Tem um ditado que diz: “Se correr o bicho pega, se ficar o bicho come”. E é exatamente dessa forma que, neste exato momento, no Brasil, várias empresas estão se sentindo. Tudo ocorre que, se por um lado, os negócios estão direcionando suas ações para diminuir reclamações e fidelizar clientes, angariando assim uma boa reputação institucional, por outro, muitos clientes, agindo de má-fé, buscam levar vantagens nas relações de consumo.
Assim, as perguntas aqui são: será mesmo que as pessoas jurídicas estão se precavendo nas relações de consumo? Se não, quais atitudes de cautela elas podem adotar para não serem prejudicadas? Existe uma ou mais fórmulas para os negócios não entrarem em conflito com seus consumidores?
Antes de respondermos essas e outras perguntas, é preciso enfatizar que, ao passo que os consumidores estão cada vez mais esclarecidos e exigentes, as empresas devem estar preparadas para atendê-los e responder aos conflitos consumeristas. Isso é fato.
Para isso, é importante que elas sigam, à risca, as regras do Código de Defesa do Consumidor (CDC), se salvaguardando de potenciais desavenças. Mesmo porque tais conflitos acabam se tornando caros não só do ponto de vista financeiro, mas também pelo desgaste da marca, o que pode culminar em perdas incomensuráveis.
Conforme o Conselho Nacional de Justiça (CNJ), entre os 18 temas do Painel Justiça em Números, o “direito do consumidor” é o sexto ramo do Direito que mais recebeu causas novas entre os anos 2009 e 2019. Ao todo, foram 4.797.905 novos processos em apenas uma década. Os litígios nesse assunto só ficam atrás dos Direitos do Trabalho, Civil, Penal, Processual (civil e do trabalho) e tributário.
Evitando entrar em disputa com os consumidores
Os quase 5 milhões de processos apresentados pelo Conselho Nacional de Justiça são sintomáticos: não é possível saber o número exato de ações convertidas em prol dos consumidores ou das empresas.
Assim, como os assuntos consumeristas estão entre os mais demandados nos juizados especiais e nos Tribunais de Justiça, é importante que as empresas fiquem atentas, já que toda vez que elas recebem um processo, há despesas com deslocamento de prepostos, representação legal, participação em audiências, o que resulta – sempre – em perca de produtividade, tempo e foco. Ademais, há também os honorários e custas judiciais, sendo que esses dois últimos não são pagos em primeira instância, somente em grau de recurso.
Para agravar ainda mais a situação, se o negócio não contar com um departamento jurídico ou uma assessoria em Direito do Consumidor terceirizada, a saída será contratar um advogado especialista no assunto para elaboração de defesa e supervisão de atos processuais.
Por último, mesmo que a sentença seja desfavorável para o consumidor, esse poderá se valer de, nas redes sociais, promover uma propaganda negativa da empresa. Se a empresa estiver em uma cidade pequena, por exemplo, esse efeito pode ser devastador.
Como se livrar de desentendimentos com os consumidores?
Toda relação de consumo, independentemente de ser compra de produtos ou prestação de serviços, tem três fases. São elas: pré-negócio; ato da venda; pós-venda. Em todas essas etapas, as empresas têm que observar seus deveres e direitos em relação ao consumidor.
Para evitar litígios, o primeiro passo é conhecer os direitos básicos do cliente. Como no art. 6º, VIII da Lei 8.078/90 diz: “o ônus da prova para que se tenha argumentos e provas para proteger a empresa fica sob a responsabilidade da empresa”, é importante saber gerenciar a prova que pode ser usada em um litígio.
Como? Adotando métodos de controle de segurança e qualidade de produtos e serviços, especificando detalhadamente as condições físicas do que está sendo comercializado, além do prazo de validade ou de funcionamento, conforme especifica o art. 4º, V do CDC.
Quando o assunto é venda de mercadorias, vale informar ainda peso, quantidade, riscos, composição e tributos incidentes no preço.
Cuidado com ofertas e propagandas
A atenção com as ofertas e propagandas devem ser redobradas. Se for trabalhar com descontos, por exemplo, é necessário informar o prazo de duração ou a data ou estoque, além das condições de pagamento. Outra estratégia é limitar a quantidade de produtos por cliente, mas isso tem que ser comunicado.
Ainda sobre propaganda, se for usar imagens fotográficas ou depoimentos de consumidores, sempre fazer um contrato de uso de direito de imagem.
Outras regras são: nunca fazer a abertura de cadastro sem o consentimento do consumidor; redigir os contratos de prestação de serviço e/ou fornecimento dos produtos com clareza; treinar os colaboradores a conhecer o CDC; instruir os clientes quanto às políticas da empresa; e não efetuar cobranças abusivas de dívida (art. 42 e 43 CDC).
A inversão do ônus da prova
O que é necessário, para o empreendedor, ter em mente, é que se tratando de direito do consumidor, prevalece a inversão do ônus da prova, conforme disposição legal (art. 6ª, VIII da Lei 8.078/90). Isso significa que a lei brasileira possibilita ao consumidor ir a juízo mesmo sem ter em mãos uma prova concreta do que aconteceu. Nesse caso, caberá ao fornecedor produzir tal prova da inexistência do direito alegado pelo autor e narrar que os fatos ali apresentados não correspondem à verdade.
Por fim, na era das redes sociais, é sempre bom, para o gestor, lembrar que a marca de uma empresa é o seu maior patrimônio. Preservá-la, portanto, não é uma opção, mas sim um dever.