O
Money20/20 encerrou-se na última quarta-feira, 28/10, projetando uma grande mudança na maneira pela qual consumidores usam dinheiro e meios de pagamento. Mudanças sensíveis que incorporam dispositivos, tecnologias e uma nova experiência na qual, filas, senhas e espera por registro de autenticações ficarão num passado remoto.
O futuro acena com modelos “toque e pague”, via NFC, onde dispositivos móveis e wearables podem substituir os cartões de crédito e débito, acessar e gerenciar diferentes contas bancárias, selecionar as melhores formas de pagamento, o que inclui milhas e cupons. Além disso, a segurança conta com sofisticadas camadas de encriptação.
Nessa nova era, o varejista poderá dispensar áreas de caixa nas lojas e dedicar-se a aproveitar o espaço para gerar mais e melhores experiências aos clientes. Bem como espalhar dispositivos que coletem dados, reconheçam o cliente e possam gerar uma massa de informações capaz de ser analisada e interpretada no sentido de prover maior eficiência operacional e assertividade ao que é ofertado.
Ainda assim, esse futuro solar traz junto algumas questões para reflexão mais acurada:
1) Se os processos de pagamento são mais fluidos e quase desaparecem da vista do consumidor (veja o artigo “
A mágica do design: o pagamento desapareceu“), será necessário proceder a uma mudança cultural significativa.
Imaginem consumidores mais desinformados, particularmente em países emergentes, podendo ir às compras alegremente simplesmente aproximando ou notificando o que querem levar nos sistemas de coleta das lojas mais variadas. A conta, o total, desaparecem da vista. “Pode comprar, já está pago” pode ser um poderoso estímulo mental.
Claro que o cliente recebe notificações de todas as compras em tempo real. Mas nossa mente foi educada há décadas, séculos, a dispor de recursos para pagar compras variadas em um determinado momento e isso já começou a mudar.
Não se trata de pedir tutela de governos para proteger consumidores da “sanha consumista”. Mas, sim, de estabelecer novos padrões de relações de consumo a partir das escolas, para que as novas gerações saibam como administrar seus impulsos e entendam que o caminho para a compulsão ficou mais curto;
2) O cerne dos novos meios de pagamento é proporcionar melhor conhecimento aos clientes. Dados serão coletados em quantidades inimagináveis mesmo para os dias de hoje. Os investimentos em Inteligência Artificial são expressivos, justamente para inibir a proliferação de armadilhas de furto e fraude de dados. Um dos últimos painéis do Money 20/20 reuniu cientistas e lideranças de empresas como Microsoft, Bank of America e Fico justamente para mostrar como elas lidam com a segurança dos dados.
As pesquisas estão centradas em reconhecer e diferenciar comportamentos positivos daqueles maliciosos ou mal-intencionados. Não será surpresa se num futuro próximo sua conta for bloqueada porque você adotou um comportamento classificado como “suspeito” em sua rotina de consumo.
Ainda assim, o Big Data afetará sobremaneira o modo pelo qual lidamos com a privacidade. O fato é que nossos dados têm valor e quando quisermos nos libertar das formas de pagamento convencional em busca de maior liberdade e lógica no cotidiano, deveremos estar cientes que o custo será permitir que nossos comportamentos sejam devidamente mapeados.
A contrapartida é que dados de consumidores com alta renda provavelmente terão mais valor. A permissão de uso desses dados poderá ser transacionada, revertendo em nova fonte de receita para esse grupo privilegiado. Um desdobramento natural é que grupos de consumidores menos abastados poderão se organizar e também comercializar a permissão para uso de dados ? mais ou menos como os artistas fazem hoje em para obter direitos autorais.
Essas novas questões sinalizam efetivamente um novo paradigma cultural, social e econômico. O Money 20/20, ainda que apresentasse um conteúdo irregular, trouxe essas reflexões para a ordem do dia. O fato é que estamos no limiar de uma nova etapa de nossa relação com o dinheiro, as relações de consumo e com nossas próprias personalidades.
***
Jacques Meir é Diretor de Conhecimento e Plataformas de Conteúdo do Grupo Padrão.