O Brasil ocupa um lugar de destaque no consumo de cerveja e bebidas alcoólicas, no entanto, o pós-pandemia configurou um novo comportamento do consumidor. De acordo com dados da área de Consumer Insigths do UOL, o brasileiro está disposto a experimentar novos sabores e topam pagar mais caro por produtos de melhor qualidade. Mas há espaço para o setor de destilados?
A Consumidor Moderno conversou com exclusividade com André Muller, vice-presidente Comercial da Diageo no Brasil, que traçou uma análise de mercado de bebidas alcoólicas, além de detalhar as estratégias da empresa.
Confira a entrevista completa!
Consumidor Moderno: Como a Diageo tem aprimorado a percepção a respeito do consumidor para entender melhor como e quando os clientes consomem bebidas diferentes? Quais estratégias a Diageo tem implementado para entender melhor os hábitos de consumo?
André Muller: O Brasil é um país com cultura de celebração, e sabemos que o mercado é altamente cervejeiro. A nossa estratégia de crescimento parte do entendimento profundo do consumidor, que irá nos permitir recrutar novos consumidores e ampliar nossa presença em novas ocasiões. E sabemos que há muito espaço para isso. O Brasil ocupa a quarta posição mundial em consumo de álcool, mas está em 13º lugar no consumo de destilados, o que demonstra possibilidade de crescimento neste segmento.
Atualmente, a Diageo é líder nas três principais categorias de destilados: whisky, vodka e gin. Estamos focados em estreitar a relação com os pontos de venda, como bares, restaurantes e supermercados, promovendo capacitação e treinamento para que os profissionais desses locais possam preparar coquetéis de qualidade, elevando a experiência do consumidor. Estamos comprometidos, também, com o desenvolvimento da indústria e da profissão de bartender por meio de diferentes projetos.
CM: Como você enxerga o novo perfil de consumo no Brasil? Os clientes priorizam qualidade sobre quantidade? De que forma essa mudança influencia a estratégia de inovação de produtos da empresa?
Sabemos que, atualmente, o consumidor quer beber melhor e prioriza a qualidade sobre a quantidade. Um dado que comprova essa forma de consumo é o de que, nos últimos dez anos, o consumo em valor de marcas premium cresce 20%, enquanto o de marcas mainstream cresce 7%.
Alguns perfis de consumidores ainda encontram barreiras em algumas categorias, como as mulheres em relação ao whisky, devido ao seu sabor forte e intenso. Pensando nisso, criamos o Johnnie Walker Blonde, uma versão mais suave e desenvolvida especialmente para coquetéis.
Quando pensamos no varejo, os destilados têm o maior potencial de crescimento e inserção em total de bebidas alcóolicas. É a aposta do futuro, onde já vimos acontecer em mercados mais desenvolvidos. Fazer um whisky é uma arte, e para entregar o melhor que o consumidor pode ter, requer um processo quase que artesanal e muitas vezes longo, por isso é natural que um produto de 12 anos (quatro vezes mais demorado para produção), como o Johnnie Walker Black Label, tenha um valor maior que um tradicional.
Além disso, sabemos que destilados são até três vezes mais rentáveis que bebidas fermentadas nos bares e restaurantes. E, no Off Trade, locais em que se compra a garrafa para consumo em casa, uma dose de Johnnie Walker Red Label é mais barata que uma cerveja premium.
O nosso portfólio é versátil, temos opções para todas ocasiões e valores. Queremos entregar as melhores experiências aos nossos consumidores, de acordo com as plataformas e ocasiões em que estão habituados a comprar, e a um valor justo. Essa combinação é o que consideramos um fator de sucesso, dado que pesquisas internas comprovam que preço não é o atributo principal para a decisão do consumidor, mas sim a qualidade dos nossos produtos e a ocasião de consumo.
CM: Quais são as tendências de consumo de bebidas que você observa no Brasil para os próximos anos, e como a Diageo planeja inovar seu portfólio para atender a essas novas expectativas dos consumidores?
Estamos ampliando o nosso portfólio para oferecer opções para momentos de diversão diurna, com diferentes intensidades de álcool e variações nas calorias. O comportamento do consumidor está cada vez mais exigente, com uma busca crescente por experiências novas. A tendência é que as pessoas se interessem por opções mais sofisticadas e diversificadas, como a categoria ready to drink (pronto para beber), em busca de novas vivências.
É fundamental conectarmos o nosso portfólio aos consumidores e à cultura local. Em setembro deste ano, lançamos o Tanqueray Bossa Nova, um gin inspirado neste estilo musical icônico do Brasil. Além disso, há uma categoria emergente no Brasil, a tequila. Buscamos redefinir a forma de consumir tequila através de experiências sofisticadas, voltadas para coquetéis e não para o consumo em doses curtas, como tradicionalmente acontece. Nos Estados Unidos, por exemplo, a tequila é a categoria em destilados que mais cresce. Esse movimento no exterior tende a influenciar o mercado brasileiro. Investiremos mais na tequila no Brasil, com a nossa marca Don Julio, e expandiremos a presença em bares, restaurantes e supermercados.
CM: Qual foi o impacto financeiro da estratégia de diversificação de embalagens e lançamento de novos produtos no mercado brasileiro? Vocês observaram um aumento no ticket médio ou na margem de lucro em comparação aos anos anteriores?
Dentro da nossa estrutura, a área de inovação contribui para definir novos formatos de embalagens, acelerar o crescimento de produtos em lata e atrair um perfil de consumidor mais jovem.
Em um momento em que o brasileiro está redefinindo o seu padrão de consumo de acordo com sua renda, é fundamental disponibilizarmos formatos variados de embalagens, seja no On Trade (bares e restaurantes) ou no Off Trade (supermercados, conveniência, empórios). Neste cenário, um consumidor não deixa de comprar o seu whisky de preferência, por exemplo, e, sim, ajusta o seu orçamento para adquirir uma garrafa de 750ml, com menor custo financeiro, no lugar do tradicional formato de 1 litro. Esta é uma ferramenta indispensável para assegurarmos o nosso nível de competitividade no mercado.
Além disso, a categoria ready to drink tem se expandido rapidamente no Brasil, oferecendo opções mais acessíveis em termos de preço e conveniência, ao mesmo tempo em que proporciona mais diversidade de sabores em um mercado com forte cultura cervejeira. Ao disponibilizar coquetéis prontos para consumo, conseguimos facilitar a experiência para o consumidor.
Acreditamos que os produtos ready to drink funcionam como uma porta de entrada para novos consumidores. Na categoria de whisky, lançamos recentemente o Johnnie Walker Blonde, uma versão mais suave e acessível, que ampliou nosso share no mercado.
Essas inovações têm sido pilares de nossa estratégia para fortalecer nossa presença e conquistar novos consumidores que buscam conveniência, qualidade e diversidade. Temos investido em ações criativas, como o desenvolvimento de combos, embalagens especiais e colaborações com artistas e outras marcas. Nosso objetivo é que nossos produtos sejam parte de uma experiência constante, acessível e relevante no cotidiano.
Há alguns meses, vocês registraram quedas nas vendas líquidas. Que ações estão sendo priorizadas para melhorar o desempenho e como vocês pretendem envolver a equipe e os parceiros nesse processo de recuperação? Quanto vocês planejam crescer para os próximos anos?
Como nossa CEO global, Debra Crew, já manifestou: estamos todos empenhados em virar esse cenário. E posso dizer que estamos conseguindo, com melhora sequencial de mercado.
Importante lembrar que estamos vindo de uma trajetória de sucesso, em que dobramos de tamanho no Brasil desde 2019 e continuamos ganhando share de destilados no mercado de bebidas alcoólicas. O nosso foco está em resultados de longo prazo. Também temos visto um aumento de demanda de produtos, com whisky e vodka liderando o ganho de share de destilados. Em 2023, atingimos o maior share de whisky da história no Brasil, por exemplo.
A partir do entendimento profundo do consumidor, oferecemos um portfólio versátil, com ampla gama de produtos e diferentes faixas de preço, o que nos permite atender a uma variedade de perfis de consumidores, garantindo opções acessíveis sem abrir mão da qualidade.
CM: Como a Diageo vê o papel de “premiunização” no setor de bebidas alcoólicas no Brasil, e quais iniciativas foram implementadas para educar os consumidores sobre o valor agregado dos produtos premium, aumentando a demanda por esses itens?
O consumidor brasileiro tem ajustado seu padrão de consumo de acordo com sua renda, redirecionando gastos para priorizar determinadas áreas. Esse comportamento já pode ser observado nas nossas categorias, onde a tendência não é de consumir mais, mas sim de buscar opções mais premium, o que reflete a busca por qualidade e experiências superiores.
Atuamos no setor de bebidas premium, de maior valor agregado. Nosso portfólio é reconhecido pela alta qualidade do líquido e versatilidade para atender a todas as ocasiões de consumo. Por exemplo, nossa linha de whiskys Johnnie Walker tem opções desde o Blue Label, um produto de luxo, até o Blonde, um novo tipo de whisky desenvolvido exclusivamente para a coquetelaria. É um conceito completamente novo dentro do mundo do scotch, feito para misturar, o que torna mais fácil criar coquetéis, não só para a noite, mas também durante o dia, em situações informais.
No On Trade, a experimentação desempenha um papel fundamental nesse processo, e os bares e restaurantes têm investido em opções criativas e sofisticadas de coquetéis para atrair um público mais diversificado. Esse tipo de inovação não só atrai novos consumidores, mas também aumenta o tíquete médio. Com a inclusão de drinks mais elaborados, os estabelecimentos conseguem se destacar no mercado, oferecendo experiências mais enriquecedoras e, consequentemente, fidelizando um público em busca de novidades e qualidade.
CM: De que maneira vocês têm utilizado a tecnologia, especialmente Inteligência Artificial, para entender melhor as preferências dos consumidores e personalizar a experiência de compra, seja em bares ou no varejo?
Temos nos empenhado em aprimorar a experiência do usuário e sofisticar a interação no comércio eletrônico. Reformulamos a nossa plataforma D2C, The-Bar, que deixou de ser apenas um ponto de venda e se tornou um espaço de experiências e serviços exclusivos. O foco passou a ser oferecer não só produtos, mas uma imersão no universo da coquetelaria e dos destilados.
A nova plataforma reúne uma combinação de produtos selecionados, conteúdos especializados e serviços exclusivos. Oferecemos desde artigos informativos, vídeos com receitas e entrevistas, até histórias inspiradoras, criando uma experiência envolvente para os diversos públicos que acessam o site.
Além disso, um dos pilares de nossa estratégia de transformação digital é o uso de Inteligência Artificial para direcionar nossa inovação. Em 2022, adquirimos a Vivanda, uma startup especializada em análise de dados de preferências de consumo. Com isso, expandimos a plataforma What’s Your Whiskey (Encontre o Seu Sabor), que agora ajuda os consumidores a selecionar a bebida que melhor combina com seu paladar, por meio de um questionário simples. Atualmente, o serviço está disponível em 26 países e 60 idiomas, incluindo o Brasil.
Estamos colaborando, também, com a startup AI Palette, que utiliza IA para monitorar dados de mídias sociais e as tendências de alimentos e bebidas, auxiliando na compressão de quais sabores estão ganhando relevância no mercado.