Na tarde da última quinta-feira, representantes da Hurb se reuniram com agentes do Procon para dar explicações sobre não estar entregando, ou adiando com frequência, os pacotes de viagem comprados com antecedência pelos clientes. Na semana passada, o Ministério da Justiça notificou a empresa e deu cinco dias para que a Hurb explicasse o aumento no número de reclamações aos órgãos de defesa do consumidor.
Clientes de empresas de viagens que vendem pacotes com datas flexíveis a preços promocionais como o Hurb, antigo Hotel Urbano, passaram a procurar com mais frequência o Procon e a Secretaria Nacional do Consumidor (Senacon). O motivo tem sido o constante adiamento das datas e até o cancelamento das viagens por parte das agências, com a justificativa de que com a redução da malha aérea e aumento do preço das passagens, está difícil de encontrar tarifas que se enquadrem nos valores pagos pelos clientes.
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Para se ter ideia, nos últimos 30 dias, a Senacon recebeu mais de 2 mil e 700 reclamações contra a Hurb e o Procon registrou um aumento de 75% na média de queixas mensais contra a agência, a maioria sobre a dificuldade de tirar as viagens planejadas do papel.
A Hurb trabalha com um modelo de negócio de “datas flexíveis”. Nele, o cliente compra o pacote com antecedência e sugere três possíveis datas para a sua viagem, dentro de um intervalo determinado pela empresa. A agência então faz uma busca com os parceiros e sugere uma data o mais próximo possível das indicadas pelos clientes. Mas, nos últimos meses, muitas pessoas que compraram pacotes promocionais durante a pandemia, principalmente no ano de 2020, têm reclamado que não conseguem datas para viajar.
Posicionamento da Hurb
Procurada pela imprensa, a Hurb afirmou que está prestando esclarecimentos às autoridades e demonstrou tranquilidade em relação à situação. Em nota, a empresa disse que está oferecendo três opções para os clientes diante da dificuldade da empresa em conseguir passagens com tarifas promocionais: a remarcação dos pacotes adquiridos para 2023, a conversão do valor pago em créditos na própria Hurb para compras futuras ou até mesmo o estorno do valor em um prazo de até 60 dias.
A agência de viagens acrescentou na nota enviada aos jornalistas que, após a pandemia, o setor de hotelaria e as companhias aéreas estão tendo dificuldade de atender o aumento da demanda. Além disso, apontou que a malha aérea internacional opera 40% abaixo do que operava antes da Covid-19. Segundo a Hurb, em 12 meses houve um aumento de 123% nos valores das passagens aéreas (IBGE). Mesmo assim, a empresa afirma que no primeiro semestre de 2022, o número de clientes que viajaram com pacotes adquiridos com eles ultrapassa 650 mil.
A Hurb alegou ainda para alguns veículos que devido à legislação emergencial vigente durante a pandemia, não precisaria oferecer a opção de estorno para os clientes, mas que vem garantindo essa opção.
Modelo de negócio nem sempre pode ser usado como justificativa
Rodrigo Gonzalez, sócio da EGS Advogados, explicou que o modelo de negócio de datas flexíveis não dá direito ao prestador de serviço de adiar indefinidamente a entrega da passagem, que deve ser entregue ao cliente dentro dos parâmetros contratualmente estabelecidos para a venda. O advogado disse ainda que o aumento do valor da passagem é um dos riscos inerentes ao negócio dessas empresas e afirmou que o consumidor não pode ser lesado por conta disso.
Sobre o reembolso e a possibilidade de estorno dos valores pagos, Gonzalez comentou ainda: “As disposições da Lei 14.034/20 que estabeleceu condições para reembolso de passagens aéreas por voos cancelados durante o período da pandemia de Covid-19, aplica-se exclusivamente aos casos em que a compra da passagem aérea tenha se efetivado e o voo posteriormente cancelado. Não é esse o caso dos pacotes flexíveis vendidos por intermediários que posteriormente não conseguem efetivar a compra das passagens junto às companhias aéreas”.
Segundo Rodrigo Gonzalez, caso o consumidor tenha comprado um produto do intermediário e não tenha recebido no prazo estabelecido, o artigo 35 do Código de Defesa do Consumidor determina que o cliente possa escolher as seguintes opções:
I – exigir o cumprimento forçado da obrigação, nos termos da oferta, apresentação ou publicidade;
II – aceitar outro produto ou prestação de serviço equivalente;
III – rescindir o contrato, com direito à restituição de quantia eventualmente antecipada, monetariamente atualizada, e a perdas e danos.
Expectativa gerada no momento da venda é determinante no Direito do Consumidor
O professor de direito do consumidor da PUC-SP, Vítor Morais de Andrade, enfatizou que o que vai definir as obrigações das empresas é a expectativa gerada no consumidor no momento da venda de qualquer produto ou serviço. Desta forma, segundo ele, a análise do caso da Hurb vai depender, por exemplo, de como os clientes foram informados no momento em que adquiriram os pacotes e se eles foram alertados sobre as dificuldades que poderiam enfrentar dentro desses dois anos. Isso inclui a falta de acesso da agência a tarifas promocionais ou qualquer outro evento imprevisível que poderia colocar em cheque a viagem planejada.
Andrade explicou que, caso contrário, a expectativa natural do consumidor é de que ele iria viajar dentro do período previsto e o direito do consumidor garante que o cliente tenha sua expectativa atendida. Essa relação entre a expectativa, o direito do consumidor e a obrigação do fornecedor independe, segundo o professor, do que é colocado em contrato.
“Eu não posso ter um contrato que diga algo diferente da oferta porque isso vai acabar sendo uma cláusula considerada abusiva. A expectativa que foi gerada é que gera esse vínculo de obrigação. Então, a partir da expectativa, o consumidor tem direitos e a empresa tem deveres, é isso que está no Código de Defesa do Consumidor em todas as regras, que traz uma ideia de manter a confiança que foi gerada, porque é a confiança que dá sustentação ao mercado”, afirmou Vítor Morais de Andrade.
O Código do Consumidor tem direitos básicos que são definidos no artigo 6º que fala que o consumidor tem direito à informação clara sobre todos os aspectos da oferta, a proteção contra qualquer tipo de publicidade enganosa ou abusiva e que caso o consumidor sofra algum dano tem direito à reparação integral do prejuízo sofrido.
“A base do direito do consumidor é a da boa fé, do equilíbrio, da harmonia das relações de consumo, que visa privilegiar o cumprimento daquilo que foi prometido”, complementou o professor. Vitor ainda destacou que no caso da Hurb, o efeito da pandemia já era visível no momento da oferta e somente se acontecesse alguma coisa fora do previsível é que poderia haver uma justificativa razoável para quebra de expectativa criada nos clientes no momento da compra.
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