As discussões sobre acessibilidade na internet já acontecem há algum tempo, mas quando se trata de e-commerce, pesquisas mostram que apenas 1% consegue atender às necessidades das pessoas com deficiência – e entre os principais e-commerces, todos apresentam alguma barreira.
O número chama atenção pela discrepância, já que no Brasil há cerca de 7 milhões de pessoas com algum tipo de deficiência, o que mostra que a importância de promover mais ações voltadas à acessibilidade no e-commerce.
O Movimento Web para Todos (WPT), criado em 2017, reúne organizações, pessoas com deficiência e desenvolvedores para promover essas mudanças necessárias a partir de experiências e dificuldades reais do uso da Internet e do consumo em e-commerces.
“Eu, enquanto surdo, acho importante que a acessibilidade na internet exista para os surdos, para surdocegos e pessoas com daltonismo”, diz no site do WPT o arquiteto e professor de Libras, Alexandre Ohkawa. Ele cita como exemplo a importância de que os vídeos publicados na web tenham legendas em português ou a janela com a interpretação na linguagem de sinais, de que haja um cuidado com as cores das roupas de quem está aparecendo, assim como com o fundo da cena para que a imagem possa ser entendida até por quem tem pouca visão.
“Precisamos aceitar que vivemos em uma sociedade globalizada para todos e repleta de informações, de modo que é realmente necessário estar acessível a cada ser humano, o que irá facilitar para que cada um tenha oportunidade de ter opções de escolha sobre sua preferência de acessibilidade”, diz.
Acessibilidade no e-commerce?
As compras online ganharam mais força nos últimos anos e ainda foram impulsionadas pelo momento de pandemia, mas será que essa foi a realidade de todos? Pesquisas e estudos do Movimento Web Para Todos mostram que não: quando o assunto são compras pela internet, ainda existem inúmeras barreiras para as pessoas com deficiência.
Segundo o World Wide Web Consortium (W3C) Brasil, em sua cartilha Acessibilidade na Web, derrubar esses obstáculos é dar “a possibilidade e a condição de alcance, percepção, entendimento e interação para a utilização, a participação e a contribuição, em igualdade de oportunidades, com segurança e autonomia, em sítios e serviços disponíveis na web, por qualquer indivíduo, independentemente de sua capacidade motora, visual, auditiva, intelectual, cultural ou social, a qualquer momento, em qualquer local e em qualquer ambiente físico ou computacional e a partir de qualquer dispositivo de acesso”.
No estudo As Principais Barreiras de Acesso em Sites do E-commerce Brasileiro – 2º Estudo de Acessibilidade em Sites, realizado pelo Web Para Todos em 2018, existiam vários obstáculos de acessibilidade de e-commerce nos principais nomes do mercado.
A descrição de imagem, apesar de já ser prática adotada pelos sites, se mostrou ineficaz, já que as pessoas com deficiência visual ou baixa visão, por exemplo, não conseguiam entender o que havia no site apenas pela descrição. Nesse caso 76% dos usuários declararam terem tido essa dificuldade. Entre as informações faltantes, estavam, por exemplo, a cor do produto, algo essencial para a escolha.
Outro dado importante mostra que em 28% dos testes, os usuários não conseguiram concluir o processo de compra, mesmo que tenham conseguido escolher o produto e entender as imagens a partir das descrições. Isso mostra obstáculos nas páginas de finalização da compra, principalmente na área de formulário, segundo o estudo do Web Para Todos.
Para especialistas, isso mostra que muitas vezes esses formulários não estão claros o suficiente, seja na explicação por audiodescrição, seja na organização da página. Isso pode atrapalhar o entendimento de pessoas com baixa visão ou com daltonismo, por exemplo.
Garantido por Lei
Apesar da maior parte dos sites não estarem realmente de acordo com as necessidades das pessoas com deficiência, essa acessibilidade no e-commerce ou em outros sites, na verdade, é obrigatória por lei.
A Lei Brasileira de Inclusão (13.146) prevê que os sites de todo o Brasil ofertem acessibilidade ao público com deficiência. Isso significa que todas as pessoas com deficiência, seja física, auditiva, visual, intelectual ou múltipla, devem ter o direito de navegar na rede, sem barreiras.
Além disso, o próprio Código de Defesa do Consumidor garante o direito básico à informação relacionada ao consumo. Dessa maneira, é preciso que os detalhes do produto ou serviço estejam claros e, além disso, que as pessoas com deficiência também consigam acessá-los e entendê-los.
Esse ainda é um desafio quando o assunto é inclusão. Por exemplo, apesar da lei federal determinar que os sites sejam acessíveis, os próprios sites governamentais têm uma taxa baixíssima de acessibilidade plena: menos de 1% deles, de acordo com os dados da pesquisa.
Mudanças necessárias
Esses obstáculos presentes nos e-commerces não são exclusivos desse mercado. Na verdade, de acordo com os dados, a Internet ainda é um ambiente pouco inclusivo para as pessoas com deficiência. Mesmo quando existem mecanismos voltados a isso, são muitas vezes feitos sem muita atenção, como é o caso do exemplo da descrição de imagem.
Ou seja, mesmo que o site permita a audiodescrição por parte das pessoas cegas, a descrição textual feita não traz as informações certas e, muitas vezes, nem as informações essenciais, o que prejudica o entendimento.
Além disso, as mudanças necessárias para a acessibilidade no e-commerce também precisam levar em consideração todos os tipos de deficiência ou dificuldade motora e intelectual. Por exemplo, pessoas com epilepsia fotossensível podem sentir mal estar e até terem crises epilépticas caso o site tenha um visual muito carregado.
O mesmo se encaixa no caso de pessoas dentro do espectro autista: o indicado são sites limpos, organizados, com cores mais sóbrias e que tenham um “caminho de compra” estruturado de maneira lógica, em que a pessoa consiga presumir o que vem a seguir (como um botão com o nome da próxima etapa, e não apenas com uma seta).
Tecnologias e recursos que promovem acessibilidade no e-commerce
Entre as mudanças necessárias apontadas pelo Movimento Web Para Todos, é possível notar que a tecnologia é um grande facilitador desse processo. Tanto, que o Movimento conta com desenvolvedores para entender e estudar a estrutura dos sites, buscando encontrar pontos de melhorias – que, como os dados mostram, ainda são vários.
Dessa forma, a partir da tecnologia é possível desenvolver recursos para tornar a acessibilidade no e-commerce algo próximo do adequado. Entre os recursos que podem ser incluídos nos sites estão:
- Audiodescrição de produtos, combinado com uma descrição de imagem de qualidade;
- Possibilidade de zoom de 200%, com site responsivo;
- Display em braille para facilitar o uso;
- Controle por entrada de voz também para pessoas com dificuldades motoras;
- Cadastro simplificado;
- Interface limpa e objetiva;
- Textos diretos e objetivos;
- Intérprete virtual de libras, entre outros.
Para isso, são inúmeras as tecnologias que podem ser aplicadas, como inteligência artificial, que permite a busca por voz e outros mecanismos de acessibilidade, como audiodescrição e intérprete de libras em formato virtual.
Além disso, as áreas de experiência dos usuários (UX Writer e Design) estão cada vez mais envolvidas com as necessidades das pessoas com deficiência, sendo um setor importante de investimento para sites que desejam cumprir com as regras e promover mais acessibilidade no e-commerce para todos.
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