Nos últimos anos, a indústria brasileira tem apresentado números de crescimento inferiores à expectativa do mercado. A logística prejudicada pela malha rodoviária deteriorada e insuficiente para atender os picos de demanda e a carga tributária alta e complexa do país estão entre as razões mais citadas pelos analistas.
Outro diagnóstico está na forma como alguns varejistas tratam os produtos nos pontos de venda, gerando impactos de percepção prejudiciais às marcas. A indústria tem verificado que isso acarreta um risco para a construção da marca dos seus produtos.
Para um produto produzido pela indústria chegar ao mercado, ele passa por vários anos de longos estudos, pesquisas, desenvolvimento de design, adequação e estudo de lifestyle do consumidor e testes em laboratórios dos mais variados tipos. Além disso, há investimentos em marketing, publicidade e royalties, entre outros. Diante de todo esse esforço e investimento, em muitos casos, o empresário vê o seu produto no chão ou escondido em um dos cantos da loja.
Para ver seus produtos mais valorizados no ponto de venda, não se trata apenas do desejo da indústria em participar do varejo, mas uma questão de necessidade e até mesmo de sobrevivência.
O maior desafio para a indústria nessa estratégia é entrar no varejo sem criar conflito de canais, o que pode ser um risco para o negócio. Ou seja, não passar a ser concorrente de seus próprios clientes. É, sem dúvida, uma decisão difícil.
A estratégia da indústria tem sido criar modelos de lojas flagship, as chamadas lojas-conceito. O objetivo é mostrar para o mercado como apresentar, maravilhosamente bem, produtos desvalorizados pela má exposição nos pontos de venda. Algumas indústrias têm entrado no varejo com muito sucesso, reposicionando e reforçando a capilaridade da marca.
Tenho trabalhado com muitos e grandes cases deste tipo, como Hering Store, Artex e Tramontina. Constato que tem sido um movimento saudável criar um ciclo virtuoso da indústria em entender os desejos dos consumidores e poder ajudar os varejistas com informações valiosas para a construção do mix de produtos para os diversos segmentos de mercado.
O que tem ocorrido é que a indústria está conhecendo o funcionamento do varejo e, em vez de serem vistos como concorrentes diante dos seus clientes, essas indústrias passaram a ajudar os varejistas a crescer, a perceber e a valorizar melhor a qualidade dos produtos antes desprezados nos pontos de venda.
E mais: os dados apontam que depois que a indústria começou a entrar no varejo, seus clientes varejistas começaram a vender produtos que antes não conseguiam vender. Constatei que alguns varejistas passaram a solicitar e cobrar da indústria por produtos que antes eram desprezados por ele, pois a percepção mudou.
Um produto bem exposto chega a valorizar 100% o preço. Um produto pode valer R$ 60,00, mas se for exposto no chão da loja, ele passa a ter aparência de R$ 30,00. Mas quando a indústria, em sua loja-conceito (flagship), expõe o produto de forma diferenciada, valorizada, em uma loja conceito iluminada, com temperatura ideal e com aroma agradável (que define o DNA olfativo), música equilibrada e balanceada (que define o DNA auditivo), o varejista passa a ver os produtos de outra forma.
Em um processo de compra B2B o comprador do varejista não vê a forma como ele está exposto na flagship. O comprador pode cometer o equivoco de achar que determinado produto ofertado é acima do nível do mercado. Diante disso, acaba não arriscando em inovar e comprar a novidade.
Quando este mesmo comprador do varejista vai a uma flagship da indústria e vê como o novo produto exposto, valorizado, com curadoria e explicações ao consumidor de forma precisa e assertiva, percebe o índice de inovação e passa a desejar o produto proposto pela indústria para o mercado. Chamamos isso de desenvolver cultura de consumo e reposicionar a percepção das marcas da indústria no varejo.
Outro diferencial tem sido no atendimento. A informação das funcionalidades e diferenciais dos produtos, em alguns casos, não é conhecido por falta de treinamento. Em muitas lojas, esses produtos que a indústria investiu tanto para colocá-lo no mercado são tratados como commodity.
Criar ambientes de venda com equipamentos sofisticados de exposição, iluminação e comunicação no ponto de venda é trabalho do varejista, mas a indústria está aprendendo a fazer varejo a ponto de se tornar um processo irreversível de âmbito mundial. O varejo continua detendo a cadeia da compra e distribuição, do que vende e do que não vende. A diferença é que agora, mais experiente, a indústria está perguntando ao varejista: por que não vende?
*Julio Takano é presidente da ABIESV (Associação Brasileira da Indústria, Equipamentos e Serviços para o Varejo) e sócio da KawaharaTakano Arquitetura Soluções para o Varejo.
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