O protocolo “Não se Cale” é uma oportunidade para bares, restaurantes, boates, casas noturnas e de eventos, bem como consumidores de São Paulo, se unirem em prol dos direitos e da segurança. A iniciativa obrigatória é voltada para a capacitação de 1,5 milhão de pessoas, mas apenas 22 mil haviam realizado, até o dia 1º de fevereiro, o curso de 30 horas, online. O treinamento é a garantia para que o estabelecimento esteja de acordo com a legislação. Hoje, o número de inscritos representa menos de 1,6% de preenchimento da oferta de vagas.
Quem termina a capacitação, gratuita, recebe um certificado oficial da Secretaria Estadual de Políticas para a Mulher.
Até o primeiro trimestre de 2024, todos os setores deverão ter concluído o curso, de acordo com a Resolução nº 5/2023.
“É preciso lembrar que o objetivo do protocolo Não se Cale não é punir os segmentos de bares, restaurantes e afins, e nem quem trabalha nesses locais, mas sim fazer uma parceria para que possamos construir a consciência de que a mulher, tanto a que frequenta o local quanto a que trabalha nele, precisa se sentir protegida”, pontua a secretária de Políticas para a Mulher do Estado de São Paulo, Sonaira Fernandes.
Leis do Não se Cale
O protocolo Não se Cale foi estabelecido pelas Leis nºs 17.621 e 17.635 e pelo Decreto nº 67.856, todos de 2023. Trata-se de uma ação do governo de São Paulo para fortalecer as estratégias de proteção das mulheres em estabelecimentos privados e públicos.
Vale destacar que a última pesquisa do Fórum Brasileiro de Segurança Pública mostrou que, em 2022, 30 milhões de mulheres sofreram algum tipo de assédio. Seja por meio de comentários constrangedores, cantadas, chantagem, intimidação, contato físico, stalking ou bullying… Fato é que a mulher brasileira não tem nem um segundo de paz, literalmente, vez que, a cada um segundo, uma delas está sendo assediada.
Segundo o Código Penal (art. 216-A), o assédio sexual é o crime de “constranger alguém com o intuito de obter vantagem ou favorecimento sexual, prevalecendo-se o agente da sua condição de superior hierárquico ou ascendência inerentes ao exercício de emprego, cargo ou função”. E é justamente esse tipo de conduta que o protocolo Não se Cale quer coibir.
Silêncio feminino
Para Ana Adobatti, líder do meio corporativo na área de impacto social e fundadora da Livre de Assédio, iniciativa que combate o assédio em empresas e espaços de lazer, hoje a mulher vive a tendência do silenciamento: “Há impunidade e falta de apoio. Esses são os principais entraves para uma mudança de paradigma”.
Ana Adobatti, vencedora do prêmio Epic Awards na Espanha, na categoria Women Inspiring Women, chama a atenção para o fato que hoje muitas empresas têm até canal de denúncia, mas culturalmente, nelas, a lei do silenciamento está alicerçada.
“Portanto, é fundamental que as empresas se engajem nessa causa. Primeiro porque todos nós precisamos ter um lugar de igualdade, de equidade. Hoje, de cada 6 mulheres assediadas, 1 pede demissão sem nem denunciar o crime. Isso significa que as mulheres estão sendo excluídas duas vezes: a primeira exclusão se dá no mercado de trabalho. E a segunda ocorre em casa, afinal se essa mulher viver um ciclo de violência doméstica, e perder a sua fonte de renda, fica bem difícil para ela ter voz e recomeçar a sua vida. Então, o assédio tem um impacto para dentro e tem outro para fora”, salienta Ana.
Respeito e dignidade
O estudo “Visível e Invisível: a Vitimização das Mulheres no Brasil”, do Fórum de Segurança Pública, nos lança um desafio urgente: o de construir uma sociedade em que mulheres sejam, de fato, respeitadas. “E essa é uma tarefa coletiva que requer o engajamento de todos os setores da sociedade e a implementação de ações efetivas para garantir a segurança e a dignidade das mulheres brasileiras”, comenta Ana.
A pesquisa denúncia que 2022 foi o ano com o maior número de assédios, registrado desde 2017. “Somente com uma mudança profunda na mentalidade coletiva será possível reduzir e, idealmente, erradicar a violência contra a mulher em todas as suas formas”, alerta Ana Adobatti.
Perfil dos inscritos no curso
O mais recente levantamento de inscritos no curso do protocolo Não se Cale mostra que o número de mulheres cadastradas que possuem empregos estáveis nos setores de gastronomia, lazer e entretenimento cresceu pelo segundo ano consecutivo. Hoje elas correspondem a 76% do total de participantes. Desde a segunda edição do censo, divulgada em outubro, a participação feminina continua sendo maior do que a masculina. Elas representam 51% do número de interessados.
A faixa etária predominante entre os inscritos mudou de 20 a 29 anos para 30 a 39 anos, o que indica uma alteração no perfil dos participantes. Esta é a terceira edição do mapeamento elaborado pela SP Mulher. O relatório é feito com base nas informações relatadas pelos profissionais no momento do preenchimento do formulário de inscrição.
Como funciona o Procolo?
No curso, a SP Mulher ensina os profissionais a identificar e enfrentar situações de risco de forma ativa e adequada. Na prática, quem faz o treinamento está apto para prestar auxílio mediante qualquer pedido de socorro ou suspeita de assédio, abuso, violência ou importunação sexual. Desde auxiliar a vítima a sair do local até acionar a rede pública de segurança e saúde. Todas as etapas são contempladas no fluxo completo de ações em prol das vítimas.
“Essa abordagem abrangente garante a proteção das mulheres e o acesso ao suporte necessário em momentos críticos”, explica a SSP, em nota.
Como os estabelecimentos adequados ao programa receberão um selo em reconhecimento à sua capacitação e compromisso com a segurança das mulheres, os locais que implementarem tais medidas serão identificados e valorizados pela sociedade, o que agregará valor à marca.
Fiscalização ao Não se Cale?
O Procon-SP fiscalizará a conformidade. A falta de adaptação poderá ocasionar multas.
Ademais, outras penalidades são suspensão do serviço ou atividade, e até mesmo na interdição, de acordo com o Código de Defesa do Consumidor.
No caso das multas, essas podem ser de R$ 6.852, podendo chegar a R$ 102 milhões. Isso porque, de acordo com a lei, a multa será de 200 a 3 milhões de UFESPs, que atualmente têm um valor unitário de R$ 34,26.
Para agravar ainda mais a situação, o não cumprimento do protocolo também resultará em uma má reputação para a empresa.
Por consequência, isso gerará desconfiança e afastará potenciais consumidores e parceiros. Investir na conformidade é, portanto, zelar pela imagem e credibilidade.
Para o diretor Executivo do Procon-SP Luiz Orsatti Filho, “as nossas equipes continuam orientando os estabelecimentos a se adequarem o quanto antes ao protocolo, que é fundamental para a construção de um ambiente de respeito às mulheres”. “Capacitar os colaboradores de uma empresa para se adequar ao protocolo Não se Cale é, portanto, uma demonstração de cidadania”, completa.
Para fazer o treinamento, basta que o interessado clique no no Formulário de Inscrição.
Uma mão faz o sinal
As mulheres podem pedir ajuda verbalmente ou através de um gesto reconhecido mundialmente para simbolizar sua necessidade de apoio. São eles:
- palma aberta para cima;
- polegar flexionado ao centro;
- dedos fechados em punho.
Segurança e Saúde no Trabalho
O relatório da Organização Internacional do Trabalho (OIT) – Preventing and Addressing Violence and Harassment in the World of Work through Occupational Safety and Health Measures, de janeiro de 2024, destaca a importância das medidas de Segurança e Saúde no Trabalho para eliminar o assédio sexual.
O documento revela que mais de uma em cada cinco pessoas empregadas sofrem violência e assédio. Assim, é importante que as empresas se atentem ainda a Portaria MTP nº 4.219/2022. Esse documento alterou, inclusive, a nomenclatura da CIPA para Comissão Interna de Prevenção de Acidentes e Assédio. E, agora, é dever das empresas implementar ações de prevenção e combate ao assédio sexual e demais formas de violência no âmbito do trabalho.
Por fim, todos os locais de entretenimento onde haja venda de bebidas alcoólicas devem seguir determinações da Lei nº 14.786/2023. Essa legislação obriga essas empresas a adotarem o protocolo Não é Não, assegurando a proteção e o atendimento adequado às mulheres que se encontram em situações de violência.