O que o show da Taylor Swift aqui no Brasil tem em comum com o lendário Woodstock, cuja primeira versão em 1969 foi considerada a mãe dos festivais de música de todos os tempos? Provavelmente você deve estar respondendo “nada”. Mesmo porque um era do movimento contracultura. E o outro corresponde a um evento de uma artista “da moda”, cujo “Efeito Swift” vem impulsionando economias regionais em todo o mundo.
Na verdade, na comparação a ser feita, vamos falar não do 1º Woodstock, mas sim o último – de 1999, que foi promovido para comemorar os 30 anos do evento que celebrava a paz, o amor e o rock n’roll.
Então, vamos às semelhanças: enquanto no festival americano, as temperaturas beiravam os 40 graus, no Rio de Janeiro a sensação térmica estava na casa de 60. Ao passo que o show dos Estados Unidos ocorreu em uma enorme base aérea, sem árvores e com asfalto, o do Brasil, no dia 17 de novembro de 2023, se deu em condições bem similares.
Se por lá muitas pessoas passaram mal, por aqui, no Engenhão, o primeiro dia de show da loira resultou em mais de mil situações de desmaio e o óbito da jovem Ana Clara Benevides, de 23 anos, após uma parada respiratória.
No Woodstock de 1999, a organização resolveu economizar em tudo, incluindo banheiros e chuveiros, e ainda jogou os preços dos produtos lá em cima, cobrando 4 dólares, na época, por uma garrafa d’água de 600 ml. Em alguns pontos, havia (poucas) fontes de água gratuitas. Aqui no Brasil o copo de água estava sendo vendido a R$ 8,00 e não havia como o público se refrescar.
Em 1999, o descaso do Lucrostock, como ficou conhecido o último dos Woodstocks, resultou na perda da vida de David DeRosia, que, durante o show do Metallica, passou mal. Ele foi levado à tenda médica do local com a temperatura do corpo em altíssimos 42 graus, mas não resistiu e morreu. A causa da morte foi hipertermia.
Fato é que ambas as mortes, de David e Ana Clara, talvez, poderiam ser evitadas se as organizações de shows e locais com grandes aglomerações permitissem a entrada de água. Ou se dispusessem a comercializar esse produto – essencial à vida humana – com preço acessível.
Senacon publica determinação sobre… água
No dia seguinte à morte da garota, o Ministério da Justiça e Segurança Pública, por meio da Secretaria do Consumidor, publicou uma Portaria para consentir o acesso gratuito de garrafas de uso pessoal em shows no país. Outra medida é obrigar produtores de eventos a oferecer água de graça em dias de forte calor.
Contudo, a medida, que só vale por 120 dias, é voltada exclusivamente para shows. Isso quer dizer que clubes, parques aquáticos e de diversão, bem como locais de grande aglomeração, poderão continuar vetando a água para consumo?
Em São Paulo, existe uma lei, sancionada este ano, que obriga a oferta gratuita de água filtrada em bares, lanchonetes, padarias, restaurantes e similares. Os locais que descumprirem a norma estão sujeitos às sanções contidas no Código de Defesa do Consumidor.
No Rio de Janeiro, desde o ano passado, hotéis, albergues, pousadas e estabelecimentos semelhantes também estão obrigados a disponibilizar água filtrada ou mineral, gratuitamente, a seus clientes.
Na prática, a Constituição Federal de 1988 não prevê, expressamente, o direito à água potável, mas é inegável que esse direito integra o conteúdo mínimo do direito à dignidade dos indivíduos, conforme estipula o art. 1º, III da Carta Magna.
Por fim, praticar aumento abusivo de água, sem justificativa, é crime contra as relações de consumo prevista na Lei nº 8.137/1990, que cita o seguinte: “É vedado ao fornecedor, dentre outras práticas abusivas: elevar sem justa causa o preço de produtos ou serviços”.
O estabelecimento que comete o ilícito, portanto, pode ser penalizado com multa ou pena de detenção de três a cinco anos.
Ademais, só poder beber o que é vendido no local do show é considerado uma prática abusiva, então é importante que as empresas fiquem atentas para não serem responsabilizadas judicialmente depois. Para a advogada Lorrana Gomes, do escritório L Gomes Advogados, esse tipo de proibição pode configurar venda casada e falta de cumprimento de obrigação para com a saúde e segurança do consumidor. “A água é um produto essencial, em especial em altas temperaturas. e em hipótese alguma sua venda pode ser priorizada em detrimento à saúde do consumidor”.