A edição de primavera da Paris Fashion Week 2023 encerrou nesta terça-feira, dia 3/10, com novas tendências para a moda mundial. São looks que transitam entre a cor vermelha – como apresentado nos desfiles da Acne Studios e da Schiaparelli –, o retorno da calça cargo, e estampas floridas tridimensionais compartilhadas entre Balmain e Marni. Mas parece que o quiet luxury, ou luxo silencioso, ainda é um elemento presente não só na moda como em diversas áreas.
Mesmo a Balenciaga, grife conhecida por seus desfiles excêntricos e nem sempre associados a um estilo de vida luxuoso – no ano passado, a passarela da marca na Paris Fashion Week se configurava como um longo corredor de lama –, abraçou a sobriedade de cores, materiais e do espaço onde a apresentação foi realizada. O desfile da Margiela, sob comando do diretor criativo John Galliano, também aderiu aos tons neutros, com blazers e calças de alfaiataria oversized. Outro detalhe está na ausência de logotipos ou siglas das marcas – muitas vezes, registro de nomes de grandes casas de luxo.
O quiet luxury, muito mais do que uma tendência passageira da moda, tornou-se um comportamento de marcas e consumidores globalmente. O estilo, associado aos ultra ricos, demonstra que, por mais minimalista que seja, é de difícil alcance. Está presente também na arquitetura e na decoração de interiores, no setor hoteleiro e turístico.
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Phoebe Philo, a mãe do quiet luxury
Uma das principais referências do movimento, antes mesmo da popularização do nome, é Phoebe Philo. A estilista esteve à frente da direção criativa de grandes casas como Chloé, entre 2001 e 2006, e Céline, entre 2008 e 2017. Na primeira, instituiu uma moda de elegância sem esforço – o chamado effortless chic.
Na segunda, a qual assumiu a direção criativa logo após a crise de 2008, foi responsável por desenhar uma identidade bastante caracterizada pela discrição, combinando elementos do universo esportivo com a alfaiataria. A tendência, reflexo também da crise econômica e seus impactos sociais, buscou apresentar o luxo sem a ostentação.
Atendendo às demandas de suas clientes, criou roupas confortáveis, feitas a partir de materiais de excelente qualidade e funcionais. A própria designer adotou uma espécie de uniforme próprio: roupas pretas com um tênis Stan Smith branco. Philo também assumiu uma cadeira no Conselho da LVMH, holding francesa controladora de grandes grifes como Louis Vuitton e Tiffany.
Na sequência à sua saída da Céline, outras marcas acompanharam a tendência, como Bottega Veneta, The Row e Peter Do. Em 2021, depois de um longo período fora das passarelas, Philo anunciou seu retorno com um estúdio proprietário – que contribuiu com o ressurgimento da tendência.
Novos consumidores, novos comportamentos
Além da reentrada de Phoebe Philo no mercado da moda, o quiet luxury também está associado a outras tendências dos consumidores. Segundo levantamento de 2022, a qualidade dos produtos de luxo é a característica prioritária para 52% consumidores da categoria. Ou seja, além de belos, os produtos devem ser duradouros.
Houve também uma mudança na geração que, hoje, consome artigos de luxo. Segundo estudo do Boston Consulting Group (BCG), os Millenials apresentam um maior desejo por gastos guiado pela confiança financeira e pela estabilidade profissional, enquanto os jovens da Geração Z são guiados pelo otimismo em suas aquisições. A estimativa é que, até 2026, esse público represente 75% dos consumidores do mercado de luxo.
Em outro levantamento, a pesquisa “WGSN Insight” aponta que 58,6% dos consumidores da Geração X e dos Baby Boomers não se sentem representados adequadamente no marketing de moda.
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Junto a essas novas gerações que estão ocupando um maior espaço no mercado de consumo, está também uma mudança de valores. Segundos dados do “Young People’s Voices on Climate Anxiety, Government Betrayal and Moral Injury”, apresentados em estudo da consultoria WGSN, 50% dos jovens entre 16 e 25 anos se sentem tristes, ansiosos, impotentes e culpados em relação à crise climática.
Segundo o relatório “Conscious Luxury Trend Report 2023”, lançado pelo e-commerce de alto padrão Farfetch, há uma maior preocupação dos consumidores em adquirir produtos conscientes – elemento que participa do quiet luxury. Em 2022, por exemplo, 27% dos clientes da plataforma compraram pelo menos um produto na aba intitulada “Consciente”, ante 16% dos consumidores no ano anterior. Além disso, as vendas sustentáveis registraram um crescimento 16% mais rápido do que as vendas gerais.
Quiet luxury: um estilo de vida
Apesar das recentes crises sociais e econômicas, responsáveis também pela nova relevância do quiet luxury, o mercado de luxo vem registrando crescimento. Segundo estudo da consultoria Bain & Company, o setor registrou um ano recorde em 2022 com um valor de mercado de € 345 bilhões. No primeiro trimestre de 2023, esse crescimento se manteve entre 9% a 11% em relação ao ano anterior, devido à diminuição gradual da hiperinflação, à confiança dos consumidores da Europa e a reabertura do mercado na China pós-Covid.
O quiet luxury não se reflete apenas na moda. Popularizado pela série Succession, da HBO, o conceito se apresenta como uma série de comportamentos diários, ou um estilo de vida. Está presente também, por exemplo, na decoração de interiores, com móveis elegantes, de design simples e em tons neutros, como branco, preto, cinzas e tons de marrom.
Já em relação aos automóveis, a escolha se dá menos pelos carros esportivos e de cores vibrantes, e mais pela funcionalidade, silêncio e discrição dos mesmos. Mesmo o turismo está adotando novas caras para se adequar ao movimento, com estadias em hotéis discretos, mas elegantes, e que demonstram a riqueza nos detalhes da qualidade dos quartos, do atendimento e dos móveis.
Por mais que outras tendências da moda tenham se refletido em diferentes setores do mercado, o quiet luxury está deixando sua presença ser notada.
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