Sabemos bem como criar e cuidar de nossas versões digitais. Mas o que pode acontecer com nossas personas conectadas após as nossas mortes? Rebecca Blum, estrategista sênior da frog design, fez essa provocação no SXSW no painel “Morte e Vida na Era Digital – O Novo Vale Fantástico”. Para ela, com tantas startups se apegando à promessa da manutenção da vida digital – lembremos que são mais de 100 milhões criadas todos os anos – como será possível diferenciar a vida digital da pós-vida digital?
Rebecca diz que se impressionou ao ver páginas de pessoas falecidas sendo curtidas no Facebook. E viu o Twitter de um jornalista falecido continuar ativo mesmo após a sua morte. Ela aborda um episódio da terceira temporada de Black Mirror, no qual a protagonista vê seu companheiro renascer virtualmente. Primeiro sua voz, depois seu corpo, clonado a partir do original.
A ideia geral da imortalidade desafia a humanidade há séculos. Yuval Noah Harari, exercita profunda,ente essa questão e a possibilidade desse deseja se concretizar no incrível livro “Homo Deus”.
Ou seja, estamos atravessando um vale entre a vida digital e uma pós-vida digital, talvez menos assustadora ou bizarra que a mostrada na famosa série. “Todos sabemos que iremos morrer um dia, essa é uma ideia comum a todos nós”, destaca Rebecca. Essa consciência da morte define nossa vida, não pode ser negada, sabemos que nossas vida são breves e por isso, precisamos nos sentir parte de algo, para dar sentido à existência.
Nossos legados
Essa consciência da morte, faz com que nós busquemos deixar nosso legado, em construções, templos, amizades e até mesmo nosso DNA. Sempre procuramos deixar algo que represente nossa passagem pela vida, seja uma planta, um livro, filhos, textos, fotos. Se repararmos bem, nosso legado vem se multiplicando todos os dias, por meio de milhões devidos, postagens e tweets, dia após dia.
Será que o Facebook será um cemitério permanente de vidas digitais? O Google possui um painel de inatividade digital, talvez por presumir que alguma pessoa possa morrer de fato… Já o Twitter permite que a conta de uma pessoa possa ser gerenciada por outra pessoa. Deixamos nossos rastros digitais, pedaços de nossas vidas e nossos pensa,então, momentos espalhados pelo mundo virtual. Mesmo acessar os sites marcados como favoritos em nossos browsers podem funcionar como uma jornada pela nossa mente, nossos gostos e interesses.
Contraparte virtual
Segundo Rebecca, a plataforma Etero traz uma Inteligência Artificail que criar uma contraparte nossa, dos membros com vistas a personificar uma eternidade digital. Ela fala de casos em que pessoas efetivamente criaram personas tão realistas em ambientes digitais que havia troca de mensagens, citações de lugares e momentos vividos entre elas e suas contrapartes. Bizarro, mas compreensível. Para ela, manifestações assim são apenas o começo.
Necro Tech, ou tecnologia do necrotério
A keynote falou que todas as formas de comunicação, de certa forma, sempre constituíram uma forma de tecnologia que unia a vida e a pós-vida. Telegramas, fotografias, cartas, tudo representa momentos congelados de uma vida em curso que se eterniza. E hoje, com a tecnologia digital é possível montar imagens e momentos que unem pessoas vivas e mortas, recriando e resignificando nossa existência. Uma história pode ser totalmente recontada a partir da pós-vida.
A Necro Tech pode nos levar à era descrita por Ray Kusweil, na qual um corpo que prescinda de um backup de sua mente será uma ideia primitiva. Ainda há uma distância bizarra entre nossa vida digital e nossa pós-vida digital. Essa distância constitui esse vale inusual, estranho, que pode representar o resignificado da morte. Quantos traços tangíveis de nossa vida deixaremos intencionalmente para nossa pós-vida digital? Que transições distintas e espaços ocuparemos? Como mostraremos nossa decadência física nessa pós-vida? Faremos memoriais de nossas vidas, para conduzir a transição de nossa vida real para a pós-vida digital.
A Inteligência Artificial pode cumprir a promessa de deixar legados vivos, gerenciando os dados de nossa vida para permitir uma pós-vida digital plena, intensa e cheia de realizações.
Tudo isso é muito bizarro para você?
Não. Apenas humano.