A defesa apresentada pelo Facebook não convenceu a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon), que decidiu continuar a investigação brasileira dos casos Cambridge Analytica e do ataque de hacker contra a plataforma no ano passado. Agora, a empresa terá até a próxima quinta-feira (25) para apresentar novas provas de que não foi negligente com a proteção dos dados pessoais dos usuários brasileiros.
O documento da Senacon enviado ao Facebook na semana passada possui algumas diferenças importantes na comparação com os ofícios enviados em meado de junho e que foram publicados na Consumidor Moderno. No caso da Cambridge Analytica, o Facebook argumenta que os dados dos brasileiros foram expostos, mas não chegaram a ser usados por terceiros.
Ao que tudo indica, o argumento convenceu a secretaria, que agora quer explicações sobre o motivo da exposição de dados e, acima de tudo, se houve negligência no quesito segurança por parte da empresa de Mark Zuckerberg. O mesmo argumento também foi usado no caso do ataque hacker.
“(Entendemos que) não foram suficientes para o arquivamento e o processo deve seguir”, resumiu o secretário nacional do Consumidor, Luciano Benetti Timm.
ENTENDA O CASO: Facebook: documentos detalham o caso Cambridge Analytica
Relação de consumo
O ponto de partida desse ofício enviado na semana passada pela Senacon é a retomada da tese de que existe uma relação de consumo entre o Facebook e os usuários brasileiros – uma tese já aceita em países europeus, mas que ainda causa divergência dentro do universo jurídico. No entendimento da Senacon, a empresa deve ser enquadrada no Código de Defesa do Consumidor (CDC).
No documento apresentado em junho, a Senacon, tanto no caso da Cambridge Analytica quanto no ataque hacker, defendeu que o Facebook e os usuários tinham uma relação de consumo e que o pagamento do consumidor ocorria por meio do chamado “custo por clique”.
“A remuneração do serviço do Facebook é calculada pelo número de cliques em determinado link (cost per click), constituindo-se em seu modelo de negócios”, destacou o primeiro parecer técnico da Senacon.
Na época, o Facebook pediu o arquivamento da investigação na Senacon, mas não chegou a relação de consumo com os usuários.
Inversão do ônus da prova
No novo documento, a tese é retomada e a Senacon deve utilizar um artifício conhecido e bem particular do direito do consumidor: a inversão do ônus da prova. Em um processo criminal, a responsabilidade pela coleta e apresentação de provas é sempre de quem acusa. No direito do consumidor, ocorre o inverso. O cliente ou algum órgão que defende o consumidor aponta a ilegalidade, mas é a empresa quem apresenta documentos contra a acusação.
“De acordo com o caso é de se atribuir às representadas (que desenvolvem e mantêm os códigos da plataforma) o ônus de demonstrar que houve realmente o adequado dever de cuidado no trato das informações de seus usuários que estão sob sua custódia. Esse entendimento se aplica seja no que se refere à exposição dos dados dos usuários à empresa acima mencionada, seja em relação à exposição no que se refere à exposição de tais dados por outros mecanismos desenvolvidos por meio da interface Facebook login”, afirma o documento que trata da investigação do caso Cambridge Analytica.
Prazo final
Agora, o Facebook deve correr contra o tempo. Nas duas investigações contra a empresa, a Senacon pediu que a empresa apresente a defesa de negligência de dados dos casos Cambridge e do ataque hacker em até 10 dias. Caso a empresa não responsa, ela poderá ser multada.
“Antes o exposto, intimem-se as representadas para que tomem conhecimento do teor do presente bem como para que, no prazo de dez dias, indiquem, de forma circunstanciada e fundamentada, as provas que pretendem produzir nos autos”.
O prazo vence na próxima quinta-feira, mas é possível que a rede social consiga mais tempo. Isso porque o texto contém um erro. No documento, lê-se a frase: “O ônus de demonstrar de que não houve realmente o adequado dever de cuidado no trato das informações de seus usuários que estão sob sua custódia”. A Senacon informou que o “não” está incorreto e será corrigido.
OCDE quer entender o caso
A Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) também está de olho na investigação em andamento no Brasil. Segundo Timm, o comitê de política de defesa do consumidor solicitou informações sobre a investigação.
“Sobre o Facebook, o comitê de política de defesa do consumidor da OCDE, que é o órgão mais importante de política pública internacional, manifestou interesse em conhecer a experiência brasileira sobre o caso e pediu mais informações sobre o caso”, confirmou.