Já dizia o escritor e dramaturgo britânico Oscar Wilde: “Definir é limitar”. A frase, escrita no século 19 para o livro O Retrato de Dorian Grey, caiu na boca dos jovens do Orkut, dois séculos depois. A rede social – nos anos 2000 a mais popular do Brasil – exigia que usuários preenchessem seus perfis com uma informação para lá de complexa: “quem é você?”.
A frase de Wilde, aparentemente, caía como uma luva para que as pessoas pudessem responder a esse complexo enigma. Por todos os lados, perfis usavam a frase do célebre britânico para explicar que não queriam ser colocados em “caixas”. Da mesma forma que o retrato amaldiçoado do livro – quando questionado sobre quem (ou o quê) ele era – os jovens não conseguiam (ou não queriam) expressar a totalidade de si em alguns poucos caracteres.
Mas se engana quem pensa que são apenas as gerações mais jovens que não aceitam rótulos. O consumidor, como um todo, quer ter a liberdade de assumir vários papéis ao longo de sua vida. Desta forma, as marcas precisam compreender que não é mais possível colocar consumidores dentro de moldes, esperando que os clientes sejam para o resto da vida da mesma forma. É preciso ter versatilidade identitária dentro das corporações, se mostrando de diferentes formas para diferentes grupos, sem perder a coerência. Quem não tiver essa plasticidade dificilmente irá para frente.
Contudo, identificar a “idade real” – emocional e não cronológica – de seus consumidores pode não ser uma tarefa assim tão fácil. A diretora da Peclers Paris no Brasil e sócia da Dezon Consultoria Estratégica, Iza Dezon, uma das embaixadoras do Projeto “Identidades” da CM (veja detalhes na página 36), sugere que as marcas estejam atentas a algo mais importante que a segmentação por idade: o estilo de vida. “A segmentação de um produto precisa ir além. Até porque, quando um produto é bom para uma criança ou para um maduro, ele é bom para todo mundo”, diz.
Múltiplas narrativas
Marina Roale, líder em pesquisa e conteúdo da Consumoteca e embaixadora do arco “Idades Emocionais” do Projeto Identidades, explica que o movimento de fim das idades começou com a geração Millennial, ao romper com o mindiset dos grupos anteriores. Segundo ela, isso foi proporcionado pela conectividade, que permite múltiplas narrativas de vida.
A pesquisadora conta que, enquanto as pessoas da Gen X e os Baby Boomers tinham um roteiro preestabelecido a ser seguido (que envolvia estudar, trabalhar, casar, ter filhos e se aposentar), agora não há mais um padrão de linha do tempo. A grande liberdade que surge daí, pode, ao mesmo tempo, gerar confusão e ansiedade.
“Os Millennials estão vivendo uma crise ao começarem a envelhecer. Eles sempre se sentiram muito jovens, e agora, ao passarem dos 30 anos, não se veem representados na figura dos pais deles na mesma idade”, explica Roale.
Nessa fase, ela conta, os Millennials estão começando a entrar em uma crise de conquistas, afinal, fizeram coisas totalmente diferentes daquelas relacionadas ao modelo do adulto duro, rígido e resoluto das outras gerações: “É só ver o tanto que há desses memes na internet que brincam sobre a vida adulta. Eles são um reflexo desse movimento, dessa crise de não se ver representado pela idade que tem”, diz.
Ao mesmo tempo, na outra ponta, o aumento da longevidade, com qualidade de vida, e o acesso a novas tecnologias fizeram surgir pessoas na faixa etária conhecida como terceira idade, mas com comportamento associado aos jovens. É um público maduro, mas altamente conectado e ativo, fugindo totalmente do estereótipo.
Idade: mais emocional do que física
A personagem central do arco temático Idades Emocionais, do Projeto Identidades, é a aposentada Ana Lúcia de Mello Castanho. A ex-relações públicas de 62 anos viu na maturidade uma possibilidade de se desconstruir e reinventar. Hoje, mantém a página @rebeca60oumais, no Instagram, com quase mil seguidores. Lá, publica fotos reais de mulheres com 60 anos ou mais, como o nome já diz, e escreve sobre o empoderamento desta faixa etária. “Minhas amigas ficaram encantadas com o descobrimento de uma nova fase na minha vida, que foi de me reinventar na terceira idade. No Instagram, posto foto delas para valorizar a beleza e a autoestima nessa fase, para que cada uma encontre novamente o seu caminho. Ainda temos muito trabalho pela frente.”
No projeto, a aposentada percebeu que a beleza da mulher madura não tem a ver com o corpo físico, e a autoestima não depende de cirurgias plásticas. “O que quero valorizar é que toda mulher pode ser bonita. Não é porque ela chegou aos 60 ou 70 que ficou feia. As fotos que coloco são reais, são delas, e elas devem gostar de si mesmas como são.” E brinca: “Envelhecer graciosamente é achar graça em você mesma, em primeiro lugar. Eu até exagero no sentido de me sentir bem. Brinco muito com essa coisa de ‘eu sou linda, sou maravilhosa’. Brinco com a vida quando escrevo e faço vídeo.”
O projeto rende frutos não apenas na vida de Ana Lúcia. Além de entrevistas para revistas e televisão, a aposentada recebe feedbacks transformadores das participantes do projeto. “Uma (das seguidoras) da página tem 78 anos, e acabou de assinar contrato com uma agência de modelos. Ela era minha cliente, e queria ajudá-la a se reinventar da mesma forma como estou me reinventando. Aprendeu a fazer selfie, fotografar na frente do espelho, colocar roupas, e uma agência a chamou para fazer fotos. É transformador”, desabafa.
“O que quero deixar para a próxima geração é que não tenham medo de envelhecer. Eu tinha muito medo, porque a minha mãe – e a geração dela – não envelheceram com qualidade. E não quero que minhas filhas sintam a mesma coisa; quero passar para elas que envelhecer não é acabar – é um processo do qual devemos passar bem.”
Leia a matéria completa na edição de março/abril da revista digital da Consumidor Moderno, clicando aqui.
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