Para além da análise de crédito tradicional, o contexto multidimensional do cliente é essencial na concessão e gestão de crédito – algo que ainda não é uma prática comum das empresas. Esse foi um dos principais insights do CCX Summit, evento sobre crédito e cobrança idealizado pelo Grupo Padrão e pela Consumidor Moderno, que reuniu os principais líderes do mercado de crédito e cobrança em Ibiúna, no interior de São Paulo.
Hoje, a forma como as empresas avaliam o perfil do cliente, ou seja, com valores e critérios pré-definidos, pode limitar o entendimento completo e afetar tanto a avaliação correta quanto a recuperação do crédito. Esse modelo engessado, frequentemente, incorpora vieses — tendências inconscientes que distorcem a interpretação de informações — que podem ser tendenciosos e afetar as tomadas de decisões na hora da concessão do crédito.
“Há uma preocupação muito grande em analisar a renda, mas falta um olhar cuidadoso e analítico para o perfil social do cliente. A aversão ao risco acaba baseando as operações de crédito e cobrança em vieses históricos”, explica Jacques Meir, diretor-executivo do Conhecimento do Grupo Padrão e mentor da CX Brain.
Dessa forma, a questão dos vieses na concessão de crédito é um processo que desafia diariamente as instituições financeiras a compreender melhor as múltiplas dimensões dos consumidores. “Para compreender os clientes, é necessário capturar, organizar e categorizar informações detalhadas. Assim, podemos entender os motivadores sociais, porque eles pedem crédito e qual é a sua predisposição à inadimplência”, explica Meir. “Ignorar essas camadas representa riscos tanto para o cliente quanto para a empresa. A presença de vieses aumenta as chances de decisões equivocadas. Para minimizá-los, devemos utilizar dados, modelos estatísticos e Inteligência Artificial, para aumentar a eficiência no score de crédito e conhecer melhor o cliente.”
IA na concessão do crédito e cobrança
A Inteligência Artificial pode auxiliar como uma importante ferramenta de análise de dados, mas só será efetiva se apoiada por uma premissa consistente, o que requer entender constantemente as motivações da solicitação do crédito. Segundo Jacques, a análise por parte das empresas deve ir além do contra-cheque, levando em consideração o estilo de vida do cliente, o que refletiria em menor risco de inadimplência.
“O foco deve ser o reframing. É preciso repensar e reenquadrar o problema de crédito e cobrança dentro da estratégia do negócio”, afirma. “Perguntar ‘Por que conceder crédito?’ e ‘Que problema quero resolver com ele?’ são questões que a maioria das empresas não aborda. Concedem crédito sem considerar a necessidade real do cliente, embora algumas já estejam repensando isso”, explica.
Tendência aos vieses
Além disso, o mentor da CX Brain compartilhou cinco principais vieses que impactam diretamente a análise de crédito, trazendo exemplos cotidianos para ilustrar cada um e sugerindo que as empresas reflitam sobre sua presença nas operações diárias:
- Viés de Confirmação: a tendência de procurar informações que reforcem crenças ou hipóteses. Por exemplo, ao avaliar a satisfação do cliente, gestores podem dar mais peso a feedbacks que confirmam uma visão otimista da qualidade do serviço, ignorando críticas que indicariam áreas de melhoria. Ou seja, “O que eu acredito é o que vale”;
- Viés Retrospectivo: a inclinação para interpretar eventos passados como mais previsíveis do que realmente eram. Um exemplo é, após o fracasso de uma campanha de marketing, interpretar que os sinais de insucesso eram óbvios desde o início, negligenciando a complexidade das variáveis envolvidas;
- Viés de Desejabilidade: a tendência de responder de forma a causar uma impressão positiva. Clientes, por exemplo, podem dar respostas mais positivas em pesquisas de satisfação para serem vistos como bons clientes, o que distorce a percepção real de suas necessidades. Ou seja, “eu projetado”, quem eu quero ser, como eu quero que seja, não o “eu real”;
- Viés de Status Quo: a resistência a mudanças e preferência por manter práticas já estabelecidas. Isso pode se manifestar em gestores que hesitam em adotar novas tecnologias ou processos, mesmo quando há evidências de que seriam benéficos;
- Viés de Representatividade: a avaliação de eventos baseada em suposições e estereótipos. Um exemplo é a crença de que um jogador é habilidoso apenas porque marcou gols em sua estreia, sem considerar outros dados de desempenho que poderiam oferecer uma avaliação mais precisa.