenas serviços de qualidade a custos menores, mas aumento da competição bancária.
É claro que nada disso aconteceria se não houvesse percepção de valor por parte dos clientes. Sem anuidade e com um atendimento totalmente digital, em menos de quatro anos de existência o cartão do Nubank alcançou o 1º lugar no ranking de cartões com o melhor custo-benefício no Brasil, segundo pesquisa da consultoria CVA Solutions. Já a XP saltou de uma receita de R$ 44 mi em 2007 para R$ 1,3 bi em 2016 oferecendo opções de investimentos com retornos maiores e custos menores do que os dos bancos tradicionais.
Além da melhor relação custo-benefício, porém, ambas empresas cresceram impulsionadas pela ideia de revolucionar o mercado brasileiro, causa encampada por um número crescente de clientes que se sentiam lesados por tarifas elevadas, investimentos pouco rentáveis e atendimento cuja qualidade deixava a desejar.
Os dois casos, contudo, suscitam uma questão crucial: é sustentável encantar clientes com serviços financeiros? Por um lado, há claramente uma demanda por serviços de qualidade a custos menores. O anseio da população, porém, esbarra na elevada concentração bancária, amparada por barreiras à portabilidade e à entrada associadas à capilaridade das redes físicas, nível de capital elevado, investimentos em publicidade e falta de educação financeira da população.
Os exemplos de Nubank, XP e de outras fintechs que surgem e ganham espaço, se, por um lado, parecem apontar para mudanças no mercado, por outro, ainda despertam ceticismo. Afinal, o modelo do Nubank é estruturalmente deficitário – em 2016, a empresa registrou prejuízo de R$ 122 mi –, enquanto a XP, que tomava clientes dos grandes bancos, teve 49,9% de seu capital adquiridos pelo Itaú, cuja participação na corretora deve chegar a 75%.
A alta lucratividade, apesar da menor oferta de crédito, no momento em que o país atravessa uma das maiores crises da história, é sintoma da imperfeição do mercado bancário brasileiro. Maior competição tornou-se, por isso, a bandeira de novas empresas que surgem no setor. O desafio delas, contudo, será aliar qualidade dos serviços e encantamento do cliente não somente à sustentabilidade financeira do negócio, mas também à bandeira da competição, princípio que norteia a criação dessas companhias e atrai cada vez mais adeptos.
*Boanerges Ramos Freire, sócio e presidente da Boanerges & Cia. Consultoria em Varejo Financeiro, possui mais de 36 anos de experiência profissional em empresas líderes do segmento de varejo financeiro; e Vitor Augusto Meira França, economista pela USP, mestre em economia pela FGV-SP, professor universitário, consultor da Boanerges & Cia., possui mais de 13 anos de experiência nas áreas de varejo e varejo financeiro.