O Brasil virou uma verdadeira indústria legal. Existem mais de 1,2 mil faculdades de direito no Brasil – um número superior a somatória de todas as faculdades de direitos do mundo – e que despejam um verdadeiro exército de advogados. Tanto advogado, naturalmente, resultaria em outro número impressionante: no Brasil, considerando os municípios, os estados e o governo federal, são aprovadas 700 leis por dia. E tanta regra é um terreno fértil para diversas incertezas para o mundo dos negócios, uma vez que não há previsibilidade. Existe sempre a possibilidade de surgir uma lei/novidade no mercado.
Esse foi um dos assuntos do painel “Defesa do Consumidor só vale por decreto”, no Conarec deste ano.
Claudia Silvano, diretora do Procon Paraná e mediadora do encontro, fez um apanhado geral da defesa do consumidor nos últimos anos. Primeiro, destacou os problemas dentro do sistema nacional de defesa do consumidor, o que inclui até mesmo histórias de evasão de profissionais dos Procons para o setor privado – o que, naturalmente, faz a qualidade do profissional ser menor. Ela também citou recentes debates com a sociedade, alguns deles bem sensíveis aos direitos dos consumidores, como é o caso da revisão do decreto do SAC. “Tentou-se discutir a reformulação do decreto após dez anos de vigência da norma. A questão é a pertinência do decreto depois de tantos anos, mas, no fim, essas discussões não resultaram em nada efetivo”, disse.
E qual será o futuro da defesa do consumidor nesse cenário? Há muitos desafios. Marcelo Sodré, especialista, professor de direito e colunista da revista Consumidor Moderno, refletiu sobre a sua própria trajetória (e que muitas vezes se confunde com a defesa do consumidor paulista) e o atual momento do sistema. “Eu fui diretor do Procon em 1988. Quando assumi a conversa era muito difícil. Era algo visto como comunista. Hoje, eu penso se o Código de Defesa do Consumidor (CDC) seria realmente aprovado… Naquele tempo houve a participação de toda a sociedade. E era toda mesmo. Empresas, OAB, Conar, entre outros. Foi justamente desses encontros que surgiram desse debate que foi construído o CDC, que é uma lei com legitimidade. Hoje, o que vemos são leis que nascem do nada e viram aquilo que todos vocês já sabem”, afirma.
O CDC, de fato, mudou muita coisa neste País. O setor bancário, conhecido por sua força, chegou a questionar a validade da lei para o setor. No entanto, mesmo empresas com essa robustez também souberam reconhecer a força da lei e passaram a trabalhar dentro das regras do jogo definidas pelo CDC. Rogério Taltassori, ouvidor do Itaú Unibanco, esse reconhecimento está ligado a outro tipo de compreensão do banco: eles entenderam que a lei acompanhou a evolução do consumidor e o ajudou a se empoderar.
“As leis devem representar a base. Quanto às empresas que participam do mercado, e que tem pretensão de continuar nela, precisam entender que esses princípios precisam ser incorporados, seja com ou sem uma lei. E quando a gente fala de valores, a reputação é uma delas. Hoje, o consumidor tem a capacidade de distinguir uma propaganda de uma história real. Essa percepção está cada vez apurada”, afirma Taltassori.
Ricardo Morishita, professor e especialista em direito do consumidor, também fez uma rápida reflexão sobre o assunto. Segundo ele, as pessoas se acostumaram com o processo de que é necessário ter lei, caso do cinto de segurança. “Eu sou da geração que achava que cinto atrapalhava e amassava roupa. Tivemos sanções, multa. No Brasil, há uma sensação de que, quando as coisas não parecem funcionar, edita-se uma lei. Por meio da norma vamos expulsar os nossos demônios. E fazemos isso o tempo todo. Além disso, legislamos para defender os nossos interesses e isso não ajuda em nada o país. Sabia que o Brasil edita 700 leis por dia, sejam elas municipais, estaduais e até mesmo na União”, afirma.
Boas práticas
O assunto legislação também foi o assunto abordado por Gisele Garuzi, ouvidora da seguradora Líder-DPVAT. Garuzi criticou o excesso de leis existentes no Brasil para todo o tipo de fim – inclusive o consumidor. “É evidente que isso não é suficiente ou, quem sabe, seria o ponto final para de fato respeitar todo e qualquer cidadão. Eu acredito nas boas práticas e estímulos positivos. A empresa deve ser capaz de mostrar a boa prática de fato. Mas, o consumidor também precisa refletir sobre os seus direitos, deveres e todo o seu papel na sociedade. Ele precisa entender o seu propósito”, disse.
Sônia Rica, diretora de atendimento na seguradora Porto Seguro, concordou com Garuzi quanto as boas práticas. E foi além: na avaliação dela, as empresas precisam “fazer mais pelo cliente e falar menos”. Entre falar e fazer, eu vejo uma distância significativa. Não fazemos isso chegar à ponta. Eu entendo que esse seja o desafio. Cada um fazendo bem ao seu pedaço, cuidando bem do seu cliente.