Marketing de guerra para o século XXI: a jogo da conversação
- Por Jacques Meir
- 6 min leitura
Foi no início dos anos 80 do século passado que Al Ries e Jack Trout escreveram a obra Marketing de Guerra e desconstruíram os alicerces do edifício de marketing organizado por Philip Kotler, considerado o “pai” e grande teórico da disciplina. O marketing não era mais uma batalha de produtos, mas uma batalha de percepções. E, como enunciava uma de suas leis fundamentais, “mais vale ser o primeiro na mente do que ser o primeiro em qualidade”.
A ideia central estava fundamentada na habilidade das empresas de, em parceria com boas agências de comunicação, estabelecer um posicionamento categórico, que as identificasse como a resposta exata às expectativas do cliente para um determinado produto. Logo, no entender de Ries e Trout, para ser a número um, a Coca-Cola não precisava ser o “melhor refrigerante”, mas sim ocupar a posição de “refrescância verdadeira” ou de sinônimo de categoria.
Na teoria do marketing de guerra, que foi incorporada na ciência da gestão de marcas (branding), todos os esforços deveriam estar centrados em ocupar um espaço na mente do consumidor para tornar a marca, de um produto ou serviço, um sinônimo de categoria. E, dessa forma, uma marca concorrente deveria se posicionar claramente como “a alternativa” ao dominante. Foi o que fez a Pepsi, diante da Coca-Cola, nos mesmos anos 80; e o SBT, diante da Globo, na mesma época, no mercado brasileiro.
A teoria ganhou espaço porque foi a primeira a realmente colocar a percepção do cliente como um objetivo e uma meta absolutos das estratégias de negócio. Até então, imaginava-se que um produto vencedor era aquele que exibia superioridade incontestável de função e tecnologia, não aquele que exprimia uma emoção ou identidade de valores para o consumidor. Claro, houve muita polêmica por pelo menos três décadas, sempre baseada na ideia de que o consumidor poderia exercer alguma racionalidade em suas decisões, avaliando o custo-benefício e outros atributos. Mas a realidade se impôs. As marcas que dominavam “a mente do cliente” eram invariáveis líderes de mercado ou, então, eram consideradas “aspiracionais de valor”, normalmente nos segmentos de luxo.
A digitalização e o poder de comunicação nas mãos dos consumidores, com seus smartphones, mudaram rapidamente essa lógica. Já no fim da primeira década deste século e, particularmente, nos anos 2010-2020, a ideia de que marcas “category kiillers” seriam dominantes foi subvertida em série. Dominantes viraram incumbentes, e a publicidade tradicional foi perdendo relevância. É claro que comerciais de 30” no horário nobre da Globo ou no Super Bowl continuavam impactando muita gente, mas somente se a mensagem tivesse desdobramentos nas redes sociais. “Viralizar” mensagens tornou-se uma obsessão entre os profissionais de marketing do mundo todo.
Mas a mudança fundamental foi a perda do controle e da concepção da mensagem pelas empresas e suas agências. Simplesmente, o consumidor ganhou protagonismo e não só começou a elaborar a própria visão das marcas como ganhou audiência e escala, influenciando as decisões de milhões de pessoas. Surgiram os influenciadores e, com eles, o marketing de recomendação, que conferia mais credibilidade por trazer mensagens emitidas por “gente como a gente”. A essa mudança de eixo da relevância – da empresa para o influenciador, do marketing orientado à percepção para o marketing orientado à conversão (cliques, fãs, engajamento) – somaram-se também a habilidade de manter conversas com os consumidores, via redes sociais, e a criação de experiências memoráveis, que trouxessem gratificação ao cliente. De transacional, o marketing teve de se ocupar do relacional e viu os executivos responsáveis pelo diálogo com o cliente ganharem força e espaço.
Agora, após a pandemia, a ascensão da Web3, o início da exploração do espaço digital como ambiente viável para vivermos experiências diversas e a habilidade de manter conversas são imperativos para empresas com grandes bases de clientes. Estamos assistindo ao nascer de um novo modelo de marketing de guerra baseado na combinação entre Customer Experience, Analytics, Omnicanalidade e disposição para o diálogo na hora e no momento em que o consumidor desejar. Os aplicativos de mensagem tomaram o lugar do telefone como meio de contato preferencial entre pessoas e também entre empresas e clientes. Logo, a batalha que já foi de percepção agora é de conversação. Pouco a pouco, estamos multiplicando nosso relacionamento com as marcas, dialogando no chat, dialogando no WhatsApp, reclamando no Instagram, teorizando no LinkedIn, entretendo no TikTok, falando com IAs ao telefone… logo, melhor do que ser o primeiro em qualidade, ou ser o primeiro na mente, vale mais ser o rei do papo (sem espaço para conversa mole, obviamente).
A Era Digital estimulou vários comportamentos distintos: a compra on-line, o social commerce, o live commerce, a operação phygital, mesclando o “human touch” e o “look and feel” do presencial à conveniência e à velocidade digital. O consumidor agora inicia a conversa com a empresa, cria conversas com seguidores e pressiona por respostas ágeis e instantâneas. Ele não se deixa impactar por mudanças tênues de rótulos ou embalagens: quer ação e transparência, resolutividade e consciência.
Muitos já automatizaram processos de compra em marketplaces sem pensar na campanha publicitária. Cada vez mais, o consumo se torna refém de algoritmos de busca e escolha, para os quais terceirizamos decisões simples.
Essas são as armas da nova versão do marketing de guerra: experiência do cliente gratificante e que queira ser repetida; jornada do cliente fluida e sem atritos; disponibilidade omnicanal 24 horas por dia, sete dias por semana; e habilidade para conversar no momento em que o cliente quiser, com empatia e autonomia para evitar litígios.
Nesse sentido, as portentosas campanhas publicitárias em veiculação agora, nesse momento de Copa do Mundo, mostram-se também fonte de conversas e comentários, posicionando as marcas patrocinadoras como parte das conversas sobre futebol e não como produtos imbatíveis.
Mais vale a habilidade de se fazer respeitar pelo cliente (veja matéria sobre as Empresas que mais Respeitam o Consumidor nesta edição), cumprindo acordos e entregando o que é prometido, com vontade genuína de conversar sobre os assuntos mais distintos, e até polêmicos, do que ser lembrado pelo comercial divertido por alguns dias.
No novo Marketing de Guerra, a arena é o canal de relacionamento, que cria na mente a noção de empresa acessível, aberta à troca de ideias e boa de papo.
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