Austin, Texas, EUA – O presidente dos EUA, Barack Obama, participou de um Q&A com Evan Smith, editor-chefe do jornal Texas Tribune, no SXSW 2016. Carismático como sempre, Obama falou sobre o engajamento no século XXI. Ele destacou o poder das novas tecnologias e como elas permitem que mais e mais pessoas possam atuar em rede impulsionar melhorias nas empresas e no governo.
O presidente americano tem total domínio de cena. Alterna pausas com pensamentos claros, assume erros, mostra-se autêntico. Foi muito interessante ver como Obama enxerga as novas tecnologias. Para ele, inovações são formas de aproximar o governo e a administração pública das pessoas. Há espírito público genuíno em sua fala.
“Parte do meu trabalho é institucionalizar essa melhoria do serviço, trazer novos talentos e novas ideias para resolver problemas. A oportunidade está aqui, em eventos como o SXSW. Estamos aqui porque queremos que o público se engaje, queremos que pessoas talentosas modelem o governo para trabalhar melhor”, explica.
Obama demonstrou entusiasmo com o que a tecnologia pode proporcionar em termos de participação popular e busca por soluções. “Pessoas criativas estão reunidas aqui para discutir como podemos trabalhar melhor e fazer o mundo melhor. Nós (do governo) precisamos estar capacitados a nos inserirmos nesse trabalho, fazer parte dele. Queremos colocar todos na mesma sala para encontrar soluções inteligentes.
Falando de governo para quem não quer saber de governo
Ao contrário do que vemos em nosso maltratado Brasil, Obama demonstra bom humor ao comentar as falhas do governo. Sua presença em Austin, no estado do Texas, terra francamente refratária a atuação ostensiva de qualquer governo, ainda mais no Texas, foi motivo de vários comentários ácidos de Evan Smith. Mas Obama foi não só diplomático, como encarou a realidade: “sei bem que no Texas não se pode falar em governo melhor. O povo aqui quer distância do governo. Mas ainda assim, precisamos ser melhores para vocês”. Ele sabe que não é fácil um governo ser relevante no Texas, mas acredita que nem por isso deve se acomodar com a ruindade do serviço público. Não houve meias-palavras em seu discurso, apenas espírito público. Nada da máquina de marketing que edulcora a realidade para eleitores desavisados no Brasil.
Ao comentar sobre as mudanças no sistema financeiro, sobre como foi estabilizar o sistema todo e a confiança que isso traz para a economia, concluiu que “está mais estável do que jamais esteve”.
E como pensar em efetivo engajamento civil, se as pessoas e a sociedade não destinarem atenção para isso? O governo não tem poder para isso. Essa visão de Obama é um choque para nós, habituados a enfrentar governos onipresentes. O presidente americano manifestou seu inconformismo: “somos a maior democracia do mundo a tornar sistematicamente mais difícil que as pessoas possam votar. É muito mais fácil pedir uma pizza que votar nos EUA. E como engajar cidadãos numa situação dessas?”
Evan Smith questiona o presidente: “falar em engajamento com dificuldades básicas como acesso ao Wi-Fi e a internet é difícil. Como buscar engajamento com tantos problemas de conexão? Como pensar em buscar essa conectividade com as pessoas sem que elas estejam todas conectados primeiro?
Obama responde de modo pratico: “Este é realmente um problema”. A sinceridade desconcertante leva o público ao delírio.
O desafio é maior: parte do desafio de dar poder às pessoas no cyber-espaço é dar condições ao setor privado de fazer isso. Não é apenas conceder Wi-Fi, mas treinar e capacitar professores, fornecer e-books, dar acesso à biblioteca eletrônica.
Evan fustiga: “70% das crianças carentes ainda não tem acesso à internet de qualidade em casa. Qual a vantagem de termos 99% das escolas e salas de aula com internet rápida e muitas residências com internet deficiente”? Obama coloca esta questão em uma perspectiva mais abrangente: “este é um problema solúvel. Mas não da maneira que achamos. É preciso quebrar o mindset. O governo trabalha melhor em determinadas áreas e precisa melhorar em outras. O setor privado não percebe que precisa agir junto às comunidades carentes. A parte feia do problema fica sempre com o governo. Não vou conseguir 100% de satisfação em todas as coisas, seja o seu latte ou sua passagem para Cancun. Mas governo, ONGs e empresas podem atuar juntos para resolver problemas. Não há problema que não possamos resolver juntos”.
Privacidade X segurança
Obama não se furtou a comentar a delicada questão que envolve a disputa entre a Apple e o FBI: “a questão da criptografia inviolável me preocupa. Claro que é invasão de privacidade. Eu digo que o governo não quer quebrar a privacidade, mas sim evitar que terroristas consigam se conectar para cometer atentados. Como combater a pornografia infantil e o terrorismo tendo pela frente um sistema inviolável?”
Ao fim, Obama conclama os talentos e as pessoas de bem a trabalharem juntas. “Se os talentos e as mentes poderosas trabalharem juntas, as perspectivas para o país (e o mundo) são muito otimistas”, conclui.