ENTRE TUDO O QUE A PANDEMIA impactou tectonicamente – sociedade, modo de vida, economia, (geo)política –, sem dúvida, o varejo tem um antes e um depois.
Em 2015, desenvolvi na Mandalah um framework (“Roda da Vida”) que pretendia mostrar aos shopping centers (e a todo o varejo) que havia muitas dimensões da vida humana que poderiam ser mais bem exploradas, quando se pensasse na proposta de valor e nas ofertas de um shopping.
Historicamente, shoppings sempre se posicionaram como gôndolas gigantes. Basta entrar no site da imensa maioria deles para ver que não possuem “alma própria”. Diferenciam-se pelo tamanho, ambientação, comodidades, mix de lojas mais ou menos recheadas, mas raramente vocalizam para a sociedade um propósito particular, uma relação profunda com o entorno e a comunidade, ou uma visão institucional de mundo que chame a atenção no meio da homogeneidade que faz todos os shoppings serem tão parecidos.
Com o tempo, os shoppings começaram a despertar para novas necessidades. O entretenimento ocupou seu espaço, com cinemas e locais para crianças e adolescentes se divertirem. Alamedas de serviços surgiram. Mais recentemente, tivemos o boom das áreas gastronômicas. Mas, ainda assim, mesmo tendo se transformado nas últimas décadas, os shoppings continuam sendo percebidos essencialmente como espaços para consumir, onde ocasionalmente também se pode resolver algumas coisas, se divertir e comer com a família.
A Roda da Vida, que em 2015 era um tanto provocadora, hoje soa bem mais familiar. Muitos shoppings seguiram incorporando novos elementos no mix, como academias, teatros e spas, ainda que de forma esparsa.
Por que isso se mostra cada vez mais relevante? Porque o trauma da pandemia seguramente mexeu ainda mais em um aspecto de nossas vidas que já vinha sendo intensamente ressignificado: a conveniência. Ficar em casa ensinou que não é preciso ter tanto trabalho e exposição para viver (e resolver) nossas vidas. No futuro, imagina-se que espaços únicos, completos, seguros, higienizados, organizados, que permitam endereçar de uma só vez uma série de necessidades, serão desejáveis.
Aí entram os novos shoppings, que acredito nem devam mais se chamar assim. Aqueles pautados pela Roda da Vida: espaços que atendam às mais diversas demandas humanas, onde o consumo seja uma das consequências naturais dessa interação.
Esses shoppings equilibram melhor em seus mix não apenas lojas de produtos, como também ampliam suas ofertas de serviços, entretenimento, gastronomia, e incorporam de forma mais relevante e estruturada outras esferas: trabalho, educação, saúde, bem-estar, natureza e cultura.
Para além da digitalização, a humanização das relações e o foco no que realmente importa para as pessoas parecem ser inegociáveis para o varejo.