Se existem palavras presentes em todas as rodas de debates de executivos, mas que ainda causam estranheza em muitos deles, pode apostar que “propósito” é uma delas. Em painel concorrido no primeiro dia de Conarec 2015, quatro empreendedores mostraram que toda essa história de “negócios com significado” pode ser bem mais tangível que o conceito. “Existem dois movimentos no mundo dos negócios hoje: estamos passando de um modelo horizontal para um modelo vertical; e que estamos deixando de ver empresas como máquinas para vê-las como organismos vivos”, disse Alexandre Teixeira, Chief Happiness Officer da Felicidade, mediador do debate.
E poucas coisas são tão vivas e fluidas como uma banda de jazz. Nela, há um líder, que pouco aparece como tal. Todos tocam, todos fazem seus solos e juntos criam uma grande mágica no palco, com poucas regras, muita autonomia e inovação. Foi essa visão que fez Cristina Almeida, pianista e bailarina profissional, então alta executiva da Y&R, encontrar um caminho diferente daquele que estava diante dela: as 17 viagens por mês, as noites de sono dentro de aviões, o mercado masculino altamente competitivo. “Era um sofrimento dantesco, um mercado competitivo, masculino. Comecei a perceber que estava no topo de uma pirâmide sozinha, isolada, que havia algo de desumano acontecendo com a minha vida. E comecei a sentir que a coisa mais importante da vida tinha sumido: o significado”, contou diante de uma plateia atenta.
O anúncio da abertura de capital da agência que presidia lhe deu um estalo, era preciso sair e criar algo novo. “Comecei a pensar que a pirâmide sufocante poderia ser uma banda de jazz”, contou. E assim nasceu a agência de comunicação Full Jazz, com o claro propósito de fazer comunicação da mesma forma como uma banda de jazz se apresenta: com irreverência, inovação e serviço prestado para aqueles que jogam o mesmo jogo que a empreendedora: nada de empresas cujos produtos geram danos à saúde, políticos corruptos, coisas assim.
Para inovar, diz, é preciso entender o cenário em que se atua. Só assim é possível ultrapassar as barreiras desse cenário. E essa análise começa de dentro. “Aprendemos que, se quisermos trabalhar com consciência, precisamos olhar para a cadeia produtiva do nosso trabalho”, conta.
Olhando para o próprio trabalho, a publicitária Myrtes Mattos, percebeu que a dinâmica do mercado em que atuava a incomodava. “A gente não se preocupava com as próximas gerações, mas com o lucro, o briefing era sempre para vender mais”, contou. “Incomodava saber que as marcas poderiam realmente mudar o dia a dia do consumidor, mas não o faziam”, disse.
Com isso na cabeça, procurou saber se era possível iniciar um novo braço de negócio dentro da agência onde trabalhava. Com a recusa, decidiu abrir a Satrápia, agência de benfeitorias, há dois anos. A ideia é aliar uma ação de uma marca a um impacto no espaço e comunidade onde essa marca atua. Em dois anos, a empreendedora realizou 30 ações, incluindo o bem-sucedido ninho de livros, nas cidades do Rio de Janeiro e Ceará. “No decorrer desses dois anos, percebemos que poderíamos fazer publicidade e transformar a vida das pessoas de alguma forma”, disse.”É possível mudar realidades com a união do poder público, sociedade civil e iniciativa privada – precisamos desses três fatores para causar pequenos impactos na vida das pessoas”, afirmou.
Impacto na vida das pessoas foi o que motivou Eduardo Migliano. Ainda na faculdade, percebeu uma decepção e frustração generalizada entre os amigos em relação às carreiras e não se conformava com essa realidade. Esse inconformismo nasceu observando o pai, juiz que lutou por muitos anos contra o narcotráfico. “Meu pai escolheu fazer algo que tem a ver com uma causa para ele e para o mundo e quando isso acontece é quando você realmente se conecta”, disse. Ele juntou a história do pai com a frustração da sua geração e criou a 99Jobs, empresa que conecta empresas e pessoas pelo propósito, e que só vingou na terceira tentativa. “O Job Discription é uma das maiores mentiras que existem”, disse.
Para ele não existem vagas de trabalho, mas oportunidades que vão além do que as empresas colocam no papel. “Você precisa de mais informação para tomar uma decisão. Conectamos por valores, por causas. Estamos vivendo um momento propício para as coisas acontecerem. As pessoas não inovam porque muitas vezes têm medo e porque não fazem aquilo que amam”, disse.
Com uma lógica mais matemática-biológica, Roberto Martini desenvolveu o que chama de plataforma de disrupção criativa, para conseguir entregar valor e propósito em cada projeto em que atua. “Nosso foco é fazer com que as empresas diminuam. Ao fragmentarmos, conseguimos compartilhar valor para mais pessoas. E isso gera um crescimento exponencial”, disse ele, que fundou para tanto a FlagCX.
A lógica é simples, disse ele: estruturas muito verticais dificultam o compartilhamento de valor. E ele tomou de empréstimo da biologia a ideia desse sistema. “Assim como as células crescem, no momento em elas têm mais vida, é a hora em que ela se fragmenta e gera mais células”, relacionou. Na prática, ele ajuda os empreendedores a impulsionar seus negócios observando aquilo que é mais importante. “Criamos uma estrutura que tira dos empreendedores aquela energia nociva – que é fazer tudo aquilo que não é o motivo para ele ter acordado, mas que toma 90% da energia que ele gasta e 50% do tempo dele”, disse.
Esses quatro empreendedores mostraram que é possível tirar das experiências e histórias pessoais elementos para criar negócios inovadores. E que inovação não requer, necessariamente, altos investimentos. Mas um olhar mais apurado sobre o mundo e realidades a sua volta.