Viver em um país onde os preços da maioria dos produtos do supermercado são alterados duas ou até três vezes por dia e em que o salário dos trabalhadores pode perder metade do poder de compra em apenas um mês não é tarefa simples. No entanto, estas situações precisaram ser enfrentadas no Brasil até 1º de julho de 1994, data em que o Plano Real foi implantado. Hoje, ele completa 22 anos e é considerado o plano econômico mais longevo do país.
Implantado em 1994 no governo de Itamar Franco, o principal objetivo do Plano Real era a redução e o controle da inflação. A inflação é algo inerente a qualquer economia. Caracteriza-se pelo aumento continuado e generalizado dos preços de bens e serviços. Como resultado, observa-se uma diminuição do poder de aquisição de uma moeda. Se considerarmos o intervalo de tempo entre 1º de julho de 1994, data em que o Plano Real foi implantado, e 31 de maio de 2016, a inflação acumulada pelo IPCA – índice de preços ao consumidor amplo, apurado pelo IBGE e utilizado como referência no regime de metas de inflação, foi de 445,4%.
De modo prático, essa inflação acumulada significa que R$ 100,00 de 1º de julho de 1994 valem, hoje, R$ 18,34, ou seja, uma redução de quase 82% no poder de compra do brasileiro. Ainda que o número seja expressivo, é importante notar que o acumulado em 22 anos de Plano Real é significativamente menor do que os valores de períodos anteriores. Como exemplo, cito a inflação de janeiro a junho de 1994 que alcançou 815,9%. Isso significa que ao longo de 22 anos a inflação acumulada foi pouco mais do que a metade daquela nos seis meses anteriores à implantação da moeda.
Antes disso, ainda, o Brasil vivia um cenário econômico de hiperinflação, que chegou a 2.477,15% ao ano, em 1993, de acordo com o IPCA (Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo). No ápice da hiperinflação, os preços de muitos produtos eram reajustados diariamente, prejudicando a população. Com o novo plano econômico, esse cenário mudou consideravelmente e a hiperinflação passou a ser controlada. E é por isso que, para alguns, o Plano Real foi o maior programa social já conduzido no país. Por não ter acesso a aplicações financeiras sofisticadas, as famílias de baixa renda eram as mais prejudicadas pela inflação que corroía, diariamente, seu patrimônio.
O sucesso do Plano Real deveu-se, basicamente, a dois importantes aspectos. O primeiro, a introdução da URV – Unidade Real de Valor, em 1º de março de 1994. A URV era uma moeda escritural, ou seja, não existia fisicamente. A ideia era refletir a variação do poder aquisitivo da moeda, servindo como unidade de referência desses valores. No dia 1º de março de 1994, uma URV valia CR$ 647,50 (cruzeiros). Já no dia 30 de junho de 1994, estava valendo CR$ 2.750,00.
Por trás da implantação da URV estava uma estratégia sofisticada de estabilização monetária, uma vez que vinculava o preço de bens e serviços a um valor “estável” em URV, que não se alterou ao longo do tempo de sua vigência. Assim, no dia 1º de julho de 1994, uma URV passou a valer R$ 1,00. Como principal benefício desse período, está a mitigação da memória inflacionária, pois, durante quatro meses, os brasileiros acostumaram-se com preços que não se modificavam diariamente, ainda que a inflação continuasse ocorrendo.
O segundo aspecto que merece destaque para o sucesso desse plano foi a efetiva troca de moeda. Nas tentativas anteriores de estabilização monetária, as notas recebiam, inicialmente, carimbos indicando seu novo valor. Esse procedimento permitia que houvesse tempo suficiente para que a Casa da Moeda produzisse as novas notas que seriam, paulatinamente, introduzidas no mercado. No caso do Plano Real, nos quatro meses em que vigorou a URV, houve tempo suficiente para que fossem produzidas as notas de Real e sua introdução no mercado ocorreu de maneira muito mais célere.
Andriei Beber é Professor Doutor da Fundação Getúlio Vargas