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O dano moral, a lagartixa e o direito do consumidor

O dano moral, a lagartixa e o direito do consumidor

Como o consumidor e as empresas ficam com as disparidades presentes no Judiciário em relação a condenações por danos morais por acidentes de consumo ou isenção de serviço prestado? Nem só de indenização se faz o direito de quem compra e se sente lesado

Recentemente, o Superior Tribunal de Justiça confirmou a condenação da Coca-Cola a indenizar uma consumidora que encontrou pedaços de uma lagartixa em uma garrafa de refrigerante. A consumidora não chegou a consumir o produto, o que não isentou a empresa da responsabilidade pelos danos (morais) causados. A empresa foi condenada a pagar indenização à consumidora, no valor de 20 salários mínimos, cerca de R$ 14 mil hoje.

E empresa, em seu recurso, alegou que a consumidora sequer havia consumido o produto e que, portanto, não sofreu dano algum. Entretanto, o Tribunal manteve a condenação, sob o entendimento (correto) de que o Código de Defesa do Consumidor protege a saúde e a segurança do consumidor, tutelando o dano em sua potencialidade, também.

Até aí, tudo correto. Para mim, a condenação deveria até ser maior, mas só o fato de haver a condenação já é satisfatório. Entretanto, não pude deixar de comparar o caso com outros que chegam a mim e a outros colegas todos os dias. Um deles, de um rapaz que teve o atendimento recusado por um plano de saúde, sob a alegação de ser portador de doença preexistente.

Na ocasião, o rapaz havia contratado plano de saúde e, ao começar a utilizar o plano, por meio dos exames que foram pedidos a ele por um médico, descobriu-se portador do vírus HIV. Alguns meses após, necessitou de atendimento de urgência em um hospital. O rapaz precisava, inclusive, de transfusão de sangue de urgência e necessitava de internação imediata. O plano de saúde, sob a alegação de doença preexistente, negou o atendimento. Um amigo do rapaz, que o acompanhava, se viu obrigado a assinar um contrato de prestação de serviços com o hospital, pois, caso não o fizesse, o rapaz não receberia atendimento e poderia morrer.

Em sentença, o juiz condenou o plano de saúde e o hospital ao pagamento de indenização por danos morais ao rapaz e ao seu amigo, nos valores de R$ 13 mil e R$ 7 mil respectivamente, pois plano de saúde não comprovou que o rapaz sabia ser portador da doença no momento da contratação do plano.

Em recurso, entretanto, a condenação do amigo do rapaz, que passou por diversos constrangimentos e sofreu imensa pressão psicológica, além de ver o sofrimento do amigo e ter sofrido com ele diante da perspectiva de falta de atendimento, foi excluída. O caso ainda está em trâmite, porém a condenação dos danos morais ao amigo do rapaz provavelmente se manterá excluída, pois o Superior Tribunal de Justiça não analisa matéria de fato, ou seja, tudo aquilo que depende de prova, apenas matéria de direito, aquelas que dependem da interpretação da lei – explicando de uma maneira bem simples.

E o que esses dois casos têm em comum, além do fato de gerarem condenações por danos morais? Aparentemente nada. Entretanto, podemos verificar exemplos das disparidades presentes no Judiciário brasileiro em relação a condenações por danos morais. Explico: em ambos os casos, tanto para o rapaz que sofreu agonizante nos corredores de um hospital à espera de uma autorização para internação, cuja vinda poderia significar a diferença entre a vida e a morte, e a mulher que encontrou pedaços de uma lagartixa em um refrigerante e que não ingeriu o mesmo, o valor da indenização foi praticamente o mesmo.

E como atribuir um valor para o dano moral, um dano que atinge o íntimo do indivíduo? A tarefa é muito difícil. Não existe uma tabela atribuindo um preço para cada dano – e, na minha visão, nem deve existir –, mas há a jurisprudência, que trás os parâmetros que são seguidos pelo Poder Judiciário nessas condenações. Porém, o que vemos é que esses parâmetros não seguem uma lógica, o que gera inúmeras injustiças, haja vista o segundo caso aqui citado, onde a situação do amigo do rapaz, que se viu obrigado a assinar um contrato – e assumir a responsabilidade pelas despesas hospitalares de seu amigo, sendo que um dia de internação na UTI não sairia por menos de R$ 8 mil – para que houvesse o atendimento de urgência, indevidamente negado pelo plano de saúde, não foi considerado como indenizável, ao passo que a presença de uma lagartixa em uma garrafa de refrigerante o foi.

Não estou aqui dizendo que a indenização imposta à empresa que industrializa refrigerantes não foi correta, pois foi e deve ser assim, tendo em vista a responsabilidade objetiva da empresa e o caráter pedagógico dos danos morais. Mas excluir os danos morais do amigo do rapaz não se coaduna com o propósito do Código de Defesa do Consumidor, que, inclusive, prevê que o fornecedor responde, nos termos do Código, pelos danos causados a todas as vítimas do evento danoso, como no caso exposto.

Além disso, os valores das indenizações no Brasil chegam a ser irrisórios, se levarmos em consideração o patrimônio das empresas ofensoras. Um exemplo: indenizações por inscrições indevidas em cadastros restritivos por parte de bancos giram em torno de R$ 10 mil e cinquenta salários mínimos, com algumas variações. Esses valores, para um banco, não refletem nem de longe o caráter pedagógico da condenação por danos morais.

Imaginem-se banqueiros hoje no Brasil, onde as indenizações por danos morais giram em torno desses valores para o caso de negativação indevida. O custo para que isso não mais ocorra com nenhum outro consumidor, ou ao menos para minimizar as ocorrências, será infinitamente maior do que a soma de todas as condenações impostas ao banco, se levarmos em consideração o investimento em melhorias de sistema, treinamento de funcionários, mudanças de procedimentos etc. É muito mais barato deixar como está.

E o que seu vê e ouve como justificativa para os valores pífios das indenizações, ou mesmo para o não reconhecimento dos danos morais em determinadas situações, é que há uma “indústria do dano moral”. Em resposta, parafraseando um grande jurista, há, sim, uma indústria do dano moral, que é alimentada por excelente e abundante matéria prima: os danos causados aos consumidores.

Outro argumento para as condenações irrisórias é a vedação ao enriquecimento sem causa. Este é o pior dos argumentos, a meu ver, pois a causa para um suposto enriquecimento do consumidor está no próprio dano por ele sofrido. Causa para o “enriquecimento” é o que não falta, portanto.

O que percebo é que, enquanto o Poder Judiciário não perceber que a lógica não está em restringir os valores dos danos para evitar enxurrada de ações, mas nas condenações exemplares, que forçará os empresários a investir em melhorias e, principalmente, a respeitar as leis e o consumidor, continuaremos com as indenizações inócuas. E o papel dos advogados que defendem os consumidores é lutar para isso mude, quebrando esses paradigmas. Quiçá um dia essas indenizações sejam efetivamente exemplares e sirvam para o que realmente devem: mudar o procedimento das empresas. Enquanto isso, vamos engolindo as lagartixas.

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