Sim, a grave crise financeira e institucional que assola a Americanas traz riscos para os consumidores. E não são poucos. A Consumidor Moderno conversou com Gustavo Kloh, professor de Direito na FGV do Rio. O especialista enfatizou que com a decisão liminar deferida pela 4ª Vara Empresarial da Comarca da Capital fluminense, que impede todo e qualquer bloqueio judicial contra a companhia, o consumidor fica impedido de responsabilizar judicialmente a Americanas.
Ou seja, caso o consumidor tenha qualquer problema com uma compra efetuada e precise acionar a empresa na Justiça, mesmo que ganhe a ação, a chance de não receber o que tem direito é enorme, pelo menos a curto prazo. Para o professor, este cenário criado pela liminar é o mais grave e afeta tanto os clientes que compraram produtos vendidos diretamente pela Americanas, quanto os que utilizaram o marketplace. Gustavo reforça que esses últimos são ainda mais prejudicados porque compraram produtos de pequenos ou médios fornecedores confiando na Americanas como garantidora da operação.
“O consumidor utiliza o marketplace da Americanas para comprar muitas vezes um produto caro, de uma marca boa, mas não é a Americanas que está vendendo, é um pequeno fornecedor. Em outra situação, esse mesmo consumidor não compraria direto com esse fornecedor. Ele comprou confiando na Americanas e se sentindo protegido por ter a quem responsabilizar em caso de problema. Mas, agora, a Americanas deixa de cumprir esse papel, porque essa responsabilização não vai ser mais efetiva”, explicou o professor da FGV.
A decisão liminar do juiz Paulo Assed Estefan faz parte do processo preparatório para recuperação judicial da empresa, que ainda não está confirmada de acontecer. No texto, o magistrado enfatiza a impossibilidade de todo e qualquer bloqueio judicial de bens ou penhora da Americanas, o que acaba incluindo processos nas varas cíveis e nos juizados. Ou seja, inclui ações movidas pelo consumidor.
“Se eu tivesse uma ação indenizatória em trâmite contra a Americanas, estaria desesperado. Digo isso porque a chance de ganhar a ação e não conseguir receber é enorme. Isso aconteceu com a Oi, quando a empresa entrou em processo de recuperação judicial. Por isso, a minha recomendação para os consumidores hoje é: se for comprar um produto relevante na Americanas hoje, pense duas vezes. A dica é esperar esse momento crítico passar”, afirmou Gustavo Kloh.
Comprei um produto. Tenho risco de não receber?
Quem comprou recentemente produtos nas lojas ou no marketplace da Americanas está preocupado, com medo de não receber a mercadoria. Para Gustavo Kloh, de fato, esse risco não pode ser descartado por todo o imbróglio financeiro da companhia, que pagava os fornecedores através de uma triangulação com bancos. O não pagamento, as dívidas e todos os problemas relacionados à reputação da empresa podem fazer com que os fornecedores deixem de entregar os produtos. Apesar do risco, o professor da FGV acha difícil que isso aconteça pelo fato de a Americanas ser o principal comprador de muitas marcas.
“Assim como existem oligopólios, em que poucas empresas vendedoras detêm o controle da maior parcela do mercado, existem oligopsônios, uma espécie de monopólio de compradores. Para muitos fornecedores, a Americanas é o principal comprador de seus produtos, não sendo interessante para eles romper com a companhia. Por isso, acredito que os fornecedores vão ser mais benevolentes do que os bancos com a empresa. Vão negociar, não vão fazer jogo duro”, acredita o professor.
A Americanas emitiu uma nota para a imprensa afirmando que as operações da companhia seguem funcionando normalmente.“A Americanas comunicou aos clientes e parceiros que segue aberta e pronta para suas compras e entregas, nas lojas, no site e no app. A companhia continua dando acesso ao maior número de brasileiros e brasileiras as melhores ofertas, produtos e serviços”, diz a nota.
O Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (IDEC) reforçou a importância da Americanas continuar operando normalmente e honrando os compromissos com os consumidores. Em entrevista à Consumidor Moderno, o advogado David Douglas Guedes, especializado na área de relacionamento, disse que o Código de Defesa do Consumidor continua tendo a mesma aplicação sobre a companhia.
“Ainda não se sabe quando ou se o Grupo Americanas vai entrar mesmo em Recuperação Judicial. Caso entre, a empresa não vai deixar de existir e vai continuar operando. A ideia da Recuperação é dar um respiro para a companhia, um fôlego para que ela consiga sobreviver. Nesse período, nada muda para o consumidor que segue tendo os direitos resguardados”, explica David Douglas.
O advogado afirma que nesse primeiro momento o Idec está acreditando que a Americanas irá buscar manter um bom relacionamento com os clientes, continuando a cumprir suas obrigações legais, visando conseguir retomar à saúde financeira da companhia. Por conta disso, segundo David Douglas, o Idec ainda não faz nenhum alerta para que os consumidores deixem de comprar com as empresas do grupo. Apesar disso, o Instituto orienta que os consumidores fiquem atentos e relatem qualquer problema.
“ A gente acredita que a Americanas vai fazer de tudo para o cliente continuar fiel, para que não haja uma debandada e para que ela consiga sair desse momento de dificuldade. Se o cliente for embora, fugir, como vai haver recuperação? Para manter esse cliente, ela vai precisar continuar cumprindo as obrigações com o consumidor. Não sabemos os próximos passos, mas se o Idec identificar qualquer abuso, se nós observarmos que a companhia está desrespeitando os direitos do consumidor, vamos assumir outra postura”, enfatizou David Douglas.
O trâmite para reclamação dos consumidores em caso de problema segue o mesmo: SAC, ouvidoria, órgãos de defesa do consumidor (procon, senacon), até chegar em uma ação judicial.
Senacon e Procon notificaram Grupo Americanas
Terminou ontem o prazo dado pelo Procon-SP para que o Grupo Americanas prestasse esclarecimentos sobre a possibilidade da inconsistência contábil de R$ 20 bilhões de reais afetaria os consumidores de alguma forma. A Consumidor Moderno entrou em contato com o órgão na manhã de hoje e confirmou que a companhia enviou as respostas aos questionamentos, que neste momento estão sendo analisadas. De acordo com dados do Procon, no ano passado, o frupo teve quase 9,5 mil queixas registradas por consumidores com problemas em compras.
No final da tarde de ontem, a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), do Ministério da Justiça e Segurança Pública (MJSP), também enviou uma notificação para a Americanas S.A. pedindo esclarecimentos. O secretário Wadih Damous, explica que a Secretaria busca entender quais os impactos imediatos sobre os consumidores; quais os impactos a médio e longo prazo; e quais as políticas e canais de solução de eventuais conflitos para os consumidores.
O prazo para resposta é de cinco dias úteis, contados a partir da data de recebimento da notificação. Caso a empresa não responda no prazo, a Senacon avaliará possíveis sanções.
O Caso Americanas
Hoje completa uma semana que a Americanas anunciou “inconsistências em lançamentos contábeis redutores da conta fornecedores realizados em anos anteriores, incluindo o exercício de 2022”, que resultaram em um rombo de R$20 bilhões de reais. No mesmo anúncio foi informada a renúncia do CEO Sergio Rial, apenas dez dias depois de assumir o cargo.
Ao que tudo indica, o rombo bilionário teve origem em uma operação financeira chamada “risco sacado”. A Americanas pagava fornecedores através de uma triangulação com bancos, mas os pagamentos não foram dimensionados e realizados, gerando uma grande dívida. Quando o caso veio à tona, na quarta-feira (11/01), o mercado reagiu instantaneamente e houve uma queda de quase 80% nas ações da Americanas na Bolsa de Valores. De acordo com dados da TradeMap, essa baixa foi a terceira maior da história da B3 em um único dia.
Atualmente, a previsão bruta de endividamento da empresa no terceiro trimestre é de R$ 8,6 bilhões. No líquido, esse valor cai para R$ 5,3 bilhões.
A Comissão de Valores Mobiliários (CVM) abriu três processos administrativos para analisar as inconsistências contábeis que resultaram no rombo bilionário da Americanas. A PwC , responsável pela auditoria da companhia, também poderá ser investigada.
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