No ano em que o Código de Defesa do Consumidor (CDC) completa 30 anos, os desafios enfrentados por aqueles que vivem o relacionamento com clientes (tanto no âmbito privado quando no público) são muito diferentes do que eram há três décadas. Nós, consumidores, nos tornamos digitais, estamos enfrentando uma pandemia e temos um comportamento mais local do que nunca.
É com esse panorama que Roberto Meir, CEO do Grupo Padrão, dá início ao debate “Novos paradigmas na defesa do consumidor: do offline para o online acelerado pela pandemia”, realizado no evento A Era do Diálogo. Participam também Luciano Benetti Timm, ex-Secretário Nacional do Consumidor e Professor da FGV-SP; Fabio Avellar, vice-presidente de Experiência do Cliente da Vivo; Ricardo Lagreca, diretor sênior de Jurídico e Relações Governamentais do Mercado Livre; e Rogerio Taltassori, Ouvidor do Itaú Unibanco.
Essas mudanças impactaram inclusive o trabalho do ex-Secretário Nacional do Consumidor que, em sua gestão, teve de lidar com demandas inéditas – por exemplo, o crescimento da procura por álcool em gel e máscaras que, no início da pandemia, sumiram do mercado e, quando retornaram, estavam custando preços altos. “Mapeamos todo o mercado desses produtos, emitimos uma nota técnica sobre isso e chegamos a conclusão de que no fundo o que é proibido é o ‘aumento abusivo’, da mesma forma como o ‘aumento arbitrário’ de lucros, no caso da concorrência”, diz.
Desafios de mercado
Como ele conta, o aumento foi um resultado da mudança na produção, que vinha de Wuhan, na China. Foi um choque de oferta e demanda, que demora para se ajustar. “A solução foi a desregulação”, explica. “Falamos com a Anvisa e ela liberou a produção de álcool líquido 50% e de máscaras de pano, além da mobilização das empresas”. A Senacon conversou ainda com as empresas de e-commerce. “Tudo mudou muito tanto para nós quanto para o próprio Ministério da Economia”, diz.
Timm lembra ainda, como exemplo, a criação de um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que permitiu a remarcação gratuita de passagens, beneficiando tanto o caixa das companhias aéreas quanto o bolso do consumidor. Além disso, foi lançada uma Medida Provisória (MP) do Turismo, que agiu da mesma forma como o TAC das companhias aéreas. “Também tornamos obrigatório o cadastro de empresas de setores essenciais no consumidor.gov, com isso, mais de 3 mil empresas aderiram à plataforma, o que evitou o aumento da judicialização”, conta. “Com o apoio da equipe, conseguimos dar conta desse desafio”.
Efetividade
Avellar, da Vivo, comenta que todos os investimentos da empresa no Brasil se geraram resiliência e, por isso, a experiencia do cliente não foi prejudicada com a chegada da pandemia e consequente mudança na demanda. Com aproximadamente 33 mil funcionários diretos, a Telefônica Vivo conseguiu colocar 20 mil colaboradores em home office em 15 dias a partir da entrada em quarentena. Ao mesmo tempo, os técnicos de campo continuaram trabalhando. “Foi um movimento em que nos provamos mais capazes do que imaginávamos, como geralmente acontece em crises”, revela.
Ao mesmo tempo, ele conta sobre os esforços constantes da empresa para oferecer experiencias positivas – seja trabalhando na causa raiz, seja lidando com as tratativas. Neste ano em especial, Avellar conta que a Telefônica Vivo está apostando em autorregulação, apostando esse método. Nesse processo, a empresa está apostando na digitalização (contanto inclusive com o consumidor.gov). “Entendemos que esse é o caminho: estamos com os Procons, atuamos com a Anatel, consumidor.gov”, diz. Nesse sentido, Meir afirma que esse é um esforço que deve ser feito por todos pois o custo do litígio prejudica a empresa e quem paga a conta é o consumidor. “O ganho aparente da empresa em um momento será pago por todos em outro momento”, argumenta.
Como reforça Timm, R$ 90 bilhões do orçamento da União são direcionados ao Poder Judiciário Federal. Isso é justificado pela quantidade de processos em andamento – inclusive consumeristas. “É uma relação perde-perde”, diz Meir, defendendo a diminuição da judicialização.
Cuidados variados
Taltassori, do Itaú Unibanco, por sua vez, revela que a empresa identificou três dimensões de impacto da crise. A primeira delas foi em relação aos colaboradores, que são quase 100 mil. Especialmente o contingente que está na linha de frente (nas agências) dependiam de uma resposta rápida. “Em dez dias, colocamos entre 40 mil a 50 mil pessoas em trabalho remoto” afirma. “Nada se perdeu do ponto de vista de eficiência”.
A outra dimensão foi o cliente, que precisava ter consciência de que os serviços bancários seguiriam disponíveis. Em março, aproximadamente 70% das transações financeiras eram feitas de forma remota pelos clientes do Itaú Unibanco. Logo depois, esse número subiu para 97%. “O esforço feito de incentivo ao uso do canal, aumento de limites para que ele pudesse se atender por esse meio, deu resposta muito rapidamente”, conta.
O terceiro ponto é a forma como a empresa se apresentaria ao mercado e a sociedade nesse momento. “Passamos a apoiar, investir, nos unir com outras instituições para compras de insumos e equipamentos”, diz. O ponto alto desse posicionamento foi o investimento no Todos pela Saúde, registrado como a maior doação do País. “Nossa agenda institucional, tudo o que tínhamos planejado, tivemos que refazer”, diz. “Tiramos todo o programa de metas de vendas de produtos dos gerentes e o foco passou a ser apenas o atendimento e o suporte aos clientes”.
Crescimento
Muito demandado, o Mercado Livre passa por desafios específicos nessa pandemia, no ambiente em que atua. Lagreca menciona que o primeiro passo foi proteger os colaboradores e se adaptar para garantir a manutenção do abastecimento. “Percebemos mudanças no comportamento do consumidor”, conta. “Em um primeiro momento, produtos que eram os que mais vendiam, como autopeças, moda, eletrônicos, tiveram queda nos primeiros 15 dias e surgiram um aumento de procura por produtos de saúde”.
A partir disso, houve outros crescimentos, o que provocou até mesmo a antecipação do lançamento do setor de supermercados, que teve crescimento de 160%, e agora há também o crescimento de itens que tornam melhor a permanência em casa. O Mercado Livre recebeu ainda 5 milhões de novos clientes e o Mercado Pago recebeu R$ 2,5 milhões do auxílio bancário.
“Nossa área de logística precisou passar por um crescimento gigante, pois hoje são mais de 1 milhão de entregas por dia”, diz. “Neste ano, vamos gerar mais de 2 mil empregos diretos”. Para ele, o saldo é que muitas pessoas perderam o medo do comércio eletrônico, infelizmente por um motivo trágico. Com isso, o executivo não vê apenas uma mudança no mercado, mas também na defesa do consumidor. “Temos parceria já há anos com a Senacon, estamos na plataforma consumidor.gov, o Jurídico inclusive lançou m vídeo que explica os caminhos para os consumidores reclamarem se houver necessidade”, diz. “Nos primeiros seis meses deste ano, houve um crescimento de 102% no uso do consumidor.gov”.