O valor de uma empresa é produzido a partir da interação dela com os diferentes públicos, segundo Daniel Domeneghetti, CEO da DOM Strategy Partners. O estudo Mais Valor Produzido realizado a pedido do Centro de Inteligência Padrão para a revista NOVAREJO, possui foco específico no varejo e avalia a capacidade de uma empresa gerar e proteger valor para seus diferentes stakeholders, principalmente clientes, acionistas e funcionários. ?A pesquisa tem o propósito de identificar os varejistas que conseguiram obter e gerar mais valor?, explica Domeneghetti que esteve à frente da iniciativa.
Por meio dos ativos imagem e credibilidade, o estudo chegou à reputação das empresas. E, ao avaliar a relação entre a gestão e a competitividade, obteve-se a performance, ou resultado, da empresa varejista. Quem teve um maior equilíbrio entre reputação e performance na pesquisa, apresentou maior valor produzido (confira a metodologia da pesquisa no Box). As empresas que se destacaram nos diversos segmentos podem ser conferidas nesta matéria.
De acordo com o CEO da DOM Strategy Partners, a definição de valor varia de segmento para segmento. Por exemplo, os ativos mais importantes para o varejo supermercadista são diferentes daqueles que são relevantes ao farmacêutico. Alguns ativos são padronizados e comuns em termos de relevância, como o relacionamento com o cliente e marca.
Outros são mais específicos, como inovação. ?A partir do momento em que a empresa entende sua equação específica baseada no que os públicos acham mais importante, pode-se trabalhar para melhorar os ativos e aumentar ainda mais o valor produzido?, afirma.
Credibilidade
Para a H. Stern a credibilidade diante de seu público é essencial, e ela é trabalhada de diversas formas. Uma delas é que há muitos anos a joalheria investiu em um laboratório gemológico interno, capaz de identificar a autenticidade e qualidade das pedras. Segundo Christian Hallot, embaixador da H. Stern, a joalharia é uma das poucas no Brasil que conta com laboratório próprio. A ideia é não depender de terceiros e oferecer maior confiabilidade ao consumidor.
Visando à transparência, assim como a aproximação com o cliente, a varejista oferece também um tour guiado pela sede da H. Stern no Rio de Janeiro. ?Abrimos nossa empresa à visitação pública. As pessoas entram, recebem um headphone, e são guiadas por 15 minutos pela área de produção onde conhecem as etapas do processo?, afirma Hallot. Desde 1954, passaram pelo prédio da empresa quase seis milhões de pessoas.
A marca também investiu em uma universidade corporativa para formar seus funcionários. O treinamento é rígido, dura um ano, e os alunos são aprovados com notas mínimas de 8,5. ?Somos muito exigentes e exigidos.
Todos os funcionários passam pelo curso. Até o sr. Hans Stern (1922?2007), fundador da empresa, fez as provas. Somos uma empresa de comércio e indústria, todos têm de saber a mesma coisa e falar a mesma linguagem?, explica Hallot.
Além da qualificação, a universidade retém a equipe. São três mil funcionários e quase metade possui mais de dez anos de casa ? o próprio Hallot já soma 35 anos. Ele garante que a rotatividade não passa de 2% ao ano, especialmente porque há possibilidade de crescimento profissional.
Outro aspecto apontado por Hallot, como cuidado da empresa na relação com seu público, está relacionado à compra da matéria-prima e controle dos fornecedores.
?Compramos de empresas certificadas, o cliente sabe que a pedra não prejudicou a natureza?, afirma. Além disso, segundo o embaixador, a boa relação com fornecedores faz com que a H. Stern seja uma das primeiras joalherias a ser procurada cada vez que uma pedra de alta qualidade é encontrada no Brasil.
A companhia ? que está presente em 37 países por meio de 160 lojas próprias e outros 140 pontos de venda operados por parceiros comerciais ? foi destaque na pesquisa Mais Valor Produzido como o varejo de joias de maior valor. Dentre os critérios de destaque, ganhou relevância em Legitimidade de Posicionamento, dentro do ativo Credibilidade.
Equipe
O atendimento e a comunicação com o consumidor também são ativos muito importantes na Ri Happy, destaque do varejo de brinquedos na MVP. ?É alma da empresa. Lidamos com emoção o tempo todo. É impossível ter produto voltado para a criança e não cuidar da emoção?, afi rma o diretor de marketing da Ri Happy Brinquedos, Mario Honorato.
Ele explica que o funcionário é treinado para orientar o consumidor, mesmo que isso se resuma a indicar a opção mais barata, assim como entender sobre brinquedos mais apropriados para cada faixa etária. ?Caso a loja não tenha o brinquedo buscado, os funcionários são orientados a informar ao cliente onde pode encontrar, mesmo que seja no concorrente. O cliente fica satisfeito e cria uma relação de confi ança com a Ri Happy. A credibilidade é algo que demanda disciplina e segurança o tempo todo?, afirma Honorato.
No segmento ótico, é ainda mais relevante ser didático e transparente, uma vez que quando se trata de óculos para correção de visão, em muitos casos o consumidor precisa de orientação. Andre Hein Kliemann, diretor de marketing da Fototica, afi rma que a empresa busca fazer um balanço adequado entre curto e longo prazo dos ativos relacionados a Reputação e Performance. Contudo, reconhece que consegue mensurar melhor os investimentos voltados ao resultado. ?Os investimentos em reputação são intangíveis. É mais difícil avaliar, pois ele se dá no dia a dia, é o treinamento do funcionário, uma melhoria no laboratório ou na entrega?, avalia.
Na C&A, o treinamento da equipe também é um forte ativo. A empresa, que tem mais de 70 anos de história, quase 40 deles no Brasil, conta com 18 mil funcionários. ?Temos uma credibilidade grande com as pessoas como empregador. Somos vistos uma escola de varejo?, afirma Paulo Correa, vice-presidente comercial
Na avaliação do executivo, esse é também um dos motivos pelo qual a empresa é bem recebida ao abrir loja em regiões brasileiras em que ainda não está presente. ?Primeiro pelo volume de novas vagas que geramos e depois pelo processo de treinamento, avaliação e oportunidades de carreira que são criadas dentro da loja. A empresa passa a ser objeto de desejo para quem quer trabalhar?, completa.
A atuação internacional da multinacional a ensinou que não pode despejar as tendências de moda de outras regiões. É preciso ouvir e entender as demandas da mulher brasileira, que são completamente diferentes da europeia, americana, asiática… Por isso, a empresa tem investido em entender as preferências locais. ?Traduzimos esse conhecimento em coleções que se tornam sucesso de vendas.?
A varejista conta com um conselho fashion, composto por duas mil clientes. Segundo Correa, a empresa interage com o grupo o tempo todo. A publicidade, a coleção nova, os preços, são apresentados, dentre outros temas. Algumas coleções são voltadas para regiões específicas; o Nordeste, por exemplo, ganha mais cores e estampas.
A varejista também oferece consultoria de moda nas lojas e na web por meio do Facebook e do blog Com que Look eu Vou, no qual estilistas e blogueiras respondem a dúvidas sobre moda. Uma ação inovadora recente permitia aos clientes saber quais peças tinham maior aceitação por meio de cabides que apresentam quantos likes do Facebook ela recebeu. A empresa se destacou na MPV no critério Confiança, dentro do ativo Credibilidade.
Competitividade
Foi com o propósito de melhorar sua competitividade e gestão que a InBrands passou os últimos dois anos fazendo a integração das 12 marcas que desenvolve (Ellus, Ellus Second Floor, Ellus Accessories, Richards, Richards Selaria, VR, VR Kids, Salinas, Alexandre Herchcovitch, Bobstore, Mandi e a joint-venture Tommy Hilfiger).
Embora cada marca mantenha sua própria identidade, sua comunicação e seu relacionamento individual com o cliente, são integradas por meio da InBrands em uma plataforma que oferece escala. Dessa forma, a companhia ganhou sinergia comercial e de custo, tem escala para negociar melhor produtos e pontos de vendas.
?O modelo parte de uma premissa fundamental: Nós somos uma plataforma de consolidação de várias marcas, não dialogamos com o consumidor. Ele não necessariamente identifica ? e nem é nosso desejo de comunicar ? que a InBrands está por trás daquela marca?, afirma Michel Sarkis, CEO da Inbrands. Ele explica que a imagem e credibilidade são trabalhadas da mesma forma que a performance, mas individualmente por cada marca.
Porém, a proposta é a mesma para todas: ?entregar o prometido como proposta de marca?, afirma. A empresa se destacou na pesquisa pelo critério Eficiência na Gestão de Holding de Marcas dentro do ativo competitividade.
No segmento de cash & carry ? que está em plena expansão no Brasil, ganhando cada vez mais visibilidade e adeptos ? a concorrência está acirrada e o caminho também é ser competitivo. Para o Assaí Atacadista, a lealdade é algo construído continuamente, principalmente porque a empresa também atende pessoas jurídicas, público muito focado em preço.
Uma das ações da empresa para atender melhor o cliente é o serviço de televendas, que, além de fazer cotações de preços, funciona como um balcão de negócios pelo qual os consumidores podem negociar melhores ofertas e condições de pagamento direto com o gerente.
Inovação
Para a Netshoes, a inovação e a experiência de compra são muito importantes, e nesse caso é a tecnologia a viabilizadora. Por exemplo, embora receba das indústrias a imagem dos produtos, a Netshoes fotografa cada um dos produtos em estúdio. Também tem redação própria para fazer a descrição dos produtos ao invés de usar a fornecida pelo fabricante. Por quê? ?Porque a gente entende que é importante oferecer uma foto em alta resolução com vários ângulos para o cliente visualizar melhor o produto.
A página de produtos oferece ao menos cinco ângulos para o consu midor. Dessa forma, permite também oferecer a tecnologia de mouseover ? quando o usuário passa o mouse sobre a imagem e a vê ampliada?, explica Renato Mendes, gerente de marca e assuntos corporativos da Netshoes, empresa que ganhou destaque na pesquisa pelo critério Aceleração dentro do ativo Gestão.
O mesmo serve para o serviço de atendimento telefônico da empresa. A opção foi manter funcionários próprios treinados ao invés de terceirizar, o que diminuiria o custo com funcionários. ?Se a gente encarar o serviço de atendimento como despesa, faz todo sentido terceirizar, mas se eu vejo como core business, não é despesa. É investimento?, avalia.
Porém, como tornar o negócio rentável, uma vez que os detalhes significam custo? Aí entra a inovação. A empresa criou uma opção de troca de produtos na internet sem precisar contar com um atendente. No início apenas 5% dos consumidores aderiram, mas hoje já é a opção de metade dos usuários que fazem trocas.
Mendes explica, ainda, que as fotos próprias, com diversos ângulos do produto e uma descrição detalhada de cada um, ajudam a reduzir as demandas de desistências, trocas e o consequente custo da empresa com logística reversa.
Outra tecnologia que ajuda a reduzir os custos com trocas é o Shoeftr, exclusividade da empresa no Brasil. Por meio dela é possível fazer uma comparação 3D entre o modelo desejado e o calçado que está no pé do cliente ? ele checa a numeração ideal diminuindo o risco de errar de tamanho. ?Quando aumento a chance de acerto do cliente, diminui-se o volume de troca. Ficamos mais competitivos?, avalia
Embora estejamos abordando diversos caminhos em que as empresas buscam para acertar, Sergio Herz, CEO da Livraria Cultura, destaca que errar faz parte do processo. O importante é a resposta que a empresa oferece ao consumidor após o erro. ?Muitas vezes a gente ganha mais credibilidade com o cliente quando erramos e em seguida consertamos.
Quando houver erro, é importante não tentar justificar, mas resolver?, avalia. ?A construção de uma imagem é um trabalho de formiguinha, não é um trabalho que se consegue do dia para a noite?, completa.
Segundo o CEO, a Livraria Cultura tem investido muito em gestão para a realização dos processos com eficiência, buscando superar os desafios de entregas dentro da data, diante da falta de infraestrutura do País. A varejista se destacou na pesquisa pelo critério Pioneirismo Digital dentro do ativo Imagem.
Quando se trata de alimentação, a pressão sobre a qualidade dos produtos é ainda maior. Para o McDonald?s, o alto padrão de higiene exigido na elaboração dos produtos, o cuidado com a fabricação e o transporte dos ingredientes fazem parte do foco diário. ?Queremos que o consumidor tenha sempre uma experiência incrível ao ter contato conosco e isso vai além da qualidade, é intangível, pois está na percepção dele.
Isto está relacionado também à gestão e capacitação do público interno e à realização de pesquisas constantes?, afirma Hélio Muniz, diretor de comunicação da Arcos Dorados do Brasil, operadora de franquias do McDonald?s no País.
Embora em segmentos distintos, a empresa tem ação parecida com a da H. Stern. Ao perceber que o consumidor está cada vez mais preocupado não só com a qualidade, mas com a origem do produto e como a toda a cadeia produtiva afeta o meio ambiente, o McDonald?s instituiu o programa Portas Abertas. Nele, pessoas são levadas para conhecerem as fábricas de pães, carnes e o operador logístico, além da Refricon, que processa (lava, corta e embala) os vegetais.
Um descuido na produção pode gerar grandes prejuízos para as empresas do segmento de alimentação. A marca de suco da Ades, da Unilever, sofreu com isso no ano passado, quando uma crise ocasionada por erros no controle de qualidade de produtos da marca a levou a distribuir cerca de 90 unidades de suco de maçã envasadas com soda cáustica.
Reputação é um gargalo
O destaque da pesquisa é O Boticário, que apresentou o maior valor dentre todas as varejistas. A empresa se destacou também no segmento Farmácias, Medicamentos e Perfumaria, assim como em Franquias. Ganhou relevância pelo critério Sustentabilidade, no ativo Credibilidade, e nos critérios Modelo de Negócio ? Estrutura/Arquitetura, Diversifi cação e Operação de Franquias no ativo Gestão.
Contudo, Domeneghetti, da DOM Strategy Partners, alerta que, embora o destaque de algumas empresas em determinado segmento seja positivo, não signifi ca, necessariamente, que ela está investindo muito em todos os ativos, mas que ela está melhor do que as demais varejistas. Apesar de todas as empresas entrevistadas afirmarem que investem igualmente em imagem, credibilidade, competitividade e gestão, o especialista destaca que é difícil, dentro da cultura de varejo, ter uma atuação estruturada para gerenciar esses ativos.
O setor ainda é muito mais focado em performance. Segundo ele, ainda, muitas varejistas têm valor e potencial escondidos porque não materializam, ou seja,
não conseguem identificar os ativos e não levam seus pontos fortes para a gestão. ?Algo que poderia se transformar em valor efetivo acaba ficando embaixo do tapete?, avalia.
A pesquisa pode ajudar o varejista a observar os aspectos que seus públicos mais apreciam e observar os ativos que a empresa poderia investir ou desenvolver mais. ?Sem perder a mão do foco no resultado, é fundamental que o varejo tenha a capacidade de apropriar alguns ativos estratégicos e gerenciá-los, para poder trabalhar valor e diferenciação?, finaliza