Ainda que os últimos anos tenham sido de evolução do ecossistema de inovação e capital de risco no Brasil, com o país chegando à marca de 12 unicórnios e entrando no radar dos competidores mundiais, o caminho a percorrer ainda é longo ao olhar esta realidade sob o prisma da diversidade e inclusão. E qual seria um destes principais prismas? A participação feminina nas startups.
Esta constatação foi feita pelo Female Founders Report 2021, que observou que apenas 4,7% das startups brasileiras eram femtechs, ou seja, fundadas exclusivamente por mulheres. Já 5,1% têm fundação mista entre homens e mulheres, o que dá um total de 9,8% de presença feminina na liderança deste setor de inovação.
Feito em parceria entre a Distrito, plataforma de inovação para startups, a Endeavour Brasil, rede global formada por quem está à frente das empresas que mais crescem no mundo, e a B2Mamy, plataforma digital que capacita e conecta mães ao ecossistema de inovação e tecnologia, o relatório tem o objetivo de levantar dados sobre o empreendedorismo feminino no país, fornecendo bases para que diferentes players possam atuar na luta contra a desiguabldade de gênero e mulheres consigam entender melhor as conquistas e desafios que fazem parte deste universo.
Dados sobre as femtechs brasileiras
Além de atestar que o número de empresas fundadas apenas por homens é quase 20 vezes maior do que empresas criadas por mulheres, o Female Founders Report ainda percebeu que o crescimento das femtechs continua lento e em pequena escala, sem alterações significativas nos últimos anos.
Para a Startup Communities Manager do Sebrae For Startups, Isadora Azzalin, o cenário encontrado pode ser explicado por diversos fatores, entre eles o machismo estrutural na sociedade e no ecossistema de inovação, a dupla ou tripla jornada das mulheres, a falta de estímulo de políticas públicas voltadas para o tema, além da dificuldade no acesso a crédito e a própria desconfiança do mercado.
A partner e head do Distrito para Startups, Lilian Natal, também diz que mesmo sabendo da óbvia desigualdade nos ambientes de inovação, a diferença encontrada no estudo foi mais alarmante do que esperavam. “O mais irônico é que, embora haja todas essas dificuldades, dados mostram que startups que possuem pessoas do sexo feminino em seu quadro societário tendem a ter resultados 25% melhores”, afirmou ao relatório.
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Não só os resultados recebem impactos da presença de mulheres nas empresas. Dados mostraram que líderes femininas aumentam em 11% o equilíbrio dos quadros societários. Um estudo realizado pela Kauffman Fellows em 2019 também descobriu que empresas com ao menos uma fundadora mulher empregam seis vezes mais mulheres do que times de fundadores compostos apenas por homens.
Outro ponto que poderá ainda ser observado é que todo esse ecossistema ainda está em formação: 47,4% dos negócios foram fundados nos últimos 5 anos; mais de 50% deles estão em fase de MVP ou no início da operação. Isso significa que há margem para trabalhar em torno de mudanças.
Perfil das empresas fundadas por mulheres
Com mais clareza sobre o estado do empreendedorismo feminino no Brasil, o Female Founders Report dá um segundo passo para traçar também o perfil destas empresas criadas por mulheres. Neste sentido, alguns setores de startups se destacam.
Segundo o estudo, há expressiva participação de fundadoras e sócias nos setores de Fashiontech, com quase 60% das empresas com mulheres em sua fundação, seguido por RH e Gestão de Pessoal, Negócios Sociais e Alimentação. No entanto, é importante ressaltar que, juntas, as áreas representam pouco mais de 3,5% do ecossistema, o que acaba tornando a presença feminina pouco representativa em termos absolutos.
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Também chama a atenção a participação de mulheres nos setores de Saúde e Biotecnologia e Educação. “Por outro lado, se sente uma ausência nos setores de Logtechs, Entretenimento e Sportechs. Existem mulheres empreendendo com essas verticais, mas com atuação menos relevante”, comenta Isadora Azzalin.
De fato, o relatório da Distrito, Endeavour Brasil e B2Mamy percebeu como algumas áreas são mais restritas às mulheres, com algumas delas chegando a não ter nenhuma iniciativa fundada por elas, como soluções de câmbio e de cartão.
Outra característica é que as femtechs são ligeiramente de menor porte do que o geral, já que 80% delas contam com, no máximo, 20 funcionários. Porém, o cenário muda quando se considera o grupo de scale-ups. Nele, não só a média de funcionários de empresas com fundadoras é de 56, como 41% estão na faixa de 201-500 funcionários.
Isso comprova que apesar de serem apenas pouco mais de 4% do total, o impacto das femtechs na geração de emprego é bastante alto.
“Faz sentido, porque uma característica em comum nos negócios liderados por mulheres é a inovação e a resiliência, pois precisam se provar mais. Infelizmente, se elas não tiverem um negócio extremamente disruptivo e inovador, terão credibilidade menor do que uma empresa criada por um homem”, fala a especialista do Sebrae.
Inovação e desafios no empreendedorismo feminino em startups
No estudo, a Diretora de Relações Institucionais e Governamentais da Endeavor, Renata Mendes, afirma acreditar que as scale-ups são a saída para acelerar o crescimento do país. “Elas contribuem para elevar a produtividade e a competitividade brasileira, além de atrair capital, talentos, inovação e gerar empregos”, fala.
No entanto, para a solução ser efetivada, é preciso ainda superar a baixíssima diversidade entre fundadores e lideranças. O relatório pontua que empresas mais diversas promovem um grande impacto social e econômico. Inclusive, de acordo com um levantamento da McKinsey, empresas com diversidade de gênero em equipes executivas têm 25% mais probabilidade de ter lucratividade acima da média.
E as mulheres que enfrentam este cenário sabem bem que há ainda diversos outros desafios a serem superados. O Female Founders Report listou alguns deles, como escalar o negócio (citado por 60,9% das femtechs), validar o modelo de negócio (56,4%) e ter boas conexões, por exemplo com mentores e investidores (44.6%).
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“Além disso, as mulheres precisam estar preparadas para enfrentar perguntas que homens não enfrentariam e também menos investimento”, fala Isadora Azzalin, lembrando que mesmo com o aumento do volume investido em startups fundadas por mulheres, a lacuna ainda é grande e reflete o mercado de tecnologia como um todo.
Um exemplo que resume todo o cenário desafiador foi trazido no relatório pela Fundadora e CEO da B2Mamy, Dani Junco. “Quando me aprofundei no universo das startups, notei algo que está passando despercebido: as fundadoras e CEOs escondem a gravidez durante rodadas de investimento, fusões e aquisições. É um desequilíbrio discrepante”.
Por isso, a transformação do ecossistema no qual se incluem as femtechs passa por movimentos de linhas de crédito e fundos para fomentar negócios liderados por mulheres, políticas públicas que incentivem o empreendedorismo feminino, iniciativas voltadas à capacitação e geração de conexões positivas e a busca por soluções inovadoras que trabalhem para a diminuição da desigualdade na liderança no setor.
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