A liderança feminina é um tema que precisa ganhar destaque em toda a sociedade. Em todas as empresas, de todos os segmentos. Mesmo com grandes exemplos de reconhecida e comprovada competência diária, os números ainda colocam as mulheres para baixo no mercado. Mas isso não é motivo para desânimo: o Brazilian Retail Week 2017 trouxe grandes exemplos de mulheres líderes e empreendedoras.
Para o início do debate, Livia Moura, principal da Bain & Company, destaca a pesquisa realizada pela consultoria sobre a presença feminina no mercado. Os dados mostram que, no Brasil, as mulheres são 57% dos universitários. Os números, porém, vão diminuindo. Nos níveis de liderança, vai para 43%; executivo sênior, 19%; CEOs, 11%. “A preocupação fica ainda maior quando pegamos as 200 maiores empresas do Brasil e temos apenas duas CEOs mulheres”, lembra. “Temos, sim, um problema, um trabalho grande pela frente. O assunto já começou, mas ainda temos muito trabalho pela frente”.
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A consultoria procurou entender por que isso acontece. Por isso, mapeou o que as mulheres e os homens pensam sobre determinadas situações. Ambos os gêneros, por exemplo, pensam que homens lidam melhor com processos de pressão. Ao mesmo tempo, as mulheres lidam melhor com liderança transformacional, montando equipes mais otimizadas, afins. E por que isso não acontece na prática?
Por que elas desaparecem?
Segundo a pesquisa, líderes estão propensos a indicar lideranças sucessoras que sejam parecidas consigo. Assim, acabam buscando outros homens. “Muitas mulheres, antes de tentar, já pensam que não vai dar. Se contentam em fazer menos do que poderiam”, lembra Livia. Como acelerar o fechamento desse gap?
A consultora traz algumas reflexões: “Será que os modelos de trabalho precisam ser tão rígidos? Será que o processo de seleção não está enviesado? Qual o estilo de liderança que empresas querem? O que vai levar a companhia para o próximo nível?”. Uma solução, por exemplo, é formatar uma equipe de coaching e suporte dentro da companhia. “Empresas e mulheres precisam se unir para encontrar melhores cargos de liderança. É preciso pensar no todo”, garante.
Mudança de mindset
Para Fernanda Flandoli, CEO do Quebrando o Tabu e fundadora da VisionVenture, quando pensamos em igualdade, tendemos a pensar que isso vai simplesmente acontecer. Por isso, questiona: “Do ponto de vista do indivíduo, o que a gente, sendo parte de uma corporação, sendo líderes dos próprios empreendimentos como agente de mudança, o que podemos fazer?”.
Isabella Wanderley, vice-presidente de negócios e novos canais digitais do Grupo Boticário, destaca que existe um papel das lideranças femininas atuais nas organizações que é fundamental. “É preciso promover a discussão, inspirar as novas gerações, apontar os novos caminhos”, diz. Afinal, vivemos em um mundo com uma diversidade muito grande de liderança. O olhar feminino traz um olhar humano – algo que as empresas precisam ter em todas as suas frentes. Ela cita o exemplo do Grupo Boticário, que faz discussões internas sobre estilos de gestão e como elas podem ser produtivas. “Não podemos esconder o tema, não podemos deixar ele acontecer por si só”, lembra. “O debate precisa ser trazido para o espaço central da corporação”.
Fora isso, é necessário lembrar que o assunto envolve 52% da população do planeta, destaca Ana Fontes, CEO da Rede Mulher Empreendedora. “Tem uma questão de propósito, as mulheres olham a vida de uma forma mais colaborativa. E essa não é uma guerra entre homens e mulheres”, ressalta. A discussão não tem a ver com melhor ou pior. O papel da mulher é fundamental na sociedade, seja como mãe, esposa, filha. “A importância econômica é fundamental. A equidade de gêneros também traz ganhos ao mercado: dá poder de consumo a um dos grupos consumidores principais”.
Fernanda também destaca o envolvimento dos homens no debate sobre equidade de gênero. Não é uma luta: os homens são aliados nessa busca, é uma caminhada conjunta.
O mercado
Como lidar com o assunto em uma empresa global gigante? Patricia Amaro, diretora de e-commerce e digital da da Unilever Brasil, conta que viveu um choque cultural quando mudou de uma empresa para outra (de uma menor para uma maior). “Em organizações menores, as pessoas são mais ativas nas demandas. Em uma maior, as pessoas esperam ser lideradas, esperam o que precisam fazer”, descreve. Até mesmo quando trata-se de millennials. Em sua experiência, ela viu profissionais desse perfil que não têm uma postura questionadora (como é de sua natureza). “Já ouvi que estavam lá para aprender. É um desafio que as grandes empresas passam”.
Por isso, em sua visão, é necessário ressaltar uma grande questão que todos precisam saber: é preciso construir. E de forma conjunta. “A regra é importante, mas ela sozinha não vai fazer as coisas acontecerem – são as pessoas que fazem acontecer. Já que existem líderes que foram feitos para pensar de outra forma, cabe às novas lideranças lutar para conseguir mudar e trazer novos conceitos”, aponta.
Quando quis sair da empresa por não concordar com uma situação – mas viu a empresa conversar e querer mudar, Patrícia entendeu que a saída é a construção. Empresas e colaboradores podem construir um novo caminho a partir de questionamentos – que é uma característica natural feminina: a busca pelo diferente. “Existe um papel de protagonismo. As coisas só vão acontecer quando as empresas aceitarem que precisam construir juntas – e as lideranças precisam estar abertas a ouvir”. “O mundo que a gente vive está mudando, não tem regra, precisamos conversar”.
Visão empreendedora
No debate, fica evidente que algumas dores que grandes companhias enfrentam acabam amenizadas em empresas de menor porte. Mesmo assim, o caminho também traz desafios. Tati Oliva, sócia-diretora da Cross Networking, acredita que existe um mal em qualquer negócio que cresce. “Dentro da questão de crescimento, precisamos impor algumas coisas e vamos perdendo outras”, conta A primeira coisa que a executiva fez foi montar algo novo e diferente para mostrar o questionamento para outras pessoas. “É possível ser mulher, mãe, empreendedora, líder. Eu procuro liderar pelo exemplo e isso é muito importante”, detalha. “Precisamos mostrar que é possível, é algo que inspira o time”.
Brotherhood?
Como mostra a pesquisa, lembra Fernanda, os homens se ajudam mais – talvez até inconscientemente. Algo que não ocorre com as mulheres. “Não criamos plataformas para crescermos juntas, isso precisa mudar”, lembra. “Nós fazemos o coleguimos e as relações de formas diferentes do homem. Mas precisamos trazer mais essa relação entre mulheres para tentar abrir esse caminho”, concorda Ana.
Isabella, ao mesmo tempo, lembra que é preciso manter a relação igualitária. “Precisamos respeitar competências e características. Existe uma desigualdade e temos que batalhar para efetivamente mostrar que as mulheres são tão capazes quanto. Vamos trazer essa igualdade para que as pessoas sejam valorizadas pela sua capacidade pessoal e não pelo seu gênero”, enfatiza.
O contexto histórico, nesse sentido, tem vital importância. E é a persistência fará com que as coisas mudem. Ana, da Rede Mulher Empreendedora, lembra que, até a constituição de 1998, se a mulher ficasse viúva, tinha que eleger um homem tutor para cuidar de suas finanças. A questão histórica é muito séria. “Será que estamos querendo tudo com muita pressa?”, questiona Fernanda. Precisamos fazer com que o movimento crie raízes.
Por fim, as executivas dão dicas para as mulheres não desanimarem frente aos desafios. “Sempre acredite em você”, diz Tati Oliva. “Precisamos nos unir, trazer o tema para a mesa e mostrar nosso potencial para ajudar a causa”, garante Livia Moura. “Precisamos encontrar espaço – e se você estiver em uma corporação que não tem esse espaço, fuja da corporação”, arremata Isabella Wanderley. Por último, Ana finaliza: “A meritocracia no mundo de hoje é válida quando as pessoas estão nas mesmas condições e têm os mesmos direitos. Só assim conseguiremos uma jornada equilibrada e inclusiva”.