Os dedos formigam, a temperatura apesar do sol estava por volta de -6°. Dentro do carro, silêncio absoluto, apenas o barulho do velho motor do Fusca se fazia presente. A nossa volta, curvas, nuvens e uma subida interminável. O tamanho do desafio? Aproximadamente 400m a mais do que a metade da altura do Everest, a 4.725m do nível do mar. Seu nome: Cordilheira dos Andes.
Tudo começou na madrugada de sexta (13) para sábado (14). Havíamos saído de Assis Brasil, que fica a aproximadamente 230m do nível do mar, aproximadamente 20 vezes mais baixa que nosso destino final… Já havíamos recebido as orientações dos peruanos sobre os cuidados a serem tomados antes e durante a subida.
Folha de Coca para mascar e fazer Chá, remédio para Soroche (mal da atitude) para tomar de 8h em 8h horas e dividir a viagem em etapas para o corpo acostumar com a falta do ar.
Fizemos a primeira parada em Mazuco, bem próximo ao início da grande subida que nos tomaria aproximadamente 8 horas para ser concluída de Fusca.
O dia não tinha nem clareado, mas já estávamos dentro do Fusca. O fuso com diferença de 2 horas facilitava, já que acordamos relativamente cedo quando comparado ao horário local.
As primeiras horas foram divertidas, as curvas eram motivos de sorrisos e de muitas fotografias. Ainda era possível ver algumas lhamas e casas antigas, construções dos andinos que ainda habitam a região vivendo de forma extremamente simples. Porém quanto mais subíamos mais deserta e fria a região ia ficando.Telefones de emergência ao longo da rodovia não existiam. Iluminação ? Aquelas estradas nunca devem ter visto um poste de luz.
Trafegar à noite era um risco que não queríamos correr. Ou seja, acertamos na decisão de sair cedo, pois nossa chegada em Urcos, próximo vilarejo habitável para nos hospedarmos, aconteceu no começo da noite.
A falta de ar não atingiu a todos nós, até ao Fusca. Após algumas horas subindo, ele começou a falhar, pois faltava ar para o motor (comburente). Após os 3.500m de altitude faltava voz para falarmos, automaticamente passamos a economizar gestos, movimentos e até respiradas.
A sensação não foi das melhores, o coração parecia disparar, porém sem muito efeito. A cabeça começou a doer e a sensação de formigamento dos dedos passou a nos preocupar. Mesmo tomando chá, Soruche e fazendo a pausa, foram inevitáveis essas sensações e elas seguiram. Por um instante, achei que em algum momento meu coração iria explodir.
Havia uma bexiga dentro do carro que começou a inchar tanto pela pressão que explodiu antes de chegarmos aos 4.000m de altitude. A subida parecia nunca acabar. Não sentíamos fome nem sede, provavelmente efeito colateral do chá de coca.
Foi quando avistamos a placa Pirhuayani, 500m… Sabíamos que aqueles poucos metros que faltavam não era para chegar ao topo da Cordilheira dos Andes, mas sim para chegar na barreira que fazia fronteira com nossos próprios limites. Era nossa linha de chegada, 500m para separar os homens que iniciaram a subida para os homens que fariam a descida… 500 metros que passaram lentamente, com o incômodo da sensação de coração acelerado e corpo lento. Era uma agonia que não revelávamos um para o outro, mas que sabíamos ser sentida por ambos e também que queríamos que passasse o mais rápido possível.
E após algumas curvas, avistamos a placa que demarcava o limite terrestre e confirmava a altitude: 4725 metros do nível do mar.
Rapidamente paramos próximo à placa para fazer uma foto. Isto foi um erro, o mesmo chão imóvel, ao sairmos do carro, se tornou flexível como uma gelatina. Os efeitos da altitude se tornavam mais intensos, foram necessários alguns minutos forçados de pausa, que agora percebo ter sido a única forma que nos faria parar e contemplar a criação divina que estava a nossa frente.
Talvez essa seja a força de Deus mostrar sua soberania, não era dinheiro que nos traria o ar de volta. Ali, dinheiro era papel, não valia de nada. Não havia ninguém por perto, mesmo em uma época quente para os Andes. O gelo estava por lá e éramos apenas nós, o Fusca e ele. A criação e a soberania divinas se faziam presentes em um mesmo lugar.
Após esse momento de contemplação (e importante descanso), já estávamos melhores e passamos a temer pela noite, pois as curvas, além de muitas, estavam à beira da montanha. Não existia túnel, ou seja, quase todo o percurso era feito às voltas das montanhas e o menor erro poderia fazer com que o fusca caísse de alguns mil metros de altura. Obviamente, era uma coisa que não queríamos… rs
Fizemos boas fotos, nos abraços e rimos. A difícil decida durou algumas horas, mas as imagens contempladas no topo preenchiam nossa mente o tempo todo. Como, aliás, ainda fazem – e farão para o resto de nossas vidas.