A taxa de câmbio está novamente no foco de atenções, com muitas discussões sobre o risco que este patamar atual representa para a retomada da economia. Esse ponto merece alguns comentários.
Primeiro, uma pergunta. O que é mais favorável para a volta cíclica da economia, uma apreciação cambial que ajude o Banco Central na tarefa de domar a inflação e assim cortar a taxa de juros ou uma depreciação que ajude o setor externo e a substituição de importações da indústria? Se o Brasil fosse uma economia aberta, com peso elevado de exportações e importações no PIB, seria óbvio responder que a depreciação cambial vale a pena, tendo efeito líquido positivo sobre a atividade. Não é este o caso. O Brasil, diferente de países asiáticos, é bastante fechado. Segundo a CNI, as importações representam 22% do consumo aparente de produtos industrializados e as exportações menos de 20% da produção industrial. É o mercado interno que puxa o crescimento.
É verdade que o enfraquecimento do Real dos últimos anos vem ajudando a indústria a substituir importações e a aumentar exportações, esta última mais moderada devido, entre outras, à fraqueza do comércio mundial. Mas esse não será o motor do crescimento do país. O ajuste das contas externas é peça importante para o equilíbrio macroeconômico, mas não trará volta cíclica do crescimento por si só.
Vamos aos fatos. Entre 2003 e a eclosão da crise global de 2008, houve expressiva valorização do Real e, ainda assim, a indústria acompanhou o ritmo de crescimento da produção industrial mundial. O câmbio prejudicou as contas externas, mas não impediu o crescimento econômico, pois o aumento da demanda interna mais que compensou a elevação da penetração das importações e o menor ímpeto exportador. A apreciação cambial, por outro lado, reforçou a trajetória de queda da taxa de juros ao contribuir para a uma dinâmica inflacionária bem comportada. Há razões para acreditar que o efeito líquido do Real valorizado foi positivo para a atividade econômica.
A depreciação cambial, por sua vez, pressiona a inflação, corrói a renda real do trabalho e, ao impor uma política monetária mais apertada, afeta a demanda interna. É verdade que as contas externas melhoram ao longo do tempo. Mas isso não é motor de crescimento para um país fechado como o Brasil e com maior peso da demanda interna na dinâmica econômica. Historicamente, períodos de moeda fraca são associados a baixo crescimento.
O segundo ponto é que o BC tem pouco controle sobre a taxa de câmbio. O ciclo da taxa de câmbio é praticamente todo ele determinado pelo ciclo da moeda americana no mercado internacional. É o que indica a elevada correlação entre o Real/dólar e uma cesta ampla de moedas/dólar. Desde 1999, com a implantação do regime de câmbio flutuante, poucas vezes houve descolamento entre essas duas variáveis, controlada a maior volatilidade do Real. O descolamento mais notável foi na turbulenta campanha eleitoral de 2002, quando o Real se enfraquecia em um quadro também de depreciação do dólar no mercado mundial.
Fatores domésticos, ainda que menos importantes, certamente influenciam o comportamento da taxa de câmbio, afetando sua volatilidade e a intensidade de ajuste em torno da tendência do dólar no mercado mundial. Desde 2012, o Real tem exibido desempenho pior que o sugerido pelo comportamento do dólar. Não sem razão. O fracasso da agenda econômica de Dilma, refletido em crescimento baixo e inflação alta, acabou penalizando mais o Real. Nesta linha, as medidas de risco Brasil se descolaram em relação a de países pares. Ou seja, o descolamento do Real decorreu mais da piora de percepção de risco-país do que de intervenções do Banco Central.
A intervenções do BC não são inócuas, mas pouco influenciam a dinâmica da taxa de câmbio. Não faltam trabalhos técnicos, inclusive do Banco Central, apontando a baixa eficácia das intervenções, exceto por curtíssimo espaço de tempo. Exemplo disso foram as compras volumosas de dólar entre 2003-08, enquanto a cotação do dólar só fez cair. Para o setor real, pior que a apreciação é volatilidade cambial. Imagine um importador de insumos que faz seus planos com uma taxa de câmbio de R$/US$ 4,00 e após a compra liquidada, a cotação cai para R$/US$ 3,50 no mês seguinte? Seu produto final não terá preço competitivo. Se o BC puder conter essa volatilidade, melhor.
O terceiro e último ponto é que não há garantias que estamos diante de um novo ciclo de apreciação cambial. Este movimento recente da taxa de câmbio, desde o Brexit, é reflexo de uma visão que os emergentes estão, no relativo, mais atrativos em relação às economias avançadas. Mas esse é um fenômeno temporário. Não se compara, nem de longe, com o ciclo da década passada.
Faz sentido esperar um novo ciclo de enfraquecimento do dólar no mercado mundial?
Diferentemente da década passada, agora os EUA exibem ganhos de produtividade maiores que o resto do mundo. O mundo emergente desacelera, não há super boom de commodities e o comércio mundial está praticamente estagnado após as taxas de crescimento acima de 7% aa do passado. Enquanto isso, a economia americana, mais fechada e menos sensível à fraqueza do comércio mundial, cresce. Resultado: sua moeda tende a valorizar mais, ainda que não agora e não tão rapidamente como em 2015.
Enfim, é equivocado esperar uma solução para o “problema” do Real se fortalecendo (que nem é tanto assim; o câmbio efetivo real está muito longe das mínimas do início de 2011), seja porque a ação do BC não pode visar algo além de conter a volatilidade da moeda, seja porque, caso estejamos em um novo ciclo de apreciação (o que não está claro), isso não seria algo ruim para a volta cíclica do crescimento. Pelo contrário. Câmbio forte, maior crescimento.
Há naturalmente muita ansiedade para uma retomada da economia. Tudo que for na direção de ajudar o BC a relaxar as condições monetárias com segurança é bem-vindo. Forçar uma depreciação da moeda, decididamente, não.
*Por Zeina Latif, economista-chefe da XP Investimentos