O novo Decreto do SAC, que entrou em vigor em outubro do ano passado, trouxe diversas mudanças para o serviço de atendimento das empresas ao considerar o modelo omnicanal. Entre eles está a desobrigação de um atendimento telefônico 24 horas, mantendo o atendimento humano por apenas 8 horas. Mesmo com definições a serem feitas, essas questões precisam ser discutidas.
Sob mediação de Ricardo Morishita, diretor de Projetos e Pesquisas no Instituto Brasiliense de Direito Público (IDP), o painel da Era do Diálogo 2023, “Nova Lei do SAC: como garantir respostas ao consumidor prioritariamente no acesso digital”, discutiu desde a preocupação em incluir a parcela mais vulnerável da população na digitalização dos canais, até o real propósito do atendimento aos clientes.
Morishita reforça que o avanço das tecnologias e do atendimento digital é uma realidade, mas enfatiza a importância das empresas conhecerem as vulnerabilidades dos consumidores para estruturar medidas que garantam a resolutividade.
A hipervulnerabilidade do consumidor pode estar associada a diversos fatores: de idade, de saúde, de conhecimento ou de questões econômicas e sociais. Para entender isso, é necessário olhar para todos os “Brasis dentro do Brasil” e ter consciência de que os consumidores vulneráveis são os que precisam de mais cuidados. “O combate a esse desafio passa muito por informação, formação e em dar os canais apropriados para democratizar o atendimento”, explica Wilton Ruas, diretor do Procon-SP.
O telefone hoje é o canal mais acessível e democrático que conhecemos, mas nem sempre foi assim. Wilton Ruas relembrou que houve um tempo, não muito distante, em que ter um telefone era privilégio de poucos. De acordo com o diretor, a tecnologia deve ser usada como ferramenta para incluir todas as pessoas no processo de digitalização.
A importância do canal telefônico
“Qual é o grande problema do consumidor? Ele quer exprimir o problema dele e encontrar uma solução. Se as novas tecnologias permitirem isso e se a gente conseguir regulá-las, como começou a ser feito pela Lei do SAC, vamos facilitar a vida de todos os consumidores, inclusive dos hipervulneráveis. Fora isso, é preciso que se ofereça a infraestrutura necessária para que essas soluções cheguem para a população”, afirma Ruas.
Cristiana Camarate, superintendente de Relações com Consumidores da Anatel, pensa da mesma forma. Segundo ela, não é novidade para ninguém que o consumidor de hoje quer a multiplicidade de canais, mas algumas pesquisas ainda deixam claro que uma grande parcela não se sente confortável em resolver problemas no digital. Isso vale mesmo para quem tem acesso às tecnologias.
Os motivos para isso são vários, mas os principais são: não saber usar o canal ou não ter interesse. Essas pessoas precisam ser incluídas e têm o direito de serem atendidas de forma eficiente pelas empresas. E nesse caso, não estamos tratando de questões de infraestrutura e sim de conhecimento, educação e também direito de escolha.
“A Anatel entendeu que não basta levar a infraestrutura, é preciso entender as necessidades dos consumidores, em especial dos grupos vulneráveis. Estamos com um projeto na Agência de Conectividade Significativa, em que vamos nos dedicar à essa discussão. Falar de usabilidade, entender as necessidades de cada grupo e ampliar a inclusão de toda coletividade”, conta Cristiana.
O olhar cuidadoso das empresas
No setor de telecomunicações, apesar da Nova Lei do SAC permitir a oferta do atendimento telefônico por apenas oito horas por dia, as empresas continuam seguindo o modelo 24 horas/7 dias. Para Maria Eliza Mac Culloch, coordenadora de Regulação e Autorregulação da Conexis Brasil Digital, manter o atendimento por telefone em tempo integral é muito importante na hora de resolver os problemas dos clientes.
“Somos um setor extremamente regulado e nas nossas regras gerais já existem soluções em relação à inclusão dos consumidores mais vulneráveis. O que às vezes acontece é que esbarramos em questões que ultrapassam a competência das empresas de Telecom. Por exemplo, ampliamos o serviço, fazemos a banda larga chegar até as escolas. Mas, às vezes, no lugar não tem luz, não tem o equipamento apropriado para que as pessoas possam de fato usufruir desses serviços”, enfatiza Eliza.
Por todos os desafios já apresentados, Nairo Vidal, diretor de Ouvidoria do Bradesco, é um defensor do atendimento por telefone para resolver as reclamações dos clientes. Para ele, o atendimento humano é fundamental no momento que o cliente quer reclamar. No Bradesco, apesar das novas regras do SAC, o atendimento telefônico também continua funcionando no esquema 24h/7 dias.
“O nosso Brasil é continental, tem regiões que você não tem infraestrutura. E não precisa ir longe. No estado de São Paulo mesmo, tem regiões que não tem condições de receber certas soluções. Para reclamações eu não abro mão do atendimento humano e do telefone. Tenho convicção que a experiência do consumidor vai ser muito melhor”, avalia Nairo.
Nessa discussão de democratização do atendimento, um ponto que acaba sendo apontado como outro desafio dos meios digitais é o direito à gratuidade na hora de fazer uma reclamação, pedir uma informação ou cancelar um serviço. No telefone, tem o 0800 o 0300, mas no digital o uso de dados das redes móveis acabam gerando um custo para os clientes.
Algumas empresas, inclusive de Telecom, já conseguem disponibilizar o atendimento via aplicativo, sem o consumo de dados da rede do consumidor. Mas, ainda não há uma solução consolidada para esse dilema. Até que haja, a opinião dos participantes do painel é que o telefone continue sendo a principal solução no atendimento de urgências e emergências, por ser “quase totalmente gratuito”. O “quase” fica por conta de Wilton Ruas, diretor do Procon-SP, que lembrou que nada é completamente isento de custo.
Em paralelo, os especialistas esperam que haja um investimento por parte dos governos para ampliar a disponibilização, por exemplo, de redes de Wi-Fi. Apesar desse processo ser custoso e complicado de ser implementado, é um caminho sem volta.
Mas, qual é o real propósito do SAC?
Para encerrar o painel, o mediador Ricardo Morishita fez uma provocação: qual é o propósito de um atendimento? Como esse propósito dialoga com a vontade do consumidor de querer falar com uma pessoa? Qual é o compromisso que a empresa deve ter com esse consumidor?
Cristiana Camarate, da Anatel, afirma que o propósito do atendimento ao cliente deve ser sempre o acolhimento. Seja sob a perspectiva do empresário ou do órgão público. De acordo com a superintendente, o consumidor quando procura pelo SAC está em busca de resolutividade, só que nem sempre será possível resolver o problema. Cristiana ainda é cuidadosa em afirmar que apesar de “quase sempre o cliente ter razão”, nem sempre ele está certo.
“Mesmo quando ele não estiver com a razão, é necessário que o profissional do atendimento dê a ele acolhimento. Passe as informações com empatia. Automaticamente, isso nos remete ao atendimento humano, porque é muito mais fácil realmente. Mas, é aí que está o desafio. O digital também pode proporcionar isso. Só que, enquanto não proporcionar os serviços telefônicos devem permanecer”, defende a representante da Anatel.
Nairo Vidal, do Bradesco, não só concorda como lembra: o não também é uma resposta. O grande desafio, segundo ele, é saber dar esse não. É conseguir explicar para o consumidor o porquê da negativa a ponto dele ficar satisfeito com o atendimento que recebeu. Para que isso seja possível, Nairo reforça que é essencial que se tenha uma equipe capacitada: “ter pessoas capazes de dizer sim e deixar o cliente satisfeito é fácil”.
Já Wilton Ruas acredita que o propósito do atendimento ao cliente deve ir além de acolher e resolver, é preciso entender o consumidor. Entender o problema, de acordo com o diretor do Procon-SP é o primeiro passo para se alcançar os dois outros pontos citados no painel. Ele resume o papel do atendimento em quatro etapas. São elas:
- Entender o problema – saber interpretar, ouvir o cliente
- Resolver o problema – que é o que o cliente busca
- Esclarecer – tendo razão ou não, o papel da empresa é dar todas as informações possíveis
- Acolhimento – a forma com que o cliente será atendido vai embalar todas as outras etapas
“Muitas vezes o consumidor busca o atendimento humano porque pressupõe que vai ser acolhido, que a pessoa vai ser simpática, empática, compreensiva. O que não acontece sempre. E quando não acontece, o atendimento telefônico pode gerar ainda mais frustração, raiva e a reclamação pode transbordar para outras instâncias”, ressalta Wilson Ruas.
A verdade é que o atendimento ao cliente é o primeiro ponto de contato do consumidor com a empresa e vai ser determinante para a relação de consumo. Se ele for bem atendido e tiver a demanda resolvida, a chance de se fidelizar é muito grande. Por isso, a forma de lidar com as reclamações dos consumidores precisa ser vista com prioridade pelas companhias e exigem mudanças de processos, de mentalidade e de cultura.