Sucos vendidos nos supermercados brasileiros podem não conter tanta fruta quanto se pode imaginar. Isso porque o Mapa (Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento) não estabelece uma metodologia oficial para identificar a quantidade de fruta nas bebidas.
O Idec, Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor, realizou um teste feito com 31 amostras de néctares, que revela também que a maioria contém doses exageradas de açúcar, para auxiliar a escolha do consumidor.
Foram testados néctares de sete marcas: Activia, Camp, Dafruta, Dell Vale, Fruthos, Maguary e Sufresh, em diferentes sabores. O objetivo era identificar se os produtos cumprem os principais requisitos de qualidade e de identidade previstos na Instrução Normativa (IN) nº 12/2004 do Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento (Mapa), analisando itens como o teor de fruta e a quantidade de açúcar, por exemplo.
Do total, 10 produtos (32%) foram reprovados por não conter o teor de polpa ou suco de fruta exigido por lei. Segundo a norma atualmente em vigor, o percentual mínimo de fruta varia de 20% a 40%, dependendo do sabor do néctar.
Somente as bebidas da Activia e da Dell Vale foram aprovadas em todos os sabores. Outro dado que chama a atenção é que dos 10 produtos reprovados, oito são de néctares sabor manga ou pêssego, justamente os que, pela legislação, devem conter um teor maior de fruta, de 40%. Segundo a nova norma, os néctares desses sabores deverão passar a ter 40% de polpa ou suco até janeiro de 2015; e de 50% até janeiro de 2016. Hoje, o percentual mínimo exigido de laranja e de uva é de 30%.
Confira as marcas reprovadas:
Bebidas mistas
As bebidas mistas também podem confundir o consumidor, pois muitas vezes a embalagem não é claro que o produto contém várias frutas diferentes. As marcas Dafruta e Maguary são as “campeãs” nessa prática: as duas só informam que o néctar é misto na lateral da caixinha, em letras bem pequenas e em cores que dificultam a leitura. Por isso, ambas foram reprovadas na análise de rotulagem geral.
Sob o ponto de vista do Código de Defesa do Consumidor, essa omissão fere o direito à informação clara sobre as características do produto. Além disso, a prática pode ser vista como propaganda enganosa. Entre as amostras adquiridas para o teste, há bebidas com “cara” de uva – ou seja, que destacam na embalagem um cacho dessa fruta e o termo “uva”, têm cor e gosto que se assemelham ao fruto da videira –, por exemplo, mas que, na verdade, têm como principal ingrediente suco de maçã.
Para mascarar essa salada e chegar ao sabor e cor desejados da fruta mais vendável, essas bebidas mistas costumam usar aditivos, como corantes e flavorizantes, em concentração ainda maior do que as outras.
Não bastasse isso, todos os néctares mistos avaliados têm apelos ao público infantil na embalagem, com o uso de personagens que, claramente, têm a função de atrair os olhares e a atenção das crianças. Não por acaso, eles estão disponíveis em embalagens pequenas, de 250 ml, aparentemente ideal para o lanche dos pequenos. Mas os aditivos químicos adicionados a essas bebidas, como conservantes, por exemplo, podem não ser seguros para as crianças. Isso porque os limites de segurança estabelecidos para o uso desses compostos são calculados em relação a um adulto.
Açúcar, o doce vilão
Ao analisar a lista de ingredientes dos néctares, tenham eles apelo infantil ou não, o consumidor vai descobrir que o açúcar é um dos itens em maior quantidade nessas bebidas. Só assim mesmo para saber, pois, atualmente, a legislação brasileira não obriga que os fabricantes declarem o teor de açúcar na tabela nutricional.
Como não existe um parâmetro nacional para a avaliação do teor desse ingrediente, o Idec utilizou como base o do semáforo nutricional, um esquema de rotulagem criado no Reino Unido que, por meio das cores vermelho, amarelo e verde, informa quais os teores de determinados nutrientes no alimento. No caso de açúcar, a presença de até 5 g/100 g é avaliado como verde (baixo teor); entre 5,1 e 12,4 g/100 é amarelo (médio teor) e 12,5 g/ 100 g é vermelho (alto teor).
O teste identificou a quantidade de “açúcares totais”, o que inclui o açúcar da própria fruta e o adicionado pelo fabricante. O resultado mostra que o sinal está fechado para os néctares. Todas as bebidas avaliadas apresentam concentração média ou alta de açúcar, de acordo com os critérios do semáforo nutricional.
Curiosamente, as únicas marcas que tiveram todos os sabores aprovados em relação à quantidade de fruta, a Activia e a Dell Vale, figuram entre as que têm os néctares mais açucarados. O Dell Vale sabor uva, por exemplo, tem nada menos que 13,31 g desse ingrediente em cada 100 ml, e o Activia sabor uva, quase o mesmo: 13,04 g/100 ml. Ambos seriam classificados como “vermelho” nesse nutriente.
A maior parte das amostras avaliadas (67%) receberia a cor amarela em relação ao açúcar, o que, tal qual no trânsito, significa “atenção” ou, no caso específico, “consuma com moderação”. O néctar que apresentou a menor concentração de açúcar foi o Fruthos de laranja, com 7,11 gramas, ainda assim classificado como amarelo.
O consumo excessivo de bebidas industrializadas açucaradas é um dos fatores responsáveis pelo aumento de casos de obesidade e de outras doenças crônicas não transmissíveis, como diabetes.
Veja quais são os cinco néctares com maior teor de açúcar identificado no teste:
O Idec notificou todos os fabricantes das marcas avaliadas sobre os resultados do teste e também a órgãos públicos de vigilância sanitária (Anvisa e MAPA) e de defesa do consumidor (PROCON SP e Senacon – Secretaria Nacional do Consumidor). Entre as empresas, duas não responderam até o fechamento da edição de fevereiro da Revista do Idec, a fabricante da marca Fruthos (Cia. de bebidas Brasil Kirin) e a da marca Activia (Agropecuária Tuiuti), mas esta foi aprovada no teste. Confira um resumo das respostas das outras empresas:
Sufresh (Wow): informa que realizará novas análises nas bebidas dos sabores reprovados no teor de fruta (manga e pêssego) e se estas confirmarem o problema, fará as adequações necessárias.
Camp (General Brands): diz que vai apurar os problemas identificados no teste a fim de atender as exigências legais.
Del Valle (Leão): agradece a participação no teste, mas destaca que, embora os resultados do teste evidenciem a total conformidade dos produtos da marca à legislação, no caso do néctar de manga, a quantidade de polpa da fruta identificada é menor do que a que é efetivamente utilizada.
Dafruta e Maguary (Ebba): discorda dos resultados do teste. A empresa alega que está de acordo com as exigências do Mapa e que, como não existe um método oficial para a verificação da quantidade de fruta presente nas bebidas, a reprovação não é cabível. Com relação à rotulagem das bebidas mistas, a empresa diz seguir as normas fixadas pela Anvisa e que esta só exige que a denominação do produto esteja presente na parte frontal da caixa, mas não determina o local específico, e que o tamanho da fonte utilizado (2 mm) é maior que o exigido pela legislação (1 mm).
Com relação à rotulagem, o Instituto reafirma que se a informação não é comunicada de maneira clara ao consumidor, o que inclui a sua legibilidade e fácil percepção, esta viola o Código de Defesa do Consumidor (CDC).
Semáforo nutricional: uma solução para as empresas
Os resultados apresentados, no entanto, podem ser um aviso para as empresas alimentícias, de adequar-se ao novo cenário de busca por maior saúde e bem-estar e valorização do consumidor em todos os âmbitos, inclusive com a mensuração dos danos e benefícios. Uma das alternativas é o semáforo nutricional, um recurso visual que traz cores que indicam se um nutriente está em quantidade ideal, quase no limite do recomendado para um dia ou se aparece em excesso. Esta ideia foi criada no Reino Unido, pela Food Standards Agency (FSA), com o objetivo de orientar o consumidor na escolha de produtos mais saudáveis.
Com isso ganham consumidores e ganha a empresa, que melhora sua reputação com o incentivo a uma das práticas mais valorizadas pelo novo consumidor: a transparência.
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