É natural que, a partir do momento em que tem condições de escolher (sejam intelectuais, sejam financeiras), o consumidor passa a optar pelo serviço ou produto de sua preferência. Não por acaso, o tema do debate final de A Era do Diálogo foi “A melhor defesa do consumidor é uma economia mais livre e competitiva?”, ou seja, uma vez que há competitividade, quem presta serviços inadequados é naturalmente excluído pelo consumidor?
A conversa, mediada pela âncora da Rádio CBN, Fabíola Cidral, contou com as seguintes participações: Fernando Capez, diretor-executivo do Procon-SP; Ricardo Morishita, Professor de Direito da Escola de Direito de Brasília; João Brito Martins, diretor vice-presidente de Redes da EDP Energias; e Adriana Ventura, deputada federal pelo Partido NOVO.
Logo no início do diálogo, Fabíola traz um dado relevante: o Brasil ocupa o 144º no Índice de Liberdade Econômica elaborado pela Heritage Foundation. No total, 180 países são avaliados, sendo que a Coreia do Norte está na última posição e Singapura está na primeira. Para Morishita, competitividade e liberdade são elementos fundamentais. “É evidente que, quanto mais liberdade e competitividade houver, melhor ficará para ele; quando ele tem a possibilidade de fazer escolhas não só pelo preço mas também pela qualidade, essas escolhas ajudam muito no aprimoramento do próprio mercado”, defende.
Escolhas e competitividade
“Mas, acho difícil ter uma única medida para melhorar a proteção, de maneira que, quando pensamos em economia, também precisamos pensar em pessoas, em decisões que as pessoas tomam”. Assim, aponta que um dos sérios problemas que têm de ser resolvidos são as barreiras tarifárias, que tanto penalizam o consumidor. “Sabemos o desafio que é comprar uma bicicleta: ele fica sujeito à indústria nacional – que tem seus méritos –, mas, para importar uma bicicleta os preços são proibitivos”, exemplifica.
“Há determinados segmentos que não possuem tanta concorrência e, portanto, dependem de outras ferramentas regulatórias que foram implementadas ao longo dos anos, mas, são desafios que precisam ser colocados na ordem do dia”, defende. Além disso, Morishita defende a qualificação cada vez maior do trabalho, da mão-de-obra, e um olhar para as pequenas e médias empresas. “O Brasil tem uma enorme lição de casa para fazer, não é à toa que estamos onde estamos”.
Informação como alternativa
Martins, da EDP Energias, concorda que a concorrência é muito boa pois, em um momento em que a tecnologia está disponível como está, a informação flui e não há espaço para produtos ruins. “Hoje, antes de comprar, vamos ler as avaliações das pessoas sobre o equipamento e o simples fato de a informação estar disponível permitindo que haja transparência, faz com que automaticamente os que não são bons não cheguem a vender”, diz.
No passado, como ele afirma, havia muita assimetria de informação e possivelmente instrumentos legislativos que ajudariam a diminui-la. Contudo, hoje ele entende que o consumidor tem muito mais poder. “No Brasil, é possível produzir leis nos níveis federal, estadual e municipal e muitas vezes as pessoas acabam criando debates que não são da sua alçada”, diz.
Excesso de leis
Adriana Ventura, deputada federal pelo Partido Novo, concorda com o estudo citado por Fabiola e afirma que, como professora de empreendedorismo, leciona sobre os desafios do Brasil e considera que a realidade do País é “sofrível”. “As leis querem obrigar todos a fazerem tudo, com um monte de ‘microleis’ e, quando vamos discutir sobre isso, a resposta é que ‘não onera (o empreendedor)’, mas, coloca a pessoa que quer gerar emprego e riqueza para cumprir mil leis que não servem para nada a ela acaba não fazendo nada e nem cuidando do negócio”, argumenta.
“É uma vergonha, precisamos mudar esse enfoque, a mentalidade, porque hoje está tudo travado: o Brasil é um País empreendedor travado com o Estado no cangote; nas comunidades de São Paulo há um povo super empreendedor que ‘se vira’ para sobreviver e só tem problemas porque não tem liberdade para nada”, defende.
Insegurança jurídica
Fernando Capez, diretor-executivo do Procon-SP, concorda com a deputada federal Adriana. “O principal problema do Brasil, que trava o desenvolvimento econômico e social, é a insegurança jurídica, que se resume em uma absoluta imprevisibilidade de regras”, diz. “Hoje, um incorporador, por exemplo, começa uma atividade, contrata publicidade, começa a incorporação e, de repente, surge uma polêmica, retórica, jurídica, sem a menor importância e aquilo ganha, nos autos do processo, ares de erudição – um quer mostrar mais conhecimento de Direito do que o outro – e essas batalhas jurídicas, supérfluas, desnecessárias e inúteis fazem com que tenhamos uma tradição de debater o óbvio durante dez anos para realizá-lo no 11º ano”.
Para Capez, o mal do século XXI é a insegurança jurídica, a desorganização de interpretações da Lei. “Isso acaba anarquizando o processo e afastando o investidor”, pontua. “Isso é a burocracia”. Nesse sentido, ele afirma que até mesmo ações de caridade correm o risco de ficarem travadas devido ao excesso de exigências legais. “Isso tudo se resume em uma vaidade retórica de uma pseudo erudição de quem faz as regras e muitas vezes as interpreta”.
Morishita afirma que a inflação legislativa é algo muito real, mas, em seguida, faz uma imersão nas causas e efeitos dessa circunstância: “Um dos índices mais alarmantes que o Brasil deveria endereçar é o grau de informalidade. Esse deveria ser o maior alerta para os três poderes – executivo, legislativo e judiciário”.
O poder dos Poderes
O professor de Direito afirma que um dos desafios atuais é a perda de espaço do Poder Legislativo que, como ele define, “é o Poder, por natureza, para pactuar, decidir”. Apesar disso, nossas leis são “discricionárias, abertas, que permitem interpretações”, como descreve Morishita, e recorremos ao Judiciário para que sejam interpretadas. “Se é para arbitrar, é melhor que o Legislativo o faça, porque ele tem mecanismos mais adequados para pactuar”, defende. “No Judiciário, o debate é de soma zero; no Legislativo, quem perde a votação pode ter outro Projeto de Lei e esse processo é da regra democrática”.
Ele diz que a insegurança jurídica vem de vários lugares, sobretudo da perda de espaço dos poderes e do exercício dos poderes. “O excesso de poder leva a problemas: o excesso de poder no Executivo leva à arbitrariedade, o excesso de poder no Judiciário, também”, diz. “A virtude está no equilíbrio do processo e essa calibragem é um desafio para a nossa sociedade. Não se combate insegurança jurídica com autoritarismo, por exemplo, porque não é essa fonte – muda-se exatamente como um processo cultural, dos Poderes, das instituições, promovendo a segurança. A insegurança jurídica muitas vezes está no abuso que comete um fornecedor. É preciso olhar para todos os lados – até mesmo o consumidor comete abusos”.
Prioridades
Assim, Morishita defende que, ao final, o que importa é como fica o País. “Nesse ponto temos muito para pensar porque, nesses últimos anos, o Brasil tem estado em um caminho difícil: temos cada vez mais excluídos, cada vez mais pessoas mais pobres, a informalidade cresce e soa como um escárnio dizer para o cidadão, consumidor, que ele tem que recorrer à Justiça para fazer valer os direitos – e que isso vai demorar sete, oito, dez anos”, argumenta. “Então, nós podemos dizer que nem essa estrutura que temos hoje tem favorecido a nossa sociedade – basta visitar uma comunidade para verificar o que é o mundo”.
“Konrad Hesse escreveu uma obra fantástica e é uma abertura do Ferdinand Lassalle, ele dizia: ‘temos duas Constituições, uma é escrita; a outra, real’”, menciona. “A real está nas comunidades – se formos até elas, poderemos perceber uma profunda diferença entre o que é essa tutela de direitos – com todo o respeito, sabemos o quanto é importante – e como é o dia a dia do cidadão, como ele pega o ônibus, onde ele consome, onde ele lava as mãos”.
Como afirma o professor, quase 35 milhões de brasileiros vivem sem saneamento básico: em um momento em que são incentivados a lavar as mãos o tempo todo, há quem o faça na água suja. “Os nossos desafios vão além de uma roupagem que às vezes se coloca: é importante ter segurança jurídica, mas depende de todos nós – das instituições, de cada um fazer a sua parte mas, sobretudo, de trabalhar com profundidade e responsabilidade os nossos problemas”, pondera.
Práticas
Capez afirma que, por mais que existam duas Constituições (uma real e a outra escrita, como citou Morishita), é preciso pensar em mudanças práticas. “Neste nosso debate, como é que se pode construir esse caminho: aumentando e aprimorando o desenvolvimento econômico, permitindo que o capital privado possa gerar empregos, oportunidades para as pessoas que estão nas comunidades, deslocadas das oportunidades de trabalho”, argumenta. “O caminho do País, no meu modo de ver, é o desinchaço da máquina pública, a diminuição do tamanho do Estado e de custo de pessoal – 70% do orçamento do Estado de São Paulo é comprometido com despesas de pessoal e custeio da máquina pública”.
O presidente do Procon-SP, então, acredita que a insegurança jurídica é combatida quando a lei é cumprida – e, para ele, o primeiro a não cumprir a lei é quem a interpreta, por começar a criar teorias e debates retóricos. “Tudo se torna um debate sobre os princípios gerais do Direito – e os princípios são importantes, porque o Poder Judiciário não pode estar engessado no cumprimento da Lei, mas não pode substituir a segurança da letra escrita da lei”, diz. “É muito importante que haja equilíbrio”.
Além disso, ele argumenta que o Poder Legislativo precisa se organizar e unir. “Quem está assumindo o protagonismo é o Poder Judiciário, que não tem mandato popular, não tem representatividade do voto”, afirma. “Ele tem que interpretar se a lei flagrantemente viola ou não a Constituição, senão não seremos foco de investimentos”.
Uma voz de dentro
Como parte do Legislativo atualmente, a deputada federal Adriana afirma ficar muito assustada com o que vê no cotidiano da Câmara dos Deputados. “Todos parecem desconectados da realidade”, diz. “Por lá, querem obrigar todos a fazer tudo um milhão de vezes – por exemplo, obrigar estabelecimentos a ter o Código de Defesa do Consumidor (CDC) e o Estatuto do Idoso impressos”.
Então, ela acredita na necessidade de conectar o Legislativo com a realidade da população. “Penso que, a título de proteger o consumidor as pessoas não têm visão de mercado, não têm visão sistêmica e acha que proibindo e obrigando empresas o consumidor está sendo beneficiado quando, na verdade, ele só vai pagar mais caro”, afirma. Nesse sentido, ela acredita que a concorrência é o que faz com que se torne melhor a prestação de serviço, como uma autorregulação.