O STF julgou, este mês, um caso para decidir se há possibilidade de uma pessoa ter dois pais registrados, o biológico e o socioafetivo, sem hierarquia entre eles. Os ministros afirmam que o pai genético tem a obrigação de fornecer ao filho o sobrenome, pensão alimentícia e herança, independentemente que outro homem tenha registrado a criança e mantenha uma relação de paternidade com ela.
O caso discutido pelo STF não tratava de concomitância de duas paternidades na mesma certidão de nascimento, também chamada multiparentalidade, porém foi dada a seguinte decisão de repercussão geral: A paternidade socioafetiva, declarada ou não em registro público, não impede o reconhecimento do vínculo de filiação concomitante baseado na origem biológica, com os efeitos jurídicos próprios.
Segundo a especialista em direito de família e sucessões Regina Beatriz Tavares da Silva, o registro realizado por quem não é pai é um ato ilícito, inclusive tipificado como crime. “Essa prática ganhou o nome de ‘adoção à brasileira’, denominação com o qual não concordo porque os brasileiros não podem ser ligados dessa forma a prática de atos ilícitos. Além disso, na verdade, essa prática não é uma adoção, porque a adoção precisa ser realizada perante um Juiz, num processo judicial. Apesar de ser uma irregularidade, como não há má intenção do homem ao registrar aquele filho como se fosse seu, o reconhecimento dessa espécie de paternidade, chamada de socioafetiva, passou a ser possível”, explica a advogada.
A presidente do STF, Cármen Lúcia, ressaltou no julgamento que o pai biológico não tem a obrigação de amar o filho, mas tem a obrigação constitucional de cuidar dele. Realmente, como explica Regina Beatriz, amor é um sentimento que não poder ser exigido, mas cuidar ou prestar assistência material e moral é um dever jurídico plenamente exigível. “Para o reconhecimento da filiação socioafetiva são necessários determinados requisitos. Um deles é que o homem tenha sido enganado ao registrar o filho como seu, devendo ter a plena consciência de que está registrando uma criança que não é biologicamente sua”, diz Regina Beatriz.
Na opinião da especialista, o STF deveria ter reconhecido que no caso em exame o pai biológico deveria constar do registro de nascimento da filha, com todos os efeitos legais, como o dever de prestar-lhe pensão alimentícia, assim como com a garantia do futuro direito à herança dessa filha. A paternidade socioafetiva permaneceria no plano dos fatos, sendo que o homem que criou a filha como sua, continuaria espontaneamente a cuidar dela, além de poder realizar testamento para beneficiá-la com herança. Regina Beatriz afirma que a filiação socioafetiva também pode ocorrer com o chamado ‘filho de criação’, em que não existe propriamente o registro, mas a pessoa é criada com laços afetivos e sociais de paternidade.
Não há dúvidas de que o laço de sangue entre genitor e filho nem sempre corresponde ao laço afetivo e social, pois a condição paterna ultrapassa a mera geração biológica. Regina Beatriz, que também é presidente da ADFAS (Associação de Direito de Família e das Sucessões), salienta que no confronto entre a paternidade biológica e a afetiva deverá prevalecer aquela que melhor acolha o princípio da dignidade da pessoa humana, bem como o interesse primordial da criança e adolescente. Há variantes de cada caso e não poderíamos colocar amarras prévias na prevalência de uma ou outra filiação.