O fim do “juridiquês” nos contratos está próximo
- Por Danielle Ruas
- 7 min leitura
Apesar do aumento no acesso às universidades nas últimas décadas no Brasil, a quantidade de adultos com ensino superior é baixa. Em 2022, o percentual desse público era de 19,2%, segundo o IBGE. O número é menor do que a média dos países da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) – de 44%. Nos Estados Unidos, por exemplo, o índice de pessoas nessa faixa etária com diploma universitário chega a 49%.
Para piorar, ter uma graduação não é sinônimo de saber interpretar textos. Os dados do último Programa Internacional de Avaliação de Estudantes (Pisa), de dezembro de 2023, são prova disso. No que diz respeito à leitura, a maioria das pessoas não consegue identificar as ideias principais de textos de moderadas dificuldades e interpretá-los. Hoje, somente 2% dos estudantes conseguem atingir alto nível de interpretação de informações.
Nas relações consumeristas, essa adversidade tem reflexo direto nos contratos. Sejam eles de compra, sejam de venda de bens e produtos, de admissão de serviços, do seguro do carro ou do plano de saúde – não importa: a linguagem de todos é difícil. Ademais, muitas cláusulas, sejam elas subjetivas, sejam bem definidas, podem ser consideradas abusivas ou desvantajosas para uma das partes. Há, ainda, as “letras miúdas” e pegadinhas criptografadas, que tornam o entendimento ainda mais intrincado. Isso gera receio para o consumidor.
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Os contratos amigáveis trazem melhorias como a agilidade na análise das cláusulas por toda a cadeia envolvida na contratualização
Fabiano Catran, diretor-executivo Institucional e de Cliente da Seguros Unimed
Porém, o pior é que muitos desses consumidores, com medo ou vergonha diante dos artigos complexos, simplesmente assinam sem ter a mínima noção do que está exposto. Tratando-se de contratos firmados na internet, a situação é ainda mais grave, uma vez que, em ambiente web, nem há a necessidade de assinar: basta tocar em uma tela, assinalar concordo e, pronto, o acordo está estabelecido.
Quem não lembra do famoso caso do digital influencer Iran Ferreira, o “Luva de Pedreiro”, e os transtornos que vieram a público devido a um contrato “abusivo” que ele assinou com o seu ex-empresário? O Luva de Pedreiro chocou a imprensa e os seus seguidores ao revelar que “assinou o contrato sem ler”. O motivo? Vindo de uma família humilde do interior da Bahia, o influenciador afirmou ter dificuldade para ler e escrever.
Por isso, na tentativa de reverter problemas como os enfrentados pelo Luva de Pedreiro e por tantos outros brasileiros é que já existem no mercado soluções como o Visual Law e o Legal Design, cujo objetivo é transformar a linguagem jurídica em um vocabulário popular em contratos, decisões judiciais, políticas internas, certidões, editais e petições.
O Visual Law e o Legal Design
Juliana Ono, diretora de Conteúdo e Operações Editoriais da Thomson Reuters, explica que o Legal Design é uma abordagem inspirada no design thinking, desenvolvida por Margaret Haga, professora da Stanford Law School e do Stanford Institute of Design. Combinando design, tecnologia e Direito, a técnica objetiva a criação de uma nova geração de serviços jurídicos mais acessíveis e envolventes. “O Legal Design busca transformar, simplificar e tornar o Direito mais acessível às pessoas, com uma abordagem centrada no ser humano (human-centered).”
Já o Visual Law se propõe a construir uma comunicação mais empática e eficiente através do uso de técnicas de design. Nessa abordagem, tudo é pensado para facilitar o entendimento e gerar mais compreensão do público ao combinar elementos visuais e textuais que podem, por exemplo, contextualizar casos ou simplificar contratos, tornando os documentos mais simples, interativos, acessíveis e de fácil compreensão, sobretudo a quem não tem formação jurídica.
“As ferramentas estão revolucionando as relações de consumo porque os profissionais jurídicos podem, por exemplo, desenhar novas formas de prestar os seus serviços ou criar produtos e procedimentos internos. Na prática, elas entregam a informação que o usuário final precisa em um formato mais simples e adequado às suas necessidades. Isso traz mais celeridade e eficiência para contratos, termos e condições, políticas, documentos e até mesmo para processos, com fácil leitura e interpretação (como gráficos ou infográficos, por exemplo), garantindo mais credibilidade e respaldo em suas argumentações jurídicas”, explica.
Em termos gerais, Juliana considera que tanto o Visual Law quanto o Legal Design melhoram a comunicação e a relação entre advogado e cliente, bem como entre marcas e consumidores, agilizando a resolução de casos, aumentando a eficiência interna e aplicando a inovação para atingir um público mais amplo.
A adoção na prática
A Brasilprev Seguros e Previdência, por exemplo, iniciou a aplicação do Legal Design em 2021, em fase de teste. “A ideia deu certo. No ano seguinte, reestruturamos os nossos contratos de corretores. Reorganizamos o documento na totalidade: começamos com as diretrizes de Plain Language (‘Linguagem Simples’) para excluir jargões e substituí-los por palavras conhecidas, reduzimos a quantidade de cláusulas e termos técnicos para garantir que a leitura seja fluida e para que as partes, efetivamente, entendam as suas obrigações”, explica Ana Paula Makhoul Sabbag, superintendente de Governança e Jurídico da empresa braço do Banco do Brasil, dedicada, exclusivamente, a negócios relacionados à previdência privada.
Na Brasilprev, o Visual Law foi aplicado nos contratos como um todo, com o uso de iconografia, tabelas e tipografia nas cláusulas que contêm obrigações regulatórias ou legais, as quais, em caso de descumprimento, trazem riscos às partes. “Além disso, cores foram adotadas, conforme o Manual de Marca da Brasilprev. Repensamos, também, na estrutura do instrumento, deixando as partes editáveis em formato de formulário”, destaca Ana Paula.
O Legal Design busca transformar, simplificar e tornar o Direito mais acessível às pessoas, com uma abordagem centrada no ser humano
Juliana Ono, diretora de Conteúdo e Operações Editoriais da Thomson Reuters
Na Unimed, a transformação digital dos documentos jurídicos teve como objetivo tornar o entendimento das informações jurídicas mais eficiente e amigável, reduzindo o tempo e os esforços necessários. Fabiano Catran, diretor-executivo Institucional e de Cliente da Seguros Unimed, destaca que a inovação é um pilar fundamental no mapa estratégico da empresa, desempenhando um papel crucial na sustentabilidade dos negócios. “Os contratos amigáveis estão alinhados com essa estratégia, trazendo melhorias como a agilidade na análise das cláusulas por toda a cadeia envolvida na contratualização, incluindo fornecedores, gestores, representantes legais e advogados.”
Fabiano elenca como principais benefícios a praticidade e a otimização de tempo: “As técnicas utilizadas facilitam a compreensão de expressões jurídicas por parte de outras áreas e reduzem a necessidade de revisão das cláusulas dos contratos, evitando retrabalho. Além disso, houve uma maior aproximação entre a área Jurídica e os demais departamentos da companhia, resultando em um aprimoramento no processo de formulação dos contratos.”
Na Plano&Plano, a maior percepção da adoção do Visual Law e do Legal Design foi o feedback dos clientes. “No relacionamento com eles, nos concentramos sempre em elevar os padrões de atendimento e encantamento em toda a sua jornada, cuja eficácia é medida pelas notas de NPS, sendo a assinatura do contrato de compra e venda um dos itens avaliados em nossa ferramenta. Atualmente, a companhia está na Zona de Excelência, a classificação máxima da metodologia NPS”, salienta Renée Silveira, diretora de Incorporação da Plano&Plano.
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