Há tempos que se acreditava que inflamações crônicas causadas por doenças ou mesmo a exposição a químicos perigosos estavam ligadas de alguma forma ao desenvolvimento de diversos tipos de câncer. Mas, na ausência de provas científicas, até hoje era um mistério como exatamente todo esse processo funcionava.
Felizmente pesquisadores do Massachussets Institute of Technology (MIT) desvendaram este mês o mecanismo pelo qual a inflamação crônica pode levar ao câncer. Num relatório publicado esta semana no Proceedings of the National Academy of Sciences, os cientistas demonstraram que um dos agentes químicos do próprio sistema imunológico usado para combater infecções pode criar mutações genéticas que levam ao mal.
Acredita-se que cerca de um em cada cinco tipos de câncer sejam motivados ou promovidos por inflamações. Entre eles estão o mesotelioma, uma variação de câncer pulmonar causado pela inflamação provocada pela exposição crônica ao asbesto, e o câncer de colo em pessoas com um histórico de doença inflamatória do intestino, afirma Bogdan Fedeles, pesquisador associado do Departamento de Engenharia Biológica do MIT e autor do relatório.
DNA danificado
De acordo com a nova descoberta, quando o sistema imunológico recebe o alerta de infecção ele dispara moléculas de água oxigenada na região. Só que além de destruir o invasor, a substância acaba danificando uma das bases da estrutura do DNA, a citosina, do tecido saudável no entorno da infecção. E ao invés de destruí-la, a molécula acaba gerando uma variação chamada de 5-clorocitosina (5ClC), que continua fazendo parte e sendo disseminada pelos nucleotídeos. Em outras palavras, a infecção é transmitida a novas células durante o processo de replicação celular.
A lesão, 5ClC, estava presente em níveis extraordinariamente altos no tecido, segundo John Essigmann, professor de química, toxicologia e engenharia do MIT, que liderou a pesquisa. ?Lesões que são persistentes, caso sejam também mutagênicas, são do tipo de lesão que iniciariam o câncer?, garante o professor. Segundo Essigmann, o corpo humano não possui um sistema de reparo para eliminar esse tipo de molécula.
Resposta imune inata
A inflamação é um processo natural do organismo, e faz parte da resposta do corpo a vírus, bactérias ou qualquer outro invasor que possa ser nocivo à saúde. Ao detectar sua presença, o sistema imunológico ataca o invasor com uma série de moléculas reativas produzidas para neutralizá-lo, entre elas o peróxido de hidrogênio (comercialmente conhecida como água oxigenada), o radical livre óxido nítrico e o ácido hipocloroso ? principal ingrediente do alvejante doméstico. O problema é que estas mesmas moléculas, que são produzidas para proteger o próprio corpo, também podem causar danos colaterais ao tecido saudável em torno da região inflamada.
Acumulo de lesões acelera desenvolvimento da doença
Para confirmar que a 5ClC é mutagênica, ou seja, tem a capacidade de provocar mutações no DNA humano, os pesquisadores replicaram o genoma que continha a lesão com uma variedade de tipos diferentes de polimerase, a enzima que forma o DNA, incluindo polimerases humanas. ?Em todos os casos descobrimos que a 5ClC é mutagênica, e causa o mesmo tipo de mutação vista dentro das células?, afirma Fedeles. ?Isso nos deu convicção de que este fenômeno de fato aconteceria em células humanas contendo altos níveis de 5ClC.?
Estudos feitos com amostras de tecido de pacientes que sofrem de doença inflamatória intestinal descobriram níveis significativos de 5ClC, acrescenta Fedeles. Ao comparar estes níveis com as descobertas de seu time sobre como a 5ClC mutagênica é, os pesquisadores preveem que o acúmulo das lesões aumentaria a taxa de mutação da célula em até 30 vezes, diz Fedeles, que foi honrado com o prêmio Benjamim F. Trump na Conferência de Câncer de Aspen em 2015 por conta da pesquisa.
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