Em um mundo onde cada tendência viral parece um anúncio disfarçado, o consumidor moderno se vê cada vez mais envolvido em ciclos acelerados de desejo e arrependimento. O fenômeno do FOMO (fear of missing out) e as tendências como “TikTok me fez comprar” ou “Olha o que eu achei no Instagram?” alimentam impulsos de compra que muitas vezes levam as pessoas a se perguntarem depois: “por que eu comprei isso?”. Mas o que realmente motiva essas decisões?
No SXSW 2025, especialistas em comportamento do consumidor exploram os gatilhos psicológicos que impulsionam nossas compras, analisando fatores como escassez, significado e empatia pela marca. O painel teve Tom Denari (Young & Laramore), Kelly Goldsmith (Vanderbilt University), Michael Platt (University of Pennsylvania – The Wharton School) e Lawrence Williams (University of Colorado), que compartilharam suas pesquisas sobre como a indústria do marketing usa esses elementos para influenciar as escolhas dos consumidores. Será que estamos cada vez mais suscetíveis ou há um caminho para um consumo que traga gratificação, autoexpressão e consciência?
Toda a ciência de comportamento, incluindo a neurociência, pode ajudar a compreender melhor como engajar e interagir com os consumidores em toda a sua diversidade, características e crenças? Claro que sim. Mas, antes de mais nada, é necessário desfazer preconceitos e pressupostos que estão associados ao comportamento do consumidor. Os processos de decisão não são perfeitamente definidos e há muita imprecisão na compreensão das escolhas e das preferências. A nova ciência do comportamento leva em consideração a influência dos pares sobre as decisões das pessoas, os objetivos iniciais, as missões e motivações. E sim, sabemos que os consumidores tomam decisões irracionais e frequentemente dissociadas do que dizem. Quando um consumidor se expressa, não necessariamente diz aquilo que sente na realidade.
Em tempos digitais, as influências sociais são muito significativas. Somos particularmente sensíveis aos “líderes de conversa”, influenciadores ou pessoas próximas que tornam suas reações, preferências e escolhas uma fonte de informação para nossas decisões. Exatamente por isso, não é recomendável acreditar no que as pessoas fazem e, sobretudo, no que falam.
O papel da escassez
Todos os consumidores têm carências, sejam emocionais ou materiais, e, por isso, nossos hábitos digitais mexem com nossa forma de consumir. Ao rolarmos o feed do TikTok ou do Instagram, somos impactados por produtos que estimulam impulsos e nos sentimos irresistivelmente inclinados a comprar. A ideia de ter, a partir da formulação sobre o que significa não ter (determinado produto), mexe com nossas carências e nos motiva a comprar o que não realmente precisamos.
Se você for um profissional de marketing e quiser criar conexões reais com o seu consumidor, deve criar antes, na verdade, conexões com o “cérebro social” que engloba esse cliente. É o caso das tribos que se organizam em torno de produtos comuns. Donos de iPhone, por exemplo. Eles não querem se sentir excluídos e apartados dos grupos que frequentam e, quando deixam seu iPhone sobre a mesa, ativam um marcador social claro que os define e os integra. Em certo sentido, o marcador social é também biológico, na medida em que permite demarcar um território e um espaço de conquista e expressão.
Identidades e conexões sociais
Segundo Lawrence Willians, “o poder do nós” é o senso de pertencimento que circunscreve quem somos, o que fazemos e o que consumimos. Todas as marcas devem se dedicar a criar sentidos e, a partir desses sentidos, simbólicos, sensoriais, significativos, construir redes de relacionamento que aproximam as pessoas umas das outras. Ou seja, gostamos do iPhone pelo que ele é como produto ou pelo que ele representa como instrumento que viabiliza minha conexão com iguais, com amigos e profissionais do meu círculo próximo?
Existem muitos “eus”, que exploram muitas áreas da vida. E quais delas ocupam, proporcionalmente, a maior parte da minha vida? Muitas vezes um produto pode ativar mecanismos mentais necessários para dar sentido à nossa vida, em particular, a criatividade e o propósito. Esse conceito tão desgastado ocupa uma posição fundamental na psique humana. Propósito da à pessoa a consciência de que ela está no mundo e de que ela existe e pode interferir nele. E vejam: quando o consumidor percebe que o seu propósito não pressupõe comprar e pagar por alguma coisa, a contradição entre comprar e não comprar traz sofrimento para ele. Todo consumidor sente a perda do produto que não comprou. É doloroso negar os próprios sonhos.
No mundo hiperconectado atual, as pessoas sofrem também pela escassez de tempo. Exatamente por isso que os varejistas devem evitar completamente fazer o cliente perder tempo precioso procurando pelo que não precisam. Até porque os consumidores têm mais informação sobre o que querem como em nenhum outro período da história. E é possível acumular mais informação sobre consumidores do que em qualquer outro período da história. E o que as empresas fazem para entender o que realmente motiva os consumidores para além de circunstâncias?
A busca por sentido
Identidade, aversão a perda, conexões sociais, inseguranças, experiências, missões e motivações constituem a busca do cliente por sentido. Exatamente por isso que ele é sensível às histórias. É o que o ajuda a integrar uma espécie de rede social cerebral, que une seus integrantes em torno de símbolos e afinidades, e na qual as pessoas que mais se destacam são aquelas que experimentam e descobrem. O que, por sua vez, reforça a necessidade de pensar e fundamentar estratégias reais de centralidade e experiência do cliente.
Nesse ponto, por mais que se fale em personalização, ela esbarra e é limitada pela nossa necessidade de pertencer a grupos. O carro que eu dirijo pode me levar do ponto “A” ao ponto “B”, mas ele representa mais do que isso: pode ser um símbolo do quanto sou engajado na causa de um mundo mais saudável se o carro for elétrico, ou um símbolo do quanto sou criativo, se o veículo tiver um design arrojado. Todas essas buscas, esses marcadores, o sentido e os símbolos geram aquela dose diária de dopamina que nos satisfaz e supre as carências, as faltas, os buracos que tornam nossa vida incompleta.
Exatamente por isso que o ciclo do consumo é uma busca interminável. Em doses modestas ou intensas, a satisfação da dopamina nossa de cada dia se transfigura naquilo que somos e na maneira com sentimos e interpretamos o mundo.
No divã dos consumidores, são as empresas que mais sofrem com o fator humano, com nossas emoções e contradições. Quem sabe as IAs emocionais possam interpretar com mais precisão esse eterno insatisfeito que é o consumidor moderno?