O mercado brasileiro possui escala significativa, em função da população de aproximadamente 200 milhões de habitantes, extensão territorial continental e renda média em ascensão. O varejo brasileiro movimenta cerca de R$ 1,5 trilhão, o que gera atratividade para a entrada de operadores internacionais, investimentos nas empresas e demanda por ações de companhias de varejo, vislumbrando o potencial de crescimento e perspectivas de longo prazo.
Entretanto, a escala do mercado brasileiro deve ser entendida em profundidade, porque há uma grande concentração geográfica e demográfica no potencial de consumo. Há no Brasil 5.570 municípios, mas os 40 maiores respondem por 40% do potencial de consumo; 89 municípios geram 50% do consumo nacional e 366 alcançam 70%. Já no extremo oposto há 2.462 municípios que respondem por apenas 10% do consumo. Em termos demográficos, a classe A responde por cerca de 20% do consumo, a B1 por 26% e a classe C por 50%.
O cenário descrito cria um ambiente no qual de um lado torna-se economicamente inviável ter uma rede com cobertura nacional, pois à medida que a densidade dos municípios diminui o potencial torna-se muito limitado. De outro lado, para construir negócios de grande escala no mercado brasileiro é preciso atingir o mercado de massa.
Os principais desafios para as empresas de varejo construírem sua estratégia de crescimento e visão de longo prazo são: a diferença de escala e perspectivas entre o mercado premium e o mercado de massa; a aparente escolha excludente (trade-off) entre marcas e conceitos aspiracionais e negócios escaláveis; e o custo Brasil, que obriga muitas operações a adotar posicionamento acima do que praticam globalmente, restringindo o alcance em termos de perfil de consumidores. Com isso, posicionamento de marca, arquitetura de preços e de canais definem a escala potencial do negócio.
O limiar de 100 lojas ? um aspecto que ilustra as diferentes perspectivas de escala entre operações de varejo de massa e operações de varejo premium no Brasil é a barreira das 100 lojas. São raras as operações de varejo premium no Brasil que conseguem superar esse limite, ou que ao superá-lo conseguem vislumbrar perspectivas de continuidade no processo de expansão. Já operações em segmentos e formatos similares que acessem o mercado de massa superam com relativa facilidade este número, chegando em diversos casos a centenas de lojas. É possível realizar comparações em diversos segmentos de varejo.
A Fast Shop é a mais bem posicionada rede premium de varejo de eletroeletrônicos no mercado brasileiro. Apesar disso, opera somente 85 lojas, enquanto a Casas Bahia tem 655 lojas e o Magazine Luiza, 760. No mercado de óticas a Sunglass Hut, rede controlada pela Luxottica, possui bem posicionada rede de 70 lojas no Brasil, enquanto a Óticas Carol, com posicionamento democrático e modelo de negócios de franchising, já alcançou 750 pontos de venda.
No mercado de moda, as quatro maiores operações de grande superfície têm 290 lojas (C&A), 247 lojas (Renner), 257 lojas (Riachuelo) e 417 lojas (Marisa); já a Zara, controlada pelo maior varejista de moda no mundo ? Inditex ? abriu 50 lojas após mais de 15 anos no mercado brasileiro. O custo Brasil levou a Zara a um posicionamento premium- acima do que opera na Europa – que limita seu potencial de expansão e escala. No segmento de moda em formato de lojas especializadas, Lacoste e Levi?s possuem 94 e 64 lojas respectivamente, enquanto a Hering, graças a seu posicionamento democrático e arquitetura de preços, já chegou a 583 lojas monomarca da bandeira.
Superando os desafios ? é possível superar os desafios estratégicos impostos pela estrutura do mercado brasileiro. O ponto de partida é a definição de posicionamento, visão e ambição de longo prazo. Neste aspecto, é possível construir negócios de nicho ou de posicionamento premium bem sucedidos e lucrativos, porém com limitações de crescimento e escala.
As alternativas são segmentação de marcas, bandeiras e linhas de produtos; desenvolvimento de modelos de negócio multicanal, que possam integrar varejo direto com lojas próprias e franquias, distribuição multimarca e comércio eletrônico para ampliar o alcance da marca; e inovação que permita conciliar valor aspiracional de marca com acessibilidade.
A alternativa de segmentação de marcas e diversificação de canais é adotada pelo grupo InBrands, que controla as marcas Ellus, Richards, VR, Mandi, Salinas e Bob Store. Trata-se de um conglomerado de marcas premium, que individualmente não chegam a 100 lojas, mas que no todo já opera 377 lojas monomarca, além de distribuição por atacado para 5.535 clientes multimarca.
A Sephora abriu 14 lojas no Brasil e vem expandindo a rede lentamente, com formato de grande superfície, mas é o maior operador de e-commerce em perfumaria e cosméticos no País, complementando a distribuição. A Dudalina, tradicional fabricante de camisas masculinas, ampliou sua escala de negócios ao verticalizar a distribuição e implantar bem sucedida rede de varejo monomarca e estender o negócio para o segmento feminino. A rede opera 98 lojas, que complementam a distribuição para 4.000 pontos de venda multimarca.
Algumas marcas conseguem combinar valor aspiracional com acessibilidade e distribuição capilar, o que possibilita alcançar escala de negócios e ampliar o alcance da marca. É o caso da Chilli Beans, com 585 pontos de venda entre lojas e quiosques; e a marca Arezzo, com 361 lojas. O Boticário é a maior rede global de perfumaria e produtos de beleza em pontos de venda com 3.690 lojas somente no Brasil. Já a Forever 21 entrou no Brasil em 2014 com apelo de loja internacional e preços acessíveis e abriu 11 lojas de grande superfície no primeiro ano e 21 novas aberturas anunciadas para 2015.
A Nike sempre teve posicionamento premium e elevado conteúdo aspiracional no Brasil, e ampliou progressivamente sua arquitetura de preços, produtos e distribuição, aumentando o alcance da marca e escala de negócio. Atualmente, a marca distribui seus produtos no Brasil por meio de 37 lojas monomarca, 25 outlets, comércio eletrônico e 7.800 pontos de venda multimarca.
Portanto, a elevada concentração demográfica e geográfica do mercado brasileiro torna difícil para marcas premium alcançar escala, o que pode limitar seu crescimento. Entretanto, modelos de negócio inovadores, diversificação de marcas, formatos e canais podem ampliar alcance, capilaridade e escala do negócio. Não há ?maldição?, mas restrições estruturais que precisam ser enfrentadas. Relevância na proposta de valor e consistência na execução definirão o êxito da estratégia.
Alberto Serrentino é fundador da Varese Retail ([email protected])