A recessão global vem empurrando mundo para um retrocesso do Estado de Direito, e hoje mais de seis milhões de pessoas têm seus direitos fundamentais, como moradia, acesso à saúde, educação e consumo, entre outros, cerceados. A informação é do World Justice Project (WJP). De 142 países analisados neste ano, o documento da organização internacional aponta que entre os anos de 2016 e 2023 o impacto aos princípios constitucionais foi de 77%. Isso faz com que hoje, milhões de pessoas não tenham acesso a uma justiça igualitária e transparente para resolver suas demandas.
Este ano, o Brasil ficou na 83ª posição do ranking. Em 2022, o país ocupava o 81º lugar, caindo, portanto, duas casas.
Os cinco países mais bem colocados foram: Dinamarca, Noruega, Finlândia, Suécia e Alemanha, respectivamente. Os países que tiveram a pior classificação foram Venezuela (142), Camboja (141), Afeganistão (140), Haiti (139), e a República Democrática do Congo (138). Na visão de William H. Neukom, cofundador e presidente do WJP, a recessão do Estado de Direito acontece por conta de excessos do poder executivo, restrições aos direitos humanos e sistemas judiciais que não conseguem satisfazer as necessidades das pessoas. “E as pessoas em todo o mundo estão pagando o preço”, afirma.
Importante salientar que, no estudo de 2022, o número de pessoas que não conseguiam resolver seus problemas judiciais chegava a 1,5 milhão. “É muito alarmante que a força de tantos sistemas judiciais tenha enfraquecido tanto em 2023. Se quisermos inverter este direcionamento, os sistemas judiciais precisam de uma mudança de paradigma para uma abordagem focada nas pessoas, colocando em primeiro lugar as necessidades dos cidadãos”, acrescentou Elizabeth Andersen, diretora-executiva do WJP.
Consumidor exigente
No Brasil, a proteção e defesa do consumidor são consideradas direitos fundamentais e também um princípio da ordem econômica, conforme cita o art. 5º, inciso XXXII3 , da Constituição Federal de 1988, que diz que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, e o art. 170, inciso V4 , da mesma Constituição, que instituiu a defesa do consumidor como princípio da ordem econômica.
“Em alguns aspectos, por aqui, temos muito do que nos orgulhar, como o Sistema Único de Saúde (SUS), que é invejável no mundo todo, e as leis que protegem o consumidor. Como todas as áreas, pode haver um desvirtuamento aqui ou ali, mas no geral, isso ocorre porque o brasileiro é um consumidor de produtos e serviços exigente e que, portanto, sabe requerer seus direitos”, afirmou o ministro Dias Toffoli.
Explicando que o sistema judiciário do Brasil é o que mais tem processos no mundo – cerca de 78 milhões anualmente, o STF segue na mesma tendência e é o que mais julga casos por ano. “São 100 mil ações. A Suprema Corte dos Estados Unidos julga 100, a título de comparação”, comentou Toffoli.
Neste aspecto, para Toffoli, a ação da Fundação de Proteção e Defesa do Consumidor (Procon), presente em todos os estados brasileiros representa um eixo do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor.
“Através da conciliação, é possível, para os consumidores, resolverem seus problemas com mais celeridade. Sem contar o que não é passível de ser contabilizado, como o fato de já existir um sistema que faz com que as empresas já saibam o que elas têm que fazer para não terem problemas. Como o fato de terem que ter compliance e dar a devida atenção para com o consumidor. Assim, os negócios não podem burlar as regras”, destacou o ministro do STF.
Por fim, para Dias Toffoli, graças a atuação dos Procons, milhares e milhares de casos não são levados à Justiça. “E o cidadão tem acesso a um sistema protetivo, gratuito, justo, honesto e correto”, salientou.
As declarações de Toffoli foram concedidas durante o 35º Encontro Estadual de Defesa do Consumidor, na sede do TJSP, na capital paulista.
Vale destacar que em 1985, a assembleia geral da Organização das Nações Unidas (ONU) promoveu, pela primeira vez, as suas normas de proteção ao consumidor, que deveriam ser adotadas por todos os países membros em “leis, regras e regulações”. Esse mesmo documento recebeu atualizações em 2015, e agora engloba tratativas do e-commerce e demais relações consumeristas internacionais.