Enquanto toda a sociedade mundial passou por anos de transformação (principalmente quando pensamos em desenvolvimento tecnológico), o Brasil também encarou uma fase turbulenta. Modelos de consumo foram questionados, o aumento do desemprego reapareceu, juros e inflação voltaram a crescer – e agora, em 2018, os brasileiros como um todo são um grande poço de expectativas. Quem é o consumidor brasileiro de 2018? O que ele espera do futuro? A abertura do Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor – A Era do Diálogo 2018 tenta procurar algumas respostas para esse questionamento.
Roberto Meir, CEO do Grupo Padrão, lembra como os últimos 10 anos foram movimentados no país. “O consumidor reclamava muito, tinha que passar 30, 40 minutos no telefone para resolver alguma questão e a ligação ainda caía”, diz, “foi quando fizemos uma lei histórica, a primeira no mundo a regular o serviço de atendimento ao consumidor”. Esse movimento fez o Brasil entrar no patamar das melhores práticas mundiais de atendimento – e o consumidor entendeu que poderia exigir mais, esperar mais de empresas e serviços.
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Ao mesmo tempo, enquanto o consumidor evoluiu suas expectativas e exigências, as empresas não conseguiram acompanhar o ritmo. O que é necessário para uma cenário de diálogo real ser formatado e mantido. “Não adianta mais praticar a indústria do litígio. Precisamos desse novo caminho baseado em diálogo, precisamos enxergar novos caminhos”, destaca Meir. O que tem acontecido, porém, é que somos um país campeão em litígio, isso é sentido pelo próprio judiciário, com um número extremo de demandas a serem resolvidas. “Fracassamos como um país que vive em harmonia”, acredita o executivo.
Nesse contexto, uma das respostas agora é tentar criar uma união real. “Vivemos em tempos de extremismo, todos querem ter razão, é só olhar os nossos jornais. Porém, se ficarmos nessa briga de direita e esquerda, não vamos para frente”, elucida. Desenvolver essa consciência é um aprendizado – bastante semelhante às lições que os consumidores brasileiros passaram em nosso contexto econômico.
Retomada
O início dos anos 2000 foi um momento de consumismo exacerbado, crédito abundante, consumidores buscando educação, casa própria, carro próprio. “Todo mundo falava que o Brasil era a nova China e o consumismo foi mantido, não foi refletido, não existia cidadania. Não podia ser de graça. Na sequência, tudo esvaziou”, lembra Meir. Tal otimismo virou um pessimismo recorde. Muitas pessoas perderam seus empregos, mudaram seu perfil de consumo (passaram a preferir marcas mais baratas) e mesmo os setores que surfaram na onda do consumismo viram sua bonança virar lembrança, como a indústria automobilística e a construção civil.
Mesmo assim, as mudanças trouxeram bons frutos. O brasileiro passou a se preocupar com poupança, se empoderou sobre seu consumo, passou a exigir mais das empresas e ainda incorporou em seu dia a dia os hábitos digitais. O smartphone é uma fonte infindável de informações e auxilia esse público a buscar novas opções, novos preços, novas perspectivas. Fora isso, o Brasil já apresenta pequenos suspiros de alívio: a inflação e os juros pararam de subir, caíram, inclusive. A Taxa Selic chegou a 6,8%, o varejo retomou sua confiança. “A retomada está chegando e nós temos motivos para tentar ser otimistas”, destaca o CEO do Grupo Padrão. E é por isso que as empresas precisam conhecer cada vez mais seus consumidores, manter diálogos construtivos. O quadro pode ser positivo novamente – e tudo mudou: perfis, hábitos de consumo, ferramentas disponíveis. Se o Google responde em menos de um segundo, por que as empresas precisam demorar dias? Essa é a cabeça das novas gerações – o consumidor moderno.
Como fica o direito do (novo) consumidor?
Levando em consideração todos esses processos pelos quais a sociedade e os indivíduos passaram, como vai ficar a defesa do consumidor do futuro? Como vai ser o diálogo com consumidores digitais, empoderados, com hábito praticamente diário de acesso a informações? O diálogo é cada vez mais fundamental. “O ciclo do litígio não compensa. Hoje temos empresas com mais gastos em litígio do que em estratégia de atendimento ao cliente e essa conta faz mal tanto para a empresa como para o cliente final”, lembra Meir. “Temos a força da internet, dos novos canais. Temos a internacionalização dos direitos do consumidor, temos todo um novo quadro que se formou e novas perguntas, que exigem novas respostas. Precisamos construir um Brasil diferente”, complementa.
Para Silvana Balbo, diretora de marketing do Carrefour, o caminho é exatamente esse: diálogo. “O cliente aprendeu que pode exigir mais das empresas. Tudo que o consumidor aprendeu em termos de exigência com o consumo antes da crise é algo que ficou, que evoluiu. As empresas precisam ficar antenadas”, garante. Em sua visão, o mundo digital trouxe mudanças cruciais. “Independente da classe, o consumidor tem um repertório muito melhor para fazer suas escolhas”, lembra. E isso com relação canais, mix de produtos, ofertas ou qualquer outro momento da sua jornada de consumo.
O Carrefour sente essa mudança até mesmo em sua bandeira de atacarejo, o Atacadão. “O consumidor se adaptou à realidade brasileira. Devido às próprias dificuldades pelas quais passou, também ficou mais exigente com relação àquilo que consome com as empresas”, destaca. Isso tudo influencia o quadro de direito de consumidor, cada uma dessas características precisam ser levadas em consideração.
Vida financeira
O diálogo é algo necessário na rotina de todas as empresas – e isso é ainda mais evidente quando a marca faz parte de uma parte tão sensível da vida dos indivíduos como ocorre com os bancos. “Nossa missão hoje é fazer uma transformação radical na sociedade como um todo e numa indústria que não tem uma boa imagem, somos conscientes disso”, explica Luis Guilherme Bittencourt, diretor de atendimento do Santander. A ideia da empresa é mudar a cabeça de todos os seus colaboradores, principalmente no que se refere à pós-venda. “O que adianta eu fornecer mais crédito se eu souber que a pessoa não vai conseguir segurar essa conta?”, ilustra, “fizemos as pessoas repensar esse processo. Dívida você não empurra, você negocia”.
O executivo enxerga as transformações tecnológicas dos setores como um todo, e principalmente no setor financeiro, de forma otimista. É algo saudável para o desenvolvimento de todos. “Vemos empresas como Nubank e Banco Original com bons olhos. Sabemos que tudo será diferente daqui cinco anos. Eu costumo brincar que todos trabalhamos hoje numa Kodak”, diz. E isso se reflete no atendimento. “Somos totalmente contra os scripts, queremos repensar esse modelo mental e não dividir as atuações em vários canais”, completa. Isso está diretamente ligado ao respeito que as empresas precisam ter pelos clientes e suas características.
Por mais que todos estejam de olho no mundo digital, é preciso lembrar que nem todos os clientes são adeptos de um aplicativo e preferem o atendimento online. Pelo contrário, uma grande parte da população ainda prefere o atendimento telefônico e ainda vai até uma agência para pagar as suas contas. As empresas precisam compreender que esses mundos coexistem, precisam respeitar essa realidade. “É preciso tomar cuidado com alguns valores básicos de atendimento que se perderam. Por que um serviço que funcionava de repente para de funcionar?”, questiona. “A tecnologia hoje é commodity, todos têm. E é preciso refletir sobre o que é terceirizado. Se a empresa pensar apenas em economia, não vai ter qualidade”.
As questões de atendimento
Se o diálogo entre duas pessoas as vezes pode ser falho, como fica um relacionamento com milhões de brasileiros? A Vivo, hoje, tem um número recorde de interações mensais com os consumidores e isso demanda um grande cuidado. Gabriel Carvalho Domingos, diretor de customer care e retenção da empresa, é quem centraliza todos os problemas de atendimento da companhia hoje. Assim, procura ter uma visão geral de indicadores e processos, reavaliando o tempo se é necessário mudar um processo em qualquer momento da jornada de compra dos clientes. “Falamos em digitalização para dentro e para fora. Procuramos automatizar ações básicas para dar mais autonomia para os atendentes”, conta. “E isso se estende ao parceiro de atendimento, eles são extensões da marca, procuramos trabalhar para o atendimento realmente ser bom”.
Em sua visão, o caminho é realmente entender, atender o consumidor da melhor forma e resolver o problema. Da mesma forma que o Santander, a Vivo compreende que o público tem diversas idades, diversos perfis. “Atendemos quem prefere o aplicativo, mas também quem prefere o atendente. Prestamos muita atenção nisso. Mesmo com 100 milhões de interações por mês somos líderes do índice de satisfação do cliente”, destaca.
Novo olhar
Assim como o consumidor brasileiro passou por aprendizados intensos, a Oi também passou. E, neste momento, a empresa de telecomunicações de origem brasileira consegue respirar mais aliviada e pensar em novas estratégias. João Pedro Sant’Anna, diretor de atendimento da companhia, lembra que a curva de aprendizado levou em consideração algumas mudanças de mindset. “Nós encaramos a área de atendimento como centro de custo por muito tempo. Aos poucos vimos que ela é o coração do negócio”, destaca. Em sua visão, a máxima que diz que o atendimento ao cliente é o novo campo de batalha das empresas é real. Principalmente pensando nas teles, o consumidor, até para mudar de operadora, pode fazer isso sem precisar se relacionar com a empresa de quem é cliente atualmente. O relacionamento é – assim como a entrega da qualidade.
“Eu acredito que primeiro vem a experiência do cliente e depois vem a tecnologia. O consumidor acorda querendo resolver um problema e não necessariamente querendo tecnologia”, reflete. Mesmo para aderir às novas tecnologias, como chatbots, as empresas precisam de cuidado para entender se realmente vai trazer bons resultados. “Quanto melhor for a experiência digital do cliente, mais ele vai confiar no canal, isso faz diferença”. Nesse sentido, é preciso voltar ao básico. “Precisamos realmente ter foco no cliente, trabalhar nos processos, colocar o parceiro como um colaborador de um bom ambiente de atendimento”, diz Sant’Anna. Para o executivo, é essa mentalidade que levou a Oi a ter, hoje, o melhor índice de qualidade com nenhum custo a mais para tal resultado.
Autocrítica necessária
Para retomar a reflexão sobre o futuro da defesa do consumidor, Ana Carolina Caram, Secretária nacional do Consumidor (Senacon), lembra que o diálogo é o caminho que se espera para as empresas – é o necessário, o essencial. “Resgatar o debate do Decreto do SAC em pleno século XXI é inaceitável. Isso precisa ser inerente. O poder público não deveria ter que falar para a empresa atender o consumidor com respeito, isso é básico”, acredita. A partir do momento que o cliente é da empresa, a companhia tem que lutar por ele, tratar bem, dar informações, resolver seus problemas. “Essa evolução faz parte do mundo, a oferta dos produtos precisa ser transparente, o consumidor quer clareza e tem direito de ter clareza sobre o que está comprando”, diz.
O debate é necessário e também é essencial mostrar que as empresas ainda pecam no básico. É nisso que o diálogo é essencial. “O consumidor não acorda e quer reclamar porque está de mau humor. Ele reclama porque houve uma cobrança indevida, um produto falho, falta de clareza de informações. É um problema que o fornecedor tem que resolver”, garante. “As empresas vendem sonhos e esse sonho não pode se tornar um pesadelo. As empresas precisam ter responsabilidade social”, completa Caram. Por isso é tão necessário dialogar, dar informações, assumir a verdade. Sempre assumir a verdade, mesmo se a verdade representar um erro por parte da empresa.
Isso é essencial para o desenvolvimento de um país, conforme complementa Ricardo Morishita, diretor de pesquisas e projetos do Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP). O especialista relembra o trabalho de alguns autores que costuma acompanhar e destaca uma ideia essencial: a maneira como o ser humano pensa é totalmente influenciada pelas suas relações. Aquilo que praticamos todos os dias muda fisicamente o nosso cérebro, influencia nosso comportamento. Portanto, se praticamos coisas boas todos os dias, vamos nos moldando para aquela realidade, aquele modo de pensar. O mesmo ocorre com hábitos ruins. Levando essa ideia para o direito do consumidor, a relação é simples: o direito do consumidor é feito de relações sociais, é feito de práticas do dia a dia.
Comportamento
“Se uma empresa ensina seu call center a mentir, a não passar para o cliente coisas verdadeiras, está criando na cabeça das pessoas uma modelagem pela qual elas aprenderão a mentir”, enfatiza. “Isso é uma tremenda responsabilidade. Mentir, dizer para o consumidor que vai entregar um produto quando não verdade não vai entregar não é ruim para apenas para a empresa, é ruim para todo o país”, completa. Como essa mentalidade pode fazer um negócio dar certo? Como essas práticas podem fazem um país dar certo? “Uma mentira destrói por dentro uma pessoa, não dá para construir um país desse jeito. Sempre é melhor falar a verdade. Se não vai entregar, fale. O consumidor pode não gostar, mas vai respeitar”, garante.
Mudar a mentalidade uma nação, de toda um sistema de práticas de consumo, depende da integridade de relações verdadeiras. Depende de transparência, de um diálogo pautado no que é real. “São coisas simples. Não fale o que você não faz. Não fale, não venda, não engane, não tenha uma abordagem de atendimento que promete o que não vai acontecer, isso ensina as pessoas a serem mentirosas, não dá para ter uma sociedade assim”, reflete Morishita. “Nós podemos mudar, essa é nossa esperança. A mudança começa com cada um de nós e não com o outro”, conclui.
*Confira a cobertura completa do Simpósio Brasileiro de Defesa do Consumidor – A Era do Diálogo aqui